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Desconstruindo Lampião

Lampião e seu bando numa foto de Benjamin Abrahão Botto, tema do filme “Baile Perfumado”

Terrorista, contrabandista de armas, estuprador e miliciano que extorquia os ricos e destroçava a vida dos pobres sertanejos com extremo sadismo, Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938) foi guindado à categoria de justiceiro por obra e graça de Luiz Carlos Prestes, o “cavaleiro da esperança” do antigo Partido Comunista.

Essa é a essência do livro Da Silva: a Grande Fake News da Esquerda – o perfil de um criminoso conhecido e famoso pela alcunha Lampião, que Tiago Pavinatto publicou pela editora Almedina. Encabeçando a lista dos mais vendidos, o impressionante relato teve a publicação motivada pela vitória da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no Carnaval carioca deste ano.

Não bastasse o enredo ter sido inspirado num cordel sobre o “rei do cangaço”, a agremiação fechou o desfile exibindo a cabeça coroada de Lampião no último carro alegórico, tendo como destaque a filha do famigerado. A madrinha da escola foi ninguém menos que a primeira-dama do país, Janja da Silva. Indignado, Pavinatto (que é doutor em Direito, jornalista conservador e gay assumido) desengavetou a pesquisa iniciada em 2020 e publicou o livro.

Perfil psicopata

Se a figura de Lampião inspirou dezenas de livros, filmes, músicas e estudos acadêmicos, devemos considerar que boa parte dessa produção serviu apenas para sustentar o mito. Pavinatto não só apresenta o perfil de um psicopata contumaz, como aponta o fato de Prestes ter criado a narrativa de que Virgulino teria sido uma espécie de Robin Hood ou vingador das classes menos favorecidas.

Pelo contrário, ele assombrava principalmente os mais pobres, e tinha todos os defeitos que a esquerda diz combater. Enriqueceu-se com assaltos, contrabando, extorsões e agiotagem, serviu a coronéis do Nordeste e morreu rico, muito rico. Curiosamente, chegou a ser cogitado para combater a Coluna Prestes, vindo daí sua patente de capitão.

Coxo, encurvado e cego de um olho, Lampião odiava carecas, aleijados, efeminados e mulheres de cabelo curto. Sua companheira, Maria Bonita (que na verdade era feia), o desagradou profundamente ao adotar o corte a la garçonne, copiado das revistas de moda que costumava folhear.   

Racista assumido 

O “rei do cangaço” tinha pele escura, mas seus capangas, coiteiros, coronéis e mesmo autoridades e cordelistas diziam que ele era da cor de bronze ou “brônzicor”. Isso porque o cabra achava que “negro não é gente; negro é a imagem do cão”. Certa vez, depositou dinheiro aos pés das imagens de santos no oratório da Fazenda Borda da Mata. Menos São Benedito, diante do qual exclamou: “Quem pode pensar que um santo possa ser negro?”.

Em 22 de dezembro de 1929, na cidade baiana de Queimadas, Lampião e seu bando cortaram os fios telegráficos e assaltaram o quartel local. Prendendo sete soldados, levaram todos para a casa do juiz Manoel Hilário do Nascimento. Ao constatar que muitos eram negros, Virgulino ironizou: “Eu falo com a devida franqueza. Se não tivesse preto na polícia para dar ordens pra gente, eu até que sentava praça”.

Os três servidores da Justiça ali presentes também eram pretos e, diante deles, o “rei do cangaço” exclamou em alto e bom som: “Terra desgraçada, toda a justiça é negra”. Na sequência, ordenou ao magistrado que lhe servisse água. Agarrando a mão do homem no momento da entrega do copo, observou: “Ah, não tem calo! Isso é nego bom pra uma enxada”. Em seguida, os sete soldados capturados foram mortos.

Estuprador impiedoso

Mas a pior prática dos cangaceiros era o estupro, do qual só costumavam escapar esposas e filhas de coronéis aos quais eles serviam. Lampião geralmente era o primeiro da fila a abusar de mulheres, inclusive jovenzinhas virgens. Sendo a virgindade um patrimônio importante no sertão medieval, elas ficavam desgraçadas para o resto da vida, quase sempre impedidas de casar.

Certa vez, ao provocar hemorragia na vagina de uma adolescente, ele usou terra para estancar o sangue e obrigou a avó da vítima a limpar-lhe o pênis. Um dos seus homens costumava marcar o rosto da coitada, imprimindo com ferro em brasa as iniciais do seu nome, JB. Vale lembrar que seu braço direito, Corisco, ficou com a menina Dadá somente depois de tê-la estuprado.

Em seu livro, Pavinatto (que deixou a Jovem Pan depois de xingar um desembargador por ter inocentado o estuprador de uma menina) segura a atenção do leitor com narrativa precisa, enxuta e bem documentada. Honesto em sua pesquisa, ele desmonta o mito do cangaceiro como “bandido social”, espécie de justiceiro. Se Lampião ainda é admirado, isso se deve à desinformação e às falsas narrativas em torno dele.

9 comentários em “Desconstruindo Lampião”

    1. Por essas e por tantas outras que os petistas e corjas semelhantes defendem os ditadores assassinos soviéticos, bolivarianos etc.
      Eles são os donos dos valores, das éticas. Definem o que é certo e errado de acordo com os interesses eleitoreiros e financeiros. Canalhice é pouco pra definir essa seita de psicopatas.

  1. Augusto Carlos Duarte

    Como assim “odiava carecas”?
    Bom, vamos aos “finalmentes”: palavra típica dos cordéis é “peleja”; não há narrativa sem conflito. E, no cordel, enfrenta-se até o demo.
    Não li o livro em questão, mas é importante passar certas histórias a limpo, notadamente algumas que enaltecem figuras no mínimo controversas: já se aventou o fato de que Lampião era uma espécie de Robin Hood do Nordeste (deve ter inspirado alguns líderes de partidos e movimentos “sociais” contemporâneos), já o colocaram como temente a Deus e amigo pessoal do “padim Ciço”, já o pintaram como “vítima da sociedade” (teria iniciado suas andanças, não para ver se algum dia descansava feliz, mas para vingar uma morte; o que faria com que a “lei” de Lampião fosse inspirada na Lei de Talião.
    No cordel, também é mais uma rima, do que uma solução.
    Lampião, Zumbi e outros tantos, Brasil afora (não ê um privilégio do nordeste), ganham contornos de ficção, mascarando a triste e por vezes cruel realidade das personalidades de muitos.
    Mas a realidade é outro nome para a verdade. E é sabido que ela sempre aparece.

    1. Não li o livro do Pavinato sobre o Lampião. Não conheço a profundidade de sua pesquisa, o método usado, mas é oportuno mesmo a revisão de histórias que exaltam personagens controversos, forjados nos discursos ficcionais e crenças inconsequentes, em cima dos quais está configurada a história do Brasil. Lampião como um psicopata, seguindo as teorias e e metodologias usadas hoje nas academia, é bem provável que a afirmação do jornalista e advogado tenha cabimento. É , pelo menos, original, e insurge contra a legitimação de versões politicamente fantasiosas sobre um dos maiores assassinos e desumanos sujeitos que já tiveram seus nomes inscritos na história do Brasil.

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