Jorge Fernando dos Santos

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Choro bom de se ouvir

Jorge Fernando dos Santos*

Carinhoso, Brasileirinho, Odeon, Tico-tico no fubá… Muitos são os choros que fizeram e ainda fazem sucesso na preferência do público. Por essas e outras, segunda-feira, 23 de abril, comemora-se o Dia Nacional do Choro. Mas será que os pequenos leitores sabem do que se trata? Nada a ver com o berreiro que alguns deles fazem quando se machucam ou são contrariados. Choro, nesse caso, é música da melhor qualidade. Ao lado do samba, é um dos gêneros mais autênticos da música popular brasileira (MPB).
Alguns estudiosos chegam a dizer que o choro é o jazz brasileiro. Essa comparação com o ritmo mais importante da música norte-americana se deve ao fato dos músicos se sentirem desafiados a fazer improvisos enquanto tocam. O curioso é que os dois gêneros se originaram do encontro da cultura africana com o classicismo europeu.
A data escolhida para ser o Dia Nacional do Choro tem uma explicação muito simples. Foi em 23 de abril de 1897 que nasceu o Pixinguinha. Batizado Alfredo da Rocha Vianna Júnior, esse carioca negro e de origem humilde se tornaria um dos maiores músicos do país. Um dos primeiros brasileiros a ganhar a vida como arranjador musical, ele tocava piano, flauta e saxofone, trabalhou em emissoras de rádio e integrou a banda Oito Batutas, primeiro grupo da MPB a se apresentar em Paris e Buenos Aires, ainda na década de 1920.
Pixinguinha compôs valsas famosas, como Rosa, e é autor de choros como Lamentos, Urubu, Um a zero e o clássico Carinhoso, com letra de João de Barro. Este choro-canção foi eleito a música preferida dos brasileiros numa pesquisa realizada no ano 2000, por ocasião dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil. O compositor foi amigo e parceiro de João da Baiana e Donga, co-autor de Pelo telefone, oficialmente o primeiro samba gravado da história, em 1917.
Mas Pixinga, como também era chamado – o apelido, por sinal, foi colocado pela avó africana – não foi o único músico a se imortalizar compondo choros. Esse ritmo musical também revelou talentos como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Waldir Silva, Zequinha de Abreu, Jacob do Bandolin, Abel Ferreira, Altamiro Carrilho e muitos outros. Até o compositor erudito Heitor Villa-Lobos não resistiu à tentação desse modo de compor e tocar. Dizem até que ele se inspirou no alemão Bach, considerado o pai da moderna música ocidental, cujas composições teriam antecipado fundamentos do choro e do jazz.
Artistas ligados à bossa nova, movimento que modernizou a MPB nas décadas de 1950 e 1960, também se fizeram choro. Entre eles Tom Jobim, Edu Lobo e Francis Hime. Mais recentemente, músicos como Hermeto Pascoal e Guinga também compuseram lindas canções nesse ritmo que encanta ouvidos mais delicados.

Influência da polca

Segundo o pesquisador e cavaquinista Henrique Cazes, autor do livro Choro – Do quintal ao Municipal, o choro teria surgido no Rio de Janeiro, na segunda metade do século 18. Tudo começou depois que a polca foi dançada pela primeira vez no Teatro São Pedro. A polca era um tipo de música alegre e sensual muito apreciada na França e em Portugal. Suas melodias chorosas, ricas em harmonia e convidativas à dança teriam influenciado músicos brasileiros interessados em renovar o jeito de tocar.
Os primeiros grupos a se dedicarem a esse novo tipo de música eram formados por funcionários dos Correios e da Central do Brasil, que tocavam principalmente violão, flauta e cavaquinho. Por isso foram apelidados de “bandas de pau e corda”. Mais tarde, o pandeiro e o piano seriam incorporados com sucesso a esses grupos. O termo choro surgiu justamente pelo fato de as melodias serem chorosas, repletas de nuances e sobe-desces de timbres e tons musicais. Uma música complexa, rica em detalhes, que só pode ser praticada com sucesso por aqueles que realmente sabem tocar um instrumento.
Por essas e outras, o choro sempre foi música por excelência, embora muitos clássicos do gênero tenham recebido letras de qualidade, assinadas por verdadeiros poetas, como João de Barro, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Aldir Blanc. No entanto, somente Ademilde Fonseca – consagrada como “rainha do choro” – se consagrou como cantora exclusiva desse tipo de música.

