Recentemente em cartaz na Netflix, a série Ripley, de oito episódios, tem sido a nova sensação do streaming. Trata-se da mais recente adaptação de O talentoso Ripley, o romance mais festejado da escritora americana Patricia Highsmith (1921-1995). Aliás, o personagem aparece em outros livros da autora e se firmou como um dos mais célebres psicopatas do cinema.
A primeira adaptação foi rodada em 1960, pelo diretor francês René Clément, intitulada O sol por testemunha. O papel do protagonista Tom Ripley foi brilhantemente interpretado por Alain Delon, que, além de grande ator, era considerado na época o homem mais bonito do mundo.
Em 1999, foi lançada a versão americana, dirigida por Anthony Minghella, indicada para vários prêmios, inclusive a várias categorias do Oscar do ano seguinte, vencendo a de Melhor Diretor, Ator Coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e Compositor (Gabriel Yared). O papel principal coube ao jovem e não menos talentoso Matt Damon. Um filme sensual, colorido e ensolarado.
Quem leu o livro ou assistiu às duas versões em longa-metragem ficará surpreso e (certamente) satisfeito com a releitura do diretor e roteirista Steven Zaillian. Para início de conversa, a nova série vai muito além do thriller homoerótico apresentado pela própria Netflix para divulgar a produção. Mais que entretenimento, Ripley é uma obra de arte como há muito não se via naquele canal.
Caravaggio, luz e sombra
Desta vez, o papel-título é interpretado por Andrew Scott, que já no primeiro capítulo nos faz esquecer Alain Delon e Matt Damon. Sua atuação é contida, natural e (acima de tudo) psicológica. O olhar do personagem é impressionantemente frio e calculista, como deve ser o de um psicopata na vida real.
Consagrado como roteirista, Zaillian optou por uma película em preto e branco, na qual o caprichado contraste entre luz e sombra evoca os quadros de Caravaggio (1571-1610), o pintor admirado pelo protagonista. A ação deste tem muito a ver com a história e a estética do famoso artista italiano, que, segundo a História, também se tornou assassino.
O elenco coadjuvante não fica atrás, a começar pela experiente Dakota Fanning, no papel da aspirante a escritora Marge Sherwood. Há que se notar o charme e a boa atuação de Johnny Flynn como Dickie Greenleaf, o mesmo papel de Jude Law no longa de 1999. Outro destaque é a presença do cantor e ator Eliot (Coco) Summer, filho de Sting, na pele do andrógino Freddie Miles. Além disso, a curta participação de Jonh Malkovich no capítulo ambientado em Veneza quase rouba a cena.
Uma dança imaginária
Ao contrário das duas versões anteriores, que apresentam enredos lineares, a série da Netflix tem narrativa circular, com idas e vindas no espaço e no tempo. É como se o diretor convidasse o espectador para uma dança imaginária, repleta de closes e planos abertos nos quais estátuas e quadros incluídos na cenografia parecem testemunhar ou mesmo comentar a ação do protagonista. A fotografia, a reconstituição de época e a trilha sonora dos anos 1960 são perfeitas.
O quinto capítulo merece atenção especial. A decisão de Ripley em eliminar o enxerido Miles, bem como o seu empenho em se livrar do cadáver, são dignas de Alfred Hitchcook. A sequência chega a ser cômica e o espectador se sente tentado a torcer pelo vilão. A presença do gato que a tudo observa é um mimo à parte. Quase no final, a cor vermelha aparece sutilmente nas pegadas de sangue deixadas pelo bichano num degrau da escada. Faz lembrar a menina de casaco vermelho no P&B A lista de Schindler, de Spielberg.
Para quem não sabe, Ripley é apenas um rapaz americano que vive de pequenos trambiques em Nova York, até o dia em que um empresário naval o convoca para localizar o filho errante na Itália. Financiado pelo contratante, o jovem oportunista vê na aventura às margens do Mediterrâneo sua grande oportunidade para aplicar o golpe decisivo, que mudará sua vida para sempre.
ei, Jorge
Estou assistindo a série, mas não maratonei. Quero degustar devagar.
Gostei muito do seu texto e concordo plenamente com você e também com o Leira e seus pitacos.
Abraços.
Depois de te ler, JFS, fui ver a série. Ainda não terminei, porém sua percepção coincide com a minha até agora. Valeu a dica. Abraço
Excelente comentário. Ainda fico com “O Sol por Testemunha”.
Ótima apresentação da série. Parabéns! Quando estiver menos atormentado com os nossos psicopatas no governo, tentarei ver. Por enquanto, só suporto filmes e séries totalmente leves… de “A Noviça Voadora”, agitando o Convento de San Taco, para baixo… rsrsrs
Obrigado pela dica, Jorge.
Assino embaixo o que cê diz da série ripley, a ser vista na netflix. pela segunda vez acho que patricia highsmith deve ter ficado satisfeita com uma adaptação de suas obras literárias. pra quem não lembrar, a primeira foi pacto sinistro, filme dirigido por alfred joseph hitchcock (1951), a partir do primeiro romance de patrícia (1950), strangers on a train, traduzido no brasil com o mesmo título do filme.
Excelente comentário!
Eu só vi mesmo o inesquecível ” O sol por testemunha” ; gostei muito . Antes, ja havia assistido, com o Alain Delon , ao lado de Renato Salvatori e Annie Girardot , o belíssimo filme de Visconti ” Rocco e seus irmãos ” . O cinema italiano teve uma “época de ouro ” com diretores e filmes maravilhosos. Mas isso já é uma outra história.
Grato pela dica.
O livro e os longas são excelentes. O primeiro, lê-se sem querer parar. Os filmes retratam bem o aspecto sedutor e hiperracional dos psicopatas, muito embora sedução (jogar com o emocional) e racionalidade possam parecer incompatíveis.
Não existe psicopata inculto. O amor às artes, ao belo, é uma tônica. Possuem um senso estético potencializado.
Dakota, que estreou garotinha nas telas, cresceu então?
O tempo passa. Assim como o homem (o ser humano). E a obra permanece.
Providencial a releitura, de outra forma (muito embora episódios sejam capítulos) da obra de Highsmith, em tempos de tantos “sedutores virtuais” cujas ações são facilitadas. Infelizmente.
As tecnologias se aprimoram. O ser humano?
Continua, em muitos casos, a carregar o que existe de mais primitivo e assustador.
Com embalagem nova.
Comentário excelente.
Terminei de assistir a série hoje e confesso que deixou um gosto de quero mais.
Ainda não tinha visto . Deu vontade de ver.