Nunca foi tão difícil escrever. Não por falta de inspiração, mas por excesso de censura. Censura politicamente correta à esquerda; censura neomoralista à direita. Autocensura, na melhor das hipóteses. Afinal de contas, como agradar a gregos e troianos em tempos de tanta hipocrisia?
Convém lembrar que aquele que escreve para agradar, ou apenas para ficar “bem na fita”, corre o risco de falsear a verdade. Verdade esta que, a despeito do relativismo da hora, deve pairar sobre tudo e sobre todos. Contra tudo e conta todos, se preciso for, não importa o preço a ser pago.
Não há como driblar os modismos, as patrulhas ideológicas e os paranoicos que espreitam nas redes sociais. Os idiotas são maioria e contra eles não há solução. Gente que se comporta como o Big Brother de Orwell, sempre com o indicador em riste, disposta a destruir reputações.
No entanto, o pensamento é algo líquido. Ele vaza pelo subtexto à revelia de quem escreve. A interpretação cabe aos leitores. Como escreveu Graciliano Ramos em Memórias do cárcere, “liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a delegacia de ordem política e social”.
Fogueira metafórica
Nem mesmo no auge do Estado Novo, ou em plena ditadura militar, fomos tão patrulhados. É verdade que o escritor podia ser preso por emitir opinião contrária aos donos do poder. Sua obra corria o risco de ser queimada em praça pública. Hoje, no entanto, é o escritor que se arrisca a ser queimado, ainda que de forma metafórica.
Vivemos, teoricamente, em plena democracia. Teoricamente, ressaltemos, pois em nome da liberdade e da segurança somos vigiados por câmeras nