Jorge Fernando dos Santos

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Saudades do José Eymard

A notícia me pegou de surpresa, como um cruzado no pé do ouvido. Era sábado, depois das dez, quando abri a caixa de e-mails e lá estava a mensagem do Geraldo Vianna, repassada pela Lígia Jacques. José Eymard havia morrido na sexta-feira, 28 de maio, depois de 15 dias de internação devido a um aneurisma na aorta. O corpo havia sido sepultado às nove, no Parque da Colina.

Conheci José Eymard nos tempos áureos do Projeto Fim de Tarde, da Fundação Clóvis Salgado, lá pelos anos 80. Lembro que sua salinha ficava numa sobreloja do Palácio das Artes, acho que em cima de uma das galerias de arte. Lá também trabalhava o Célio Balona, outro mestre da nossa boa música.

No Fim de Tarde eu assisti pela primeira vez a shows de alguns dos grandes músicos que hoje se destacam na cena mineira. Foi lá que conheci o talento de cantoras como Lígia Jacques, Loslena, Titane e Titti Walter; de compositores como Celso Adolfo, Ladyston do Nascimento, Ricardo Faria e Tadeu Franco. A primeira vez que falei com Juarez Moreira foi depois de um show no qual ele acompanhava o Celso. E teve muito mais gente, cujos nomes me escapam pelos buracos da memória. 

Tive a oportunidade de dirigir três espetáculos no saudoso projeto, que surgira sob a inspiração do antigo Projeto Pixinguinha, o Seis e Meia da Funarte. E olha que naquele tempo nem existiam leis de incentivo à cultura! Cheguei a escrever e dirigir um show do meu parceiro Angelo Pinho, cujo título era “Belôricéia”. A música de mesmo nome só seria gravada em 1997, por Helena Penna, no disco homônimo dedicado ao centário de Belo Horizonte. 

A própria Helena, que hoje luta contra as sequelas de dois AVCs, apresentou no Fim de Tarde o espetáculo “…E agora, Brasil?”. Isso em 1989, no tempo das Diretas Já. O show terminava com toda a plateia cantando a marchinha que fiz sobre o tema, cuja letra chegou a ser publicada no Diário da Tarde.

Helena fez a maior bilheteria daquele ano, o que deu a ela o direito e a honra de repertir a dose em 1990. José Eymard assistiu às duas temporadas e, no final, fez críticas e considerações como bom entendedor do ofício musical. Como sempre, passou-nos dicas importantes, que certamente nos ajudariam em futuros projetos.

Agora estou aqui, nesta noite fria de domingo, ouvindo pela enésima vez o CD “Um Saxofone Bem Brasileiro”, gravado pelo Zé em 2003, no Estúdio Bemol. Realmente, seu sax era pra lá de brasileiro. Mais que isso, era também mineiro da gema. No encarte, Toninho Horta aponta a pureza e a delicadeza do seu som, “cujo toque é do coração”.

Quem sou eu para acrescentar alguma coisa às sábias palavras desse gênio das cordas? O teor do texto que ele assina e a qualidade do som que estou ouvindo me fazem supor que José Eymard era de fato um sacerdote da Música. Basta notar a limpeza do seu sopro e a delicadeza do seu toque nas chaves do instrumento inventado por Adolphe Sax.

O repertório do disco é do melhor bom gosto. Destacam-se composições de Dorival Caymmi, Ary Barroso, Pixinguinha, Marcos e Paulo Sérgio Valle, Flávio Venturini, Chico Buarque, Tavito, Tom Jobim, Gonzaguinha e do próprio Toninho Horta. Melodias que marcaram época e que fizeram a trilha sonora de nossas vidas. A gravação do “Beijo Partido”, por exemplo, deve ter deixado o Toninho de cabelos em pé, tamanha a fidelidade à partitura original – coisa que nem sempre acontece por aí.

A última vez que vi José Eymard foi na festa dos 60 anos do meu querido parceiro Eduardo Pinto Coelho, vulgo PC. Aliás, ele era irmão de outro PC: o Paulo César de Oliveira, colunista e diretor do jornal Hoje em Dia. Naquela noite, homenageou o aniversariante solando o sax à capela, o que deixou os convidados emocionados. Depois se sentou à nossa mesa, onde também estavam o Paulo Brandão, o Claudinho Campos, o senador Eduardo Azeredo, entre outros. Falamos essencialmente de música, num clima alegre, cordial e de muita descontração.

Agora o Zé foi tocar com os anjos. Certamente seu saxofone estará tecendo uma nuvem de acordes entre as estrelas. Felizmente, tenho seu CD na estante e poderei matar saudades ouvindo seus doces acordes.   

14 comentários em “Saudades do José Eymard”

  1. “solando o sax à capela” isso me lembrou a primeira vez que escutei um saxofone ao vivo. Não tinha ideia de que o volume do instrumento era tão alto. Alguém estava tocando dentro de casa mas apesar de tão alto dava pra perceber que estava a capela! desde então me apaixonei pelo saxofone e venho tentando aprender.

    Infelizmente não tem cursos presenciais na minha cidade e tenho que apelar para cursos online, fazer o que!?

    A algum tempo vim conhecer o trabalho do José Eymard mas não sabia do seu falecimento até hoje! Uma pena.

  2. Conheci o talento fantástico de José Eymard por acaso procurando musicas instrumentais no Spotify, baixei o seu cd ” Um Saxofone bem Brasileiro” simplesmente fantástico, escuto diariamente , um toque de muita qualidade e suave . Realmente sem conhecer o saxofonista sou seu fã e lamento a sua morte. Grande Saxofonista.

