Jorge Fernando dos Santos

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O equívoco dos grandes jornais

Matéria publicada no Comunique-se de sexta-feira, dia 11, destacou uma reportagem da revista The Economist, intitulada “A sobrevivência da tinta”, sobre a boa performance dos jornais impressos. Ao contrário das previsões catastróficas de 2009, a reportagem mostra um cenário favorável à recuperação dos títulos norte-americanos e registra lucros recordes na Alemanha, além do crescimento da circulação no Brasil.

 

A revista afirma que “a crescente classe média do Brasil gosta dos jornais baratos, que exploram os assassinatos e biquínis”. Eis o X da questão: a classe média brasileira não está em franco crescimento. De fato, as condições econômicas do país após o Plano Real permitiram a gradativa inclusão das classes C e D no mercado de consumo, com pequena melhoria de renda e facilidades de crédito. No entanto, a conta desse milagre tem sido paga justamente pela classe média.

 

Os tablóides sensacionalistas geralmente são consumidos não pela classe média, mas por pessoas das classes C e D, que antes não tinham dinheiro para comprar jornais e que ainda apresentam uma baixa formação escolar. Daí o sucesso das publicações baratas, com matérias rasas e enxutas que podem ser folheadas numa viagem de ônibus ou metrô. Mas se esse é o modelo vencedor da mídia impressa brasileira, isso significa que o jornalismo nacional vai de mal a pior.

 

O Brasil tem características particulares que devem ser levadas em conta nesse tipo de análise. Como bem lembrou a senadora Marina Silva, no discurso de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, na quinta-feira, dia 10, cerca de 18% dos jovens brasileiros ainda são analfabetos. Isso sem levar em conta aqueles que passam pela escola sem que a escola passe por eles. São os analfabetos funcionais, que têm dificuldade até para escrever o próprio nome. Os tablóides sensacionalistas quase sempre são mal feitos. Apresentam erros de português e informações pela metade, que a clientela despreparada nem percebe.

 

Estatísticas apontam que o ensino básico brasileiro é um dos piores do mundo, gerando uma crescente massa de analfabetos funcionais. Em vez de reformar o ensino básico e oferecer uma escola pública e gratuita de qualidade para todos, o governo optou pelas cotas na universidade. Em outras palavras, nossas autoridades preferem remendar o telhado que reforçar o alicerce da casa. As cotas são importantes para remediar as desigualdades, mas é preciso bem mais que isso. Sem uma base sólida de conhecimento os futuros formandos terão sérias dificuldades para sobreviver num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Essa é a dura realidade que poucos conseguem enxergar.

 

O hábito da leitura no Brasil sempre deixou a desejar, mesmo em comparação com outros países emergentes. Isso reflete diretamente no baixo consumo de livros, jornais e revistas. Os editores, no entanto, nunca cogitaram fazer uma cruzada nacional em prol da alfabetização e pela melhoria da educação no país. Crianças e jovens são subestimados, tratados como cidadãos de segunda classe. Haja vista a falta de espaço nos jornais para divulgar a boa literatura infantojuvenil, importante aliada na formação de leitores. Vale lembrar Monteiro Lobato: “um país se faz com homens e livros”. A mensagem é mais simples do que parece. Sem o hábito da leitura não há jornal que se sustente.

 

O mais grave é que os grandes jornais estão diminuindo o conteúdo das informações impressas. A cada reforma gráfica, encolhem o texto, aumentam os espaços em branco, o tamanho das fotos e dos infográficos na ilusão de atrair um novo cliente. O problema é que esse tipo de “leitor” prefere a informação rasa e instantânea da televisão ou dos tablóides sensacionalistas, pois sem o hábito da leitura fica difícil pensar.

 

Outros têm ao seu alcance os blogs e sites especializados, com a publicação cada vez mais veloz da notícia. Basta lembrar que a morte de Michael Jackson foi anunciada por um site pouco conhecido, muito antes que a grande imprensa ficasse sabendo. Em vez de analisar os fatos e dar voz aos diferentes setores da sociedade, com plena liberdade de opinião, os grandes jornais evitam polêmicas e se limitam a publicar notícias velhas e pasteurizadas. A manchete de hoje foi destaque ontem na TV, no rádio, nos blogs, no Twitter. A não ser quando se trata de um furo ou de reportagem especial, o diferencial do veículo impresso seria justamente a repercussão e a análise da notícia por especialistas no assunto.

 

A verdade é que, quanto mais tentam imitar os novos meios, mais os jornais impressos perdem leitores fiéis e alinham o conteúdo por baixo. É como se publicassem notícias para quem não gosta de ler. Isso talvez explique o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo decretado há um ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para fazer esse tipo de trabalho, não é preciso formação nenhuma. Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios.

 

* Artigo publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br, em 15/6/2010.

 

11 comentários em “O equívoco dos grandes jornais”

  1. “Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios.” Desde sempre patrões e jornais seguem a lógica do balcão de negócios. – Ronald Bittencourt, analista de sistemas, Curitiba, comentou no Observatório da Imprensa.

  2. Acredito que o articulista está equivocado, uma vez que é natural que os jornais percam leitores para a internet, que é uma plataforma diferente e muito mais atraente, principalmente para os jovens. Ora, se até a poderosa TV,com som e imagem em movimento, está perdendo audiência para a web, imagina os jornais. Na verdade, ninguém sabe o que o futuro reserva para a mídia impressa. O que sei é que ainda há muitos leitores de jornais no mundo e no Brasil. – Robert Pedrosa, jornalista em Teresina, comentou no Observatório da Imprensa.

