Jorge Fernando dos Santos

Para sempre Ripley

Na pele do talentoso Ripley, Andrew Scott tem seu grande trunfo no olhar frio e calculista

Recentemente em cartaz na Netflix, a série Ripley, de oito episódios, tem sido a nova sensação do streaming. Trata-se da mais recente adaptação de O talentoso Ripley, o romance mais festejado da escritora americana Patricia Highsmith (1921-1995). Aliás, o personagem aparece em outros livros da autora e se firmou como um dos mais célebres psicopatas do cinema.

A primeira adaptação foi rodada em 1960, pelo diretor francês René Clément, intitulada O sol por testemunha. O papel do protagonista Tom Ripley foi brilhantemente interpretado por Alain Delon, que, além de grande ator, era considerado na época o homem mais bonito do mundo.

Em 1999, foi lançada a versão americana, dirigida por Anthony Minghella, indicada para vários prêmios, inclusive a várias categorias do Oscar do ano seguinte, vencendo a de Melhor Diretor, Ator Coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e Compositor (Gabriel Yared). O papel principal coube ao jovem e não menos talentoso Matt Damon. Um filme sensual, colorido e ensolarado.

Quem leu o livro ou assistiu às duas versões em longa-metragem ficará surpreso e (certamente) satisfeito com a releitura do diretor e roteirista Steven Zaillian.  Para início de conversa, a nova série vai muito além do thriller homoerótico apresentado pela própria Netflix para divulgar a produção. Mais que entretenimento, Ripley é uma obra de arte como há muito não se via naquele canal.

Caravaggio, luz e sombra

Desta vez, o papel-título é interpretado por Andrew Scott, que já no primeiro capítulo nos faz esquecer Alain Delon e Matt Damon. Sua atuação é contida, natural e (acima de tudo) psicológica. O olhar do personagem é impressionantemente frio e calculista, como deve ser o de um psicopata na vida real.

Consagrado como roteirista, Zaillian optou por uma película em preto e branco, na qual o caprichado contraste entre luz e sombra evoca os quadros de Caravaggio (1571-1610), o pintor admirado pelo protagonista. A ação deste tem muito a ver com a história e a estética do famoso artista italiano, que, segundo a História, também se tornou assassino.

O elenco coadjuvante não fica atrás, a começar pela experiente Dakota Fanning, no papel da aspirante a escritora Marge Sherwood. Há que se notar o charme e a boa atuação de Johnny Flynn como Dickie Greenleaf, o mesmo papel de Jude Law no longa de 1999. Outro destaque é a presença do cantor e ator Eliot (Coco) Summer, filho de Sting, na pele do andrógino Freddie Miles. Além disso, a curta participação de Jonh Malkovich no capítulo ambientado em Veneza quase rouba a cena.

Uma dança imaginária

Ao contrário das duas versões anteriores, que apresentam enredos lineares, a série da Netflix tem narrativa circular, com idas e vindas no espaço e no tempo. É como se o diretor convidasse o espectador para uma dança imaginária, repleta de closes e planos abertos nos quais estátuas e quadros incluídos na cenografia parecem testemunhar ou mesmo comentar a ação do protagonista. A fotografia, a reconstituição de época e a trilha sonora dos anos 1960 são perfeitas.

O quinto capítulo merece atenção especial. A decisão de Ripley em eliminar o enxerido Miles, bem como o seu empenho em se livrar do cadáver, são dignas de Alfred Hitchcook. A sequência chega a ser cômica e o espectador se sente tentado a torcer pelo vilão. A presença do gato que a tudo observa é um mimo à parte. Quase no final, a cor vermelha aparece sutilmente nas pegadas de sangue deixadas pelo bichano num degrau da escada. Faz lembrar a menina de casaco vermelho no P&B A lista de Schindler, de Spielberg.

Para quem não sabe, Ripley é apenas um rapaz americano que vive de pequenos trambiques em Nova York, até o dia em que um empresário naval o convoca para localizar o filho errante na Itália. Financiado pelo contratante, o jovem oportunista vê na aventura às margens do Mediterrâneo sua grande oportunidade para aplicar o golpe decisivo, que mudará sua vida para sempre.

10 comentários em “Para sempre Ripley”

  1. Branca Maria de Paula

    ei, Jorge
    Estou assistindo a série, mas não maratonei. Quero degustar devagar.
    Gostei muito do seu texto e concordo plenamente com você e também com o Leira e seus pitacos.
    Abraços.

  2. LUIS ANGELO DA SILVA GIFFONI

    Depois de te ler, JFS, fui ver a série. Ainda não terminei, porém sua percepção coincide com a minha até agora. Valeu a dica. Abraço

  3. Ótima apresentação da série. Parabéns! Quando estiver menos atormentado com os nossos psicopatas no governo, tentarei ver. Por enquanto, só suporto filmes e séries totalmente leves… de “A Noviça Voadora”, agitando o Convento de San Taco, para baixo… rsrsrs

  4. Assino embaixo o que cê diz da série ripley, a ser vista na netflix. pela segunda vez acho que patricia highsmith deve ter ficado satisfeita com uma adaptação de suas obras literárias. pra quem não lembrar, a primeira foi pacto sinistro, filme dirigido por alfred joseph hitchcock (1951), a partir do primeiro romance de patrícia (1950), strangers on a train, traduzido no brasil com o mesmo título do filme.

    1. Jose Roberto de Alvarenga

      Excelente comentário!
      Eu só vi mesmo o inesquecível ” O sol por testemunha” ; gostei muito . Antes, ja havia assistido, com o Alain Delon , ao lado de Renato Salvatori e Annie Girardot , o belíssimo filme de Visconti ” Rocco e seus irmãos ” . O cinema italiano teve uma “época de ouro ” com diretores e filmes maravilhosos. Mas isso já é uma outra história.

  5. Augusto Carlos Duarte

    Grato pela dica.
    O livro e os longas são excelentes. O primeiro, lê-se sem querer parar. Os filmes retratam bem o aspecto sedutor e hiperracional dos psicopatas, muito embora sedução (jogar com o emocional) e racionalidade possam parecer incompatíveis.
    Não existe psicopata inculto. O amor às artes, ao belo, é uma tônica. Possuem um senso estético potencializado.
    Dakota, que estreou garotinha nas telas, cresceu então?
    O tempo passa. Assim como o homem (o ser humano). E a obra permanece.
    Providencial a releitura, de outra forma (muito embora episódios sejam capítulos) da obra de Highsmith, em tempos de tantos “sedutores virtuais” cujas ações são facilitadas. Infelizmente.
    As tecnologias se aprimoram. O ser humano?
    Continua, em muitos casos, a carregar o que existe de mais primitivo e assustador.
    Com embalagem nova.

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