  3. Prezado Jorge,
    Foi com grande tristeza, que recebi a notícia do falecimento deste grande músico e companheiro Zé Eymard. Tive o privilégio de acompanha-lo muitas vezes ao piano e desfrutar daquele sopro maravilhoso. Ele foi quem me incentivou para tocar saxofone, por isso o considero um grande mestre. Conheci o Zé na época do Cabaré Mineiro, ele tocava na Orquestra Montanhês e eu no Carlos Vitorino Trio, que revezava com a orquestra. As vezes ele nos brindava com seu sax, dando aquele colorido ao nosso trio.
    Fica aqui a nossa imensa saudade.
    Carlos Vitorino

  4. Jorge, lindo o que escreveu sobre o Zézim….

    Soube do que ocorreu a 10 dias apenas e foi um baque! O Zé era um amigo muito querido com quem tive o privilégio de dividir uma casa em Sampa no final dos anos 70 e início dos 80. Éramos quatro amigos dividindo uma casa que marcou um tempo muito especial na minha vida. Muita música boa rolava ao vivo por lá, era uma festa! A casa da Alfredo Cabral, como era conhecida, acabou e nos perdemos por aí, mas ficou o carinho, a amizade, mesmo que a distância agora. Ele andava feliz o Zézim, sempre me mandava fotos do João e convites para vê-lo tocar caso fosse a BH…não deu pra ir…ficou o CD que adoro, a saudade e a tristeza por essa ida tão prematura. Não conheci a Danusa, mas gostaria de enviar todo o meu carinho e muito amor pra ela e pro pequeno João nessa fase tão difícil.
    Pra vc Zézim….uma viagem tranquila com muita música viu? da sua amiga de sempre, Êva.

  5. Prezado Jorge Fernando,
    Alio-me a lista de amigos e admiradores do José Eymard, lamentando profundamente a sua ausência entre nós. Também o conheci na época do Fim de Tarde, quando ele coordenava o projeto que lançou tantos talentos musicias de Minas e do Brasil. Tive o privilégio de participar várias vezes daqueles espetáculos, alguns dos quais com o próprio Zé tocando sax ao nosso lado. Desde lá mantinhamos uma grande amizade. Estava em viagem na época de sua doença e só soube tardiamente de seu falecimento. Registro aqui minha grande adimiração pelas muitas qualidades do amigo Zé, das quais destaco o talento, a serenidade, a cordialidade infinita. Fica a saudade dele, meus sentimentos a querida Danuza e a eterna lembrança de sua arte e sua sabedoria.
    Marcus Bolívar

  6. Márcia Francisco

    Ei, Jorge, não sei se lhe escrevi no dia, mas, repassei aquele fiel e belo texto sobre o Zé, ao PCO e familiares.
    Bela homenagem. Fica a música. bj Márcia

  7. Emilia Pimentel

    Bela homenagem, Jorge. Também levei o maior susto. Havia procurado por ele dias atrás e não havia tido retorno… Lamento muito. Vai ser falta!! Abraço, Emilia

  8. Oi Jorge! Que beleza você escrever sobre o Zé Eymard.

    Ele era “danado”. Com doçura e mansidão no trato, deixou amigos por todos os cantos.
    Para mim ele foi um grande exemplo de como se deve conduzir a vida.
    Sempre viveu com amor intenso pela música e pelas pessoas, aceitando os desígnios que a arte nos impõe. Convivendo com o medo do dia-a-dia musical, como um ser pleno, que aceita as dores e alegrias das quais são vítimas aqueles que amam o que fazem e os que o rodeiam. Viva Zé Eymard!!!

  9. Eduardo Pinto Coelho

    Caro Jorge,
    Provavelmente eu fui o ultimo amigo a estar com o Zé. Na 5a à noite, estive no CTI e conversamos.Apesar de estar entubado, estava lúcido e compreendia perfeitamente o que eu e a enfermeira lhe falavamos. Ele seria desentubado no dia seguinte tamanha sua melhora. Na 6a, de manhã, quando liguei para saber noticias me passaram para o Roberto, seu irmão, que me contou que ele tinha acabado de falecer. Não acreditei! Tive muita dificuldade para continuar atendendo no consultorio. Até hoje ainda me sinto fora do ar.Era um grande amigo com quem toquei durante alguns anos. Fica a saudade. Abraço, PC

  10. Caro JF, saúde. O Zé foi um grande e bom amigo. Conduziu o Fim de Tarde no meu tempo do PA, colega que foi de trabalho na Fundação. Bom músico, grande sujeito, sereno, harmonioso sob todos os aspectos. Uma grande perda. Fiquei triste. A ele e aos dele o nosso querer bem imenso e a certeza de que seu sax vai junto para compor a orquestra dos grandes que tocam noutra dimensão. Abraço, Nestor

  11. Todos nós fomos pegos de surpresa!!!
    Eu percebo que todos tinham um carinho muito grande pelo Zé. Coisa boa isto.
    Vejo que ele soube deixar sua marca nos corações de todos os que o conheceram.
    Um belo retorno à “CASA”, meu querido Zé Eymard!

  12. Pois é Jorge,
    Fiquei também muito surpresa. Fazia anos que não via Zé Eymard, mas ele foi um mestre e parceiro e amigo das épocas do Palácio das Artes. Me deu uma super oportunidade no Projeto Fim de Tarde. Depois disso, sempre me dava dicas boas. Nos encontramos mais tarde, quando fomos professores na mesma escola de música. Lembro-me das nossas conversas sobre os alunos, dicas de respiração e muito mais…
    Vai com DEUS Zé!
    Meus sentimentosà familia.

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