  3. Prezado Jorge,
    parabéns pelo artigo. Você acerta a causa primária do problema: educação básica. Todas as outras são secundárias.
    Eu somaria mais uma causa secundária, que deve acontecer com mais gente pois acontece comigo.
    Agora virei leitor virtual, digital, cibernético. O conteúdo da Folha está disponível pra mim no meu servidor. O do Estado de Minas, naqueles que assinam outro servidor e assim por diante.
    Se isso é verdade nos dias de semana, prefiro folhear os jornais quando o tempo não é tão urgente, como nos finais de semana.
    Me preocupa muito também o desvalor dado aos jornalistas, como vc comentou. Acrescento que é preocupante que jornalistas como você e outros, como a Clara Arreguy, com interesse e conhecimento da área cultural estejam fora dos grandes jornais.
    Um grande abraço,
    Jair Raso

  4. Enquanto servidor público, economista e sociólogo, muito tenho a aprender sobre mídia, jornalismo e que tais. Acredito que cresço muito acessando a página do OI. Todavia, devo chamar a atenção do articulista de que ele deve levar em consideração as metodologias de IPEA, ou outra instituição de credibilidade a repseito do quê é classe média no Brasil. Infelizmente, muitas vezes a classe média-alta brasileira acha que é representante precisa do quê seja classe média, não se dando conta de sua ótima condição social. Encontram-se no mesmo extrato social a classe média alemã ou a inglesa. Aliás, são esses alemães ou ingleses que lêem o Die Zeit, ou o The Times. Assim, louvo o comentarista abaixo, identificando uma tão introjetada miopia social de apontar para baixo a razão da falta de cultura. Enquanto isso, os “de cima” corrompem gurdas de trânsito, avançam sinal amarelo, não respeitam as regras estabelecidas e lêem “a boa mídia”. O quê seria isso mesmo? Eu não saberia responder. – Maurício Fleury Curado, Brasília, comentou no Observatório da Imprensa.

  5. A pressão das mídias digitais sobre as impressas é real e crescente. Contudo, o processo de migração de leitores e de publicidade de um meio para outro não é tão linear quanto imaginamos. E também há os aspectos regionais, culturais e de renda envolvidos nessa revolução que guilhotinará o prelo. Não será de um dia para o outro, mas será. A discussão que Jorge abre é interessante: jornal é jornal, internet é internet. Qual é o novo papel do papel? Eis a questão. Aprofundar, analisar e criticar.

  6. Concordo sobre o equívoco dos grandes jornais, que não têm feito mais que imitar a internet – em forma e conteúdo. Não interpretam os fatos, apenas repetem a mesma fórmula declarativa e apressada. As manchetes são iguais. Boa parte das coberturas e análises bacanas se encontra em blogs e sites, não nos velhos jornais. Assim, por um lado acho positiva essa perda de autoridade da palavra impressa. A internet oferece de tudo — do melhor e do pior –, mas se você souber cavar um pouquinho não precisa mais depender da tinta pra se informar. Uma contra-tendência vem de pesos-pesados como Times inglês, que decidiu acabar com o serviço gratuito na web. Vai perder cerca de 80% dos leitores que tinha lá, mas vai garantir a assinatura dos restantes, e quem sabe outros jornais farão o mesmo. Abraço!

  7. Há quem acredite que o jornalão eclético convencional tem a superar o insuperável, que é o custo cada vez mais alto, a receita inversamente proporlcional. As novas mídias abocanham fatias importantes da publicidade e, sobre isso, nem New York Times nem qualquer outro grande jornal pode fazer nada. Até a ecologia conspira contra: nos tempos que correm, não dá pra derrubar tanta árvore para fazer papel destinado a tanto jornal ruim. Ainda bem que as novas mídias também dão curso às correntes de opinião e, em meio ao caos da rede eletrônica, ninguém é dono da verdade. Meno male.

  8. Acho interessante (engraçado) essa história de que o público quer ver sangue e ser superficialmente informada: creio ser uma deslavada mentira. Toda vez que o público foi correta e suficientemente informado resultou em uma sociedade melhor e mais justa. A notícia rasa, incompleta e insuficiente só interessa a quem quer vender e não a quem quer informar. O crescimento dos tablóides nada mais é que a procura de um povo por informação; somos um povo ávido por informação, infelizmente só recebemos a informação rasa, incomp´leta e insuficiente, é isso que temos, porque é isso que se nos oferecem. Não é o público que escreve os jornais, não é o público quem elabora as reportagens, colocar a culpa no público é de uma desonestidade sem conta. Tenho sempre em mente duas frases: 1) as vezes a única notícia verdadeira num jornal é a data; 2) A VERDADE VOS LIBERTARÁ. – Luiz Alberto da Silva, advogado em Goiânia, comentou no Observatório da Imprensa.

  9. Resta separar os alhos dos bugalhos. A impressão que eu tenho, pelo menos em Minas Gerais, é que os jornais tradicionais estão realmente muito decadentes. Se crescimento houve, esse crescimento está localizado nos jornais de 25 ou 50 centavos. É muito comum você entrar em táxis e encontrar cinco ou mais exemplares da mesma data adquiridos por força de brindes ou promoções. Já sexagenário, eu não acredito que a nossa geração será testemunha do desaparecimento dos impressos. Uns poucos deverão sobreviver mas deverão provar, a cada edição, que centenas de árvores não foram sacrificadas inutilmente e transformadas em bobagens impressas. As novas gerações, felizmente, estão migrando em massa para o universo plural, desafiador e mágico da internet e se tornando cada vez mais críticas e exigentes em relação aos impressos. Alvíssaras! – Zé da Silva Brasileiro, comentou no Observatório da Imprensa.

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