O jornalista Geneton Moraes Neto conseguiu o inimaginável, que foi entrevistar o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré para o programa “Dossiê Globo News”, exibido no último sábado. Trata-se de um dos melhores programas de entrevistas da TV brasileira, pois além de simples e inteligente, também evita a viciada fórmula do talk show.
A entrevista foi conseguida pela produtora Mariana Filgueiras, depois de quatro meses de negociações com o artista. A gravação foi feita no Clube da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, em 13 de setembro, dia em que Vandré completava 75 anos. O artista quebrou um jejum de quatro décadas sem falar com a televisão, período no qual raramente apareceu em público.
Na conversa com Geneton, que pode ser conferida no site da Globo News, Vandré aparece de boné verde-oliva e camisa branca com o símbolo da Aeronáutica no peito, barba e cabelos longos e brancos, olhar de bicho acuado e um sorriso desconfiado nos lábios. Ele nega que tenha sido torturado ou sofrido lavagem cerebral como tanto se alardeou desde seu retorno ao país, em 1973, em plena ditadura Médici.
Da clandestinidade à volta do exílio
Após a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, Vandré passou um período escondido na fazenda de dona Aracy, viúva do escritor Guimarães Rosa, até que finalmente deixou o Brasil clandestinamente. Sua reclusão ocorrera depois de ser alertado pela jornalista Dedé Gadelha, então mulher de Caetano Veloso, logo após a prisão deste e de Gilberto Gil, em São Paulo.
Depois de quase cinco anos morando e se apresentando em outros países, Vandré voltou ao Brasil e gravou um depoimento negando ter qualquer engajamento político. Na ocasião, ele prometeu só fazer canções de amor. No entanto, interrompeu a carreira, reaparecendo mais tarde apenas para divulgar a música “Fabiana”, dedicada à Força Aérea Brasileira, “o exército azul”, como costuma chamar.
O tal vídeo no qual ele teria se retratado com os militares desapareceu misteriosamente, bem como suas imagens interpretando a canção “Pra não dizer que não falei das flores” durante o Festival Internacional da Canção de 1968. Na ocasião, a profética “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, foi a grande vencedora da noite. Contudo, a música de Vandré ganharia as ruas, tornando-se um hino contra a ditadura.
O falso mártir da canção de protesto
Desde o auge da ditadura no país, a esquerda festiva passou a alimentar o imaginário popular com lendas e mitos que nem sempre correspondiam à verdade. Vandré carregou nas costas a fama de mártir da canção de protesto, termo que hoje renega categoricamente. Sua tragédia pessoal era muitas vezes comparada à de Victor Jara, o poeta chileno barbaramente assassinado durante a ditadura do general Augusto Pinochet.
Outro brasileiro que viveu fenômeno semelhante ao de Vandré, mas às avessas, foi o cantor Wilson Simonal. Considerado dedo-duro por alguns esquerdistas, ele teria delatado companheiros de profissão que se opunham aos militares. No entanto, embora no auge da fama e da arrogância tenha se vangloriado de ser “amigo dos homens”, ninguém jamais testemunhou que ele de fato tivesse trabalhado para a comunidade de informações. Vítima de uma trama kafkiana, Simonal passou o resto da vida tentando em vão provar a inocência. Ironicamente, sua última foto foi ao lado de Vandré, que fora visitá-lo no leito de morte.
Na entrevista a Geneton, Vandré garante que nunca foi anti-militarista ou filiado a qualquer partido político. Ele critica a cultura de massas que aliena o povo e afirma que não tem mais o que dizer, uma vez que não existe espaço para a arte popular no país. É bem provável que esteja sendo sincero, pois fora transformado num símbolo da resistência democrática sem se dar conta do vespeiro no qual se metera. A moda era fazer arte engajada e certamente ele embarcou na onda, sendo explorado à exaustão pela indústria fonográfica sem nem sempre ser devidamente remunerado.
Quando a lenda é maior que a verdade
Ainda na entrevista, Vandré compara a urbanização desenfreada a um grande genocídio e afirma que a miséria aumentou no país, onde as coisas só pioraram desde o seu tempo. Isso demonstra que atrás da aparente alienação forçada arde a chama da indignação de um homem lúcido, que recusa a falsa imagem de herói que tentaram lhe impingir. Formado em Direito, ele se define como “advogado num tempo sem lei” e garante não ter se beneficiado da anistia por não se reconhecer criminoso.
Independentemente da questão política em si, o fato é que Geraldo Vandré terá seu lugar na história como um dos maiores compositores populares de sua geração. De forma inquietante e inovadora, ele cantou a paixão, a dor das perdas e os problemas sociais de seu tempo. Foi o primeiro a gravar uma canção de Chico Buarque (“Sonho de Carnaval”), a quem elogia pelo talento. Fez parcerias com artistas importantes, como Alaíde Costa, Baden Powell, Carlos Lyra, Fernando Lona, Hermeto Pascoal e Theo de Barros, co-autor de sua clássica “Disparada”.
Resumindo a ópera, Vandré foi um grande artista que se viu esmagado pelo próprio mito. Seu enigma lembra o do protagonista do filme “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford. Depois de relatar a realidade dos fatos durante uma entrevista, o herói que se elegera senador ouve de um jornalista a frase lapidar: “Quando a lenda é maior que a verdade, publica-se a lenda”.
