Jorge Fernando dos Santos

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Os riscos da estatização

A atual crise do capitalismo traz de volta a figura do estado como salvador da pátria. A ironia é que o neoliberalismo defende justamente o contrário. Isto é, a total independência da economia, cabendo ao estado apenas o papel de mediador das questões sociais e da prestação de serviços básicos à população. Ou seja, atividades que não geram lucro à iniciativa privada. Tanto isso é verdade que a União Européia ampliou o poder do capital, diminuindo a força dos estados que compõem o Velho Mundo.

Apesar disso, tanto lá quanto cá, o capitalismo pede socorro ao estado para sobreviver às conseqüências da crise gerada pela ganância de alguns e pela irresponsabilidade de muitos. O pior desse quadro é que o exemplo nos é dado justamente pelos Estados Unidos, país construído sobre os pilares da total independência econômica e da não intervenção do estado nos negócios.

O estado pode, sim, salvar a economia ou boa parte dos setores que sucumbiriam à crise sem a sua intervenção, mas, a longo prazo, as conseqüências disso podem ser ainda piores que a simples quebradeira do sistema. Na década de 1930, com os governos do mundo intervindo para minimizar os efeitos da crise de 29, a humanidade assistiu ao enrijecimento do poder e ao surgimento de regimes totalitários, que pouco a pouco conduziram a uma guerra global. Esta, por sua vez, beneficou justamente o capital norte-americano, tirando os EUA da condição de devedores.

O surgimento de regimes extremistas foi fruto da própria necessidade dos estados de se tornarem fortes o bastante para sobreviverem às pressões sociais decorrentes do apoio irrestrito aos bancos e às grandes empresas. Em muitos casos, os governos estatizaram atividades primordiais ao desenvolvimento da livre iniciativa, a começar pelos serviços bancários. Isso naturalmente deu mais poder ao estado e aumentou a pressão da classe operária, encurralada diante das dificuldades oriundas da crise.

O caso mais flagrante, que comprova a presente tese, foi o da Alemanha. Com a economia  destruída devido às dívidas e prejuízos decorrentes de sua derrota na Primeira Guerra, os alemães se viam em pleno caos econômico, com dívidas interna e externa de grandes proporções, sem dinheiro, sem trabalho e sem perpectiva de melhoria a curto prazo.

Depois do fracasso da República de Weimar, o país se encontrava diante de uma encruzilhada autoritária: de um lado o socialismo inspirado pelo modelo soviético, de outro o nazismo de Goobels e Adolf Hitler. No confronto de idéias, como os nazistas prometiam uma saída 100% nacionalista, o grosso da polução apostou suas fichas na extrema direita e os resultados disso ecoam até hoje.

Países europeus de economia frágil seguiram o exemplo Alemão e o que se viu foi uma febre de regimes totalitários de direita, com o fascismo dominando a Itália, Portugal e Espanha. De outro lado, atrás da cortina de ferro, os soviéticos reforçariam suas posições para evitar a perda de território para ideologias nacionalistas, naturalmente opostas ao internacionalismo leninista.

A América Latina não demorou a se tornar palco dessa disputa, com a vitória da direita e o surgimento de regimes populistas como o getulismo no Brasil e o peronismo, na Argentina. Coisa parecida ocorreria logo após a Segunda Guerra, tendo como ponto máximo a vitória de Fidel Castro em Cuba, em 1959, e o recrudescimento da direita em outros países latino-americanos, a partir do golpe militar de 1964, no Brasil.

Tudo isso demonstra os riscos que o mundo contemporâneo poderá enfrentar, caso a intervenção do estado na economia não seja devidamente equilibrada. Em países como Brasil, Venezuela e Bolívia, nos quais o ranço populista faz parte da própria cultura de governo, corremos o risco de sofrer um retrocesso político, com a estatização exagerada da economia e o irremediável fortalecimento do estado.   

* Texto publicado no jornal Diário do Comércio, em 29/10/2008.

 

 

1 comentário em “Os riscos da estatização”

  1. É Jorge, o mal, além de cíclico, se propaga rapidamente. Os erros na política e na economia têm uma falta de autoria, parece que uma entidade sobre-humana é que resolveu os destinos de nós todos em direção ao buraco. É legal nomear, lembrar onde foi que as coisas começaram a dar errado num passado tenebroso. E além de você, muito mais gente precisa escancarar isso, perguntar se alguém gostou e quer de volta.
    Abraços

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