Jorge Fernando dos Santos

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A cidade Luz de Minas

Construídos a partir de 1941, a igreja matriz e o palácio episcopal formam o postal da cidade

Localizado na região central de Minas Gerais, o município de Luz está completando 100 anos. No entanto, a história do lugar remonta a 1780, quando os coronéis Cocais e Camargos, descendentes de bandeirantes paulistas, brigavam pela linha divisória de suas terras. Rezando para que a pendenga se resolvesse da melhor maneira, a mulher de um deles fez promessa para Nossa Senhora da Luz.

Certo dia, conforme tinham combinado, os dois rivais se encontraram nas proximidades do ribeirão Jorge Pequeno e ali fixaram o marco divisório de suas propriedades. Mandaram construir no local uma capela em louvor da santa. Um pequeno povoado se formou e assim nasceu a vila de Nossa Senhora da Luz do Aterrado. Tempos depois, a igreja implantou no lugar um bispado, que daria origem ao município de 18 mil habitantes, emancipado em 1923.

Ao assistir a uma entrevista do meu primo José Renato da Silva, que também é jornalista e foi criado em Luz, lembrei dos vários momentos que passei na cidade, na adolescência. Aliás, eu ainda era criança quando fui lá pela primeira vez em companhia dos meus pais e da minha irmã Jane. Viajamos de jardineira, um tipo de ônibus cujo bagageiro ficava em cima do teto. Viagem longa e cansativa por uma estrada poeirenta que não acabava mais.

Ficamos hospedados na casa do tio Juquita, perto da Diocese. Além das brincadeiras com os primos e outras crianças, lembro de ter tomado um refrigerante de abacaxi docíssimo, que ainda não conhecia. Certo dia saímos de carro para ir a um circo, mas, chegando ao local, descobrimos que a trupe já havia partido. Havia no local apenas um pinico furado, que meu tio disse ter pertencido ao palhaço.

Também me recordo de ter ido pescar no córrego Jorge Pequeno, que, para me agradar, meu tio chamava de Rio Jorginho. Em vez de peixe, fisguei um cágado que levaria pra casa, no Caiçara, e que lá ficaria por muito tempo, dividindo espaço com galinhas e patos no galinheiro.

Praça do Vaticano

Voltei a Luz várias vezes com o primo Eugênio. Eram tempos românticos e me lembro de flertar com as garotas no footing da “Praça do Vaticano”, cujo apelido veio a calhar justamente porque ficava em frente à igreja matriz e ao palácio episcopal. Pulamos muitos carnavais no clube local e um dia visitamos a fazenda de Alysson Paulinelli, ministro da Agricultura que fundou a Embrapa e morreu recentemente.

Também me lembro de uma excursão à velha Usina da cidade, em companhia dos primos e de amigos deles, entre os quais um cara com pinta de hippie chamado Mozart e suas irmãs, a bordo de um jipe verde-oliva que parecia ter saído de um filme de guerra. Como eu disse, eram tempos romântico-antiquados. A vida era risonha e franca, e tudo nos divertia.

Foi nesse tempo, no cinema de Luz, que assisti ao filme Help, estrelado pelos Beatles. Na saída da matinê, uma menina comentou com a amiga que o mais bonito dos quatro era o George. Ela falou isso olhando pra mim, o que me pareceu uma paquera. Tímido feito uma porta de hospital, eu apenas sorri sem saber o que fazer. E foi na casa do tio Juquita que eu falei pela primeira vez ao telefone, tentando seduzir uma garota da vizinhança para quem tinha feito um poema.

Eu gostava tanto desse tio que um dia daria seu nome ao personagem principal da noveleta O Camaleão Azul,  lançada pela editora Lê e republicada pela Atual. Por sinal, tio Juquita foi quem me deu de presente uma espingarda de ar comprimido da marca Rossi, com a qual eu mataria ratos e pardais no quintal de casa. Eu era tiro-e-queda na mira e raramente errava o alvo.

Parados, polícia!

Certa noite, indo de ônibus a Luz com o primo Eugênio Sandes, tivemos que descer no posto Umuarama e seguir a pé até à casa do Rui Silvério, irmão dele, na qual passaríamos o fim de semana. Durante a caminhada na beira da estrada, constatei ter perdido um embrulho no qual estavam uma camiseta que ia dar de presente à filha do primo mais velho e um disquinho dos Rolling Stones, comprado para uma amiga aniversariante.

O jeito foi pegarmos o caminho de volta para procurar o pacote. No entanto, para nosso pânico, notamos que um carro vindo da cidade começou a nos seguir. Sem saber o que fazer, eu disse ao Eugênio para corrermos cada um para um lado da estrada e depois “cair no mato”, afim de escapar dos prováveis agressores.

Para nossa surpresa, o velho Cinca acelerou e parou de repente, cantando pneus. Quatro sujeitos saíram dele empunhando armas e gritando “parados, polícia!”. Foi com certo alívio que interrompemos a fuga e nos identificamos quando um deles nos pediu documentos. Era o próprio delegado municipal.

Ele nos disse que estavam à espreita porque a joalheria local tinha sido assaltada. Expliquei que tinha perdido um pacote, coisa e tal. No dia seguinte, o delega mandou entregar o achado na casa do Rui… Muitos anos depois, voltei à cidade para fazer uma palestra na Faculdade local, em companhia do meu colega de jornal Augusto Pio, que lá residiu por um tempo. Bom saber que Luz está comemorando um século de vida como próspero município mineiro. Terra de gente boa e hospitaleira, para sempre na minha memória.

10 comentários em “A cidade Luz de Minas”

  1. José Renato da Silva

    Feliz e emocionante sua crônica para quem conviveu com lembranças semelhantes. Nossa cidade natal centenária está em festa e com muitas histórias para ser contadas. Obrigado pela distinção e pela divulgação de nosso antigo Aterrado, com tanta propriedade. Luz continua hospitaleira, aguardando a visita dos conterrâneos ausentes e de amigos que carregam em sua memória lembranças tão amáveis.

    1. Augusto Carlos Duarte

      Parabéns à Luz centenária, de tantas histórias e lembranças!
      John, Paul (ele, principalmente) e Ringo teriam ciúmes do Little George, apelido de Harrison, por ser o mais novo dos quatro.
      Cidades não são feitas apenas de tijolos, cimento, vidros e aço: são feitas de lembranças.

  2. Cada qual, com seu cada qual.
    No meu caso foram duas cidades, também cheias de estórias, aventuras esperanças e também centenárias. Ipanema e Caratinga e saudade da aurora da minha vida.

    1. Gratidão, Jorge Fernando por compartilhar fatos da sua vida, desde os tiros que deram origem ao “guerrilheiro das palavras”, cheias de Luz.

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