* Artigo republicado no site http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
Estaremos realizando o show com a obra de Geraldo Vandré e Alquimides Daera com musicas em parceria e ineditas, em diversas regiões do Brasil visando à disseminação e a valorização da sua música, portanto, a utilização desta obra toma-se indispensável ao ser humano quanto aos seus conteúdos e conceitos de uma forma lúdica permitindo a fantasia, de acordo com o pensamento do compositor, no entanto devido toda essa importância a necessidade de trabalhar com a utilização da sua música.Nosso projeto é criar em todas as áreas de atuações, produções musicais que primem pelo incentivo ao prazer de pensar e ao de descobrir-se, considerando-os alimentos indispensáveis à sobrevivência da fantasia, além de atuar como verdadeiro antídoto contra a chamada “Cultura de Massa” voltado para o aumento da capacidade crítica da população em geral, sem nenhum preconceito de ordem religiosa, étnica ou social, e para a elevação do sentimento de auto-estima do artista, ou seja, de pertencimento à cidade, ao bairro e ao grupo social.
Repertorio do Show – http://www.alquimidesdaera.palcomp3.com.br
Lindo trabalho, Jorge!
Abração!
Daniel
Jorge,
Belo e nostálgico comentário esse seu sobre a volta de Vandré. É um artista e tanto que marcou a minha mocidade. Na década de 80, fiquei sabendo que Vandré estava em Brasília, a serviço das Forças Armadas. A informação que se tinha era exatamente essa a de que ele bandeou pro lado dos milicos a quem servia escrevendo hinos pátrios. Prometi ao então editor de Veja, Etevaldo Dias (que virou assessor de Collor e depois foi pro JB), que faria uma entrevista com Vandré. Fiz o cerca-lourenço, vigiando-o durante dias, mas não obtive êxito. Não o encontrei na repartição, ninguém falou onde ele morava e a maioria dizia-se surpreso com a informação de que Vandré trabalhava na Marinha. Desisti da ideia de procurar o meu ícone de boina verde-oliva e aquele estereotipo do Chê, pelo menos é assim que eu o imaginava. Vc. tem razão quando diz que o Vandré revolucionário é um produto da quimera fonográfica. É um poeta sonhador, de um talento raro, que brincou com as palavras melodiosas e quando percebeu o barulho de sua brincadeira lúdica, escafedeu-se. Também não acredito em lavagem cerebral. Vandré era mulherengo e apolítico, bandeira revolucionária pra ele só se fosse enrolada num rabo de saia. Abraço, Cleves.
Mano blogueiro,
também vi a entrevista do Vandré. Tive a impressão de um homem muito solitário, preso dentro de uma negação, refém de um mundo do qual não se lembra nem consegue explicar. Apresentou mansa loucura quase lúcida e não conseguiu desenvolver um só pensamento. Fiquei triste e comovido com a entrevista. Penso que Geneton sentiu do mesmo modo. Ele diz, ao final da entrevista, que Vandré se recolhia ao mundo dele, ao mundo de um só habitante.
Bom vc ter posto em palavras as suas impressões.
paz e bom humor sempre.
Walmir
parabens,gostei muito,abraços
toninho da cruz
Bom dia, JF. Saúde. Convivi, a média distância, com o Vandré, nos anos 70 e 71. Estávamos em Paris e ele era freqüentador assíduo de encontros musicais e outros que fazíamos na Cidade Universitária, Casa do Brasil. Eu era mais um fã e observador do comportamento dele menos artista e mais gente, naquele contexto pós-universitário, em tempos de governo Médici. Seu talento poético e musical indiscutível e genial se alternava com posições um tanto ciclotímicas, e isso intrigava muito. Tive ímpetos não concretizados de, como jornalista eventual correspondente colaborador de um jornal e uma revista da Capital, tentar um diálogo especial com ele. Algumas tentativas e desistências, porquanto só dava ELE nos nossos encontros. Quando, nos referidos saraus, ele tomava o violão e assumia o artista que era, não tinha mais pra ninguém. As pessoas se entreolhavam como que confirmando: “AGORA VAMOS TER UMA OVERDOSE DE VANDRÉ…” Fato é que, com ou sem arroubos egocêntricos, ele diferenciava, roubava a cena e sempre deixava a Cité sob aplausos e afetos. Não demorava muito e ele reaparecia. Era bom. Abraço, Nestor Sant’Anna
Oi Jorge, bom dia. Acho que você foi muito preciso na definição. O Vandré é um artista cuja lenda é maior que a propria pessoa. Independentemente das posições políticas adotadas (ou não) por ele em um momento dão delicado de nossa história, continua sendo, principalmente em tempos de musicalidade altamente questionável, como a dos dias de hoje, um grande artista. E isso não é lenda.
Abs.
Marcelo Freitas
Meu bom amigo Jorginho, o cabra aqui ficou arrepiado. Será que pessoas como o Vandré, você e mais uma meia dúzia só lá naqueles tempos? O meu melhor abraço! – Jackson Antunes
Jorge, seu artigo sobre a entrevista do GV ficou uma beleza. Tanto é, que de tanto mexer com ela, ela entrou pra dentro do computador e sumiu.
Mande pra mim por Newton Mendonça. Ele
tá doido pra lê-la. Abs., Gervásio
De Vandré daqueles anos 60/70, o que batia e ficava era mesmo o contrário do que ele afirma agora e há algum tempo. A lenda e outras invenções ficariam maior do que ele, pois isso é incontrolável. Sobre suas músicas, elas dispensam elogios. DISPARADA é para sempre, é raridade.
Caro amigo,
Sensacional. Fico imaginando quanta verdade ainda nos resta saber sobre aquele período no qual os dois lados mentiam. Para mim as revelações foram grande surpresa.
Abraços,
Lúcio