Tempero africano
no choro e no samba

Como nem tudo é unanimidade entre pessoas que dominam o mesmo assunto, há quem discorde da versão de que o choro é um gênero musical que surgiu por influência da polca. O músico e também pesquisador Carlos Henrique Machado Freitas, que mora em Volta Redonda (RJ) defende que o choro, assim como o samba e outros gêneros da MPB, teria surgido no Vale do Paraíba, no Norte do Rio de Janeiro.
Ele lembra que aquela região recebeu muitos escravos vindos da Bahia para trabalhar em plantações de café e trouxeram com eles a musicalidade típica do povo africano. Tanto que era muito comum a formação de bandas musicais só de escravos. Sem falar nos grupos de folia e congado que marcaram a regiliosidade interiorana também em Minas Gerais.
A própria origem do samba é outra discussão que sempre deu pano para manga. O mais certo é que ele se desenvolveu no Recôncavo baiano, também devido à grande presença de negros na região. Com a transferência da primeira capital da colônia para o Rio de Janeiro, ele teria se descolocado para lá junto com as comunidades negras da época. Tanto que a doceira baiana Tia Ciata ficou famosa no Rio antigo por receber sambistas e chorões em sua casa. E ela não era a única a recebê-los de braços abertos.
No entanto, o crítico e historiador José Ramos Tinhorão afirma que o samba nasceu mesmo foi na Cidade Nova, no coração do Rio, depois que um prefeito chamado Pereira Passos resolveu reformar o Centro da velha capital federal, expulsando dali os negros e os pobres, que começaram a formar as favelas nos morros e na Zona Norte da cidade.

CARNAVAL Seja lá como for, o samba mudou de andamento nos anos 20, quando o compositor Ismael Silva fundou no Bairro Estácio de Sá a Deixa Falar, primeira escola de samba de que se tem notícia. Mais tarde, ela incorporaria o nome do bairro que homenageia o fundador da cidade. Até então cadenciado e dolente, mais apropriado aos salões de dança ou gafieiras, o samba adquiriu ritmo mais marcado e ligeiro, próximo ao da marcha, para facilitar os desfiles de carnaval na avenida.
A vantagem do samba sobre o choro é que ele é mais percussivo e tem na poesia das letras sua grande aliada. Em outras palavras, o samba bate no ritmo do coração brasileiro, funcionando como amálgama da música nacional. Feito um camaleão, transmutou-se na bossa nova e em subgêneros populares, como samba-choro, samba-enredo, sambolero, samba-rock, samba-funk, samba-rap, pagode e axé-music. Já o choro, por ser mais musical e menos cantado, mais melódico e menos rítmico, agrada mais aos músicos do que ao público na sua totalidade.
Polêmicas à parte, o fato é que o choro e o samba são os principais ritmos da MPB, funcionando ambos como matrizes dessa que é considerada a música mais rica do mundo. Tanto isso é verdade que a bossa nova ainda é admirada em vários países, enquanto existem escolas de samba e grupos de choro até mesmo no distante Japão.

* Matéria publicada no Gurilândia, caderno infantil do Estado de Minas

2 comentários em “Choro bom de se ouvir”

  1. ESDRAS SANTOS OLIVEIRA

    É interessante a discussão que se trava em relação ao nascimento do choro e do samba. Éla é antes de tudo política; mas o importante é que não se perca de vista a contribuição do negro nesse impreendimento, do choro e do samba. O lugar do nascimento talvez não tenha muinta importância se atentarmos para aquestão da “de quem contribuiu na criação”.
    Gosto muinto dos dois gêneros supracitados. Toco cavaquinho e amo a obra do Waldyr azevedo; no samba, curto Cartola, Paulinho da Viola e companhia. Também curto Bezerra da Silva.

    Um abraço,
    Esdras Oliveira,

    Entre Rios, 3 de janeiro de 2010.

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