Jorge Fernando dos Santos

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Em nome dos pequenos

Em seu discurso proferido em Cuba, na semana passada, o presidente Lula reclamava dos neoliberais, que pregam a total ausência do Estado no mundo dos negócios e, quando quebram, pedem socorro justamente aos governos.

Com esse pensamento aparentemente simplório, mas correto em sua linha de raciocínio, o presidente brasileiro põe o dedo na ferida aberta pela crise econômica norte-americana, que tende a levar o mundo a um processo de recessão com resultados imprevisíveis.

O curioso é que Lula respondeu prontamente às necessidades do sistema financeiro nacional, autorizando a liberação de recursos e até mesmo a compra de bancos e financeiras que estejam à beira da falência.

O discurso de esquerda proferido na Ilha de Fidel contraria a prática intervencionista típica dos regimes de centro-direita adotada no Brasil. Bom lembrar que FHC foi duramente criticado pelo PT e outros opositores durante a criação do Proer, considerado por muitos um prêmio à corrupção.

Claro que um governo responsável não pode e não deve assistir à bancarrota do sistema financeiro sem fazer alguma coisa para evitar o pior, mas a ação federal demonstra a contradição entre o discurso e a prática.

O problema é que a intervenção estatal no mercado não vai se restringir ao setor bancário. Este, por sinal, cresceu a olhos vistos com a estabilização econômica do país. Dos dez bancos que mais lucram no mundo, três são brasileiros. E agora o setor é o primeiro a contar com ajuda do governo para minimizar os efeitos da crise. Também já entraram na fila os setores de construção civil e agronegócio, todos querendo se defender do tsunami que Lula chamou de marola.

A pergunta óbvia é se haverá recursos para atender a todos os setores da economia nacional. Economia esta que vive agora sua primeira prova de fogo desde a criação do real. Por outro lado, o próprio Lula está às portas de seu maior desafio. Até hoje seu governo se beneficiou dos resultados positivos da globalização. Pena não ter aproveitado a calmaria para implementar as grandes reformas que o país exige. Restringiu-se, na maioria das vezes, ao assistencialismo de resultado momentâneo.

A indústria automobilística já pisou no freio, encolhendo a produção e dando férias coletivas aos empregados, já que as vendas começaram a despencar. A Vale do Rio Doce também “caiu na real”, antes que o pior aconteça. A redução de 10% na produção de aço anunciada na semana passada é sinal de que a direção da segunda maior siderúrgica do mundo está consciente do desafio que tem pela frente. Afinal, por mais extensa que seja, toda crise é passageira e só aqueles que se antecipam às suas piores conseqüências é que conseguem sobreviver.

Quem mais sofre os efeitos de uma recessão geralmente é o povo. Os prejuízos já começaram pelos pequenos investidores da bolsa. Até agora pouco destaque tem sido dado às perdas acumuladas pelas ações da Vale e da Petrobras, balizadoras da Bovespa. No tocante à população, toda vez que o Estado se vê sem recursos tende a aumentar impostos e a diminuir investimentos em áreas prioritárias como saúde, educação e segurança públicas, que, diga-se de passagem, ainda deixam muito a desejar.

Diante da crise, cedo ou tarde o Planalto terá que engatar marcha-ré nos seus projetos sociais, já que se vê obrigado a atender ao pedido de socorro do grande capital. Até quando haverá recursos para isso é outra boa pergunta a ser feita. Certamente não será possível atender a todos ao mesmo tempo. Nesse caso, os maiores prejuízos tendem a ser repassados aos setores não organizados da economia, que têm pouco poder de pressão sobre os políticos.

Nesse sentido, resta saber quanto de dinheiro será destinado às micro e pequenas empresas. Embora frágeis, são elas que respondem pela maior parcela de empregos no país. Para evitar a volta dos índices alarmantes do desemprego é preciso reservar recursos para esse que é um dos principais setores da economia, embora sempre tenha ficado por último na lista de prioridades do Estado brasileiro. 

  

* Texto publicado no jornal Diário do Comércio, em 06/11/2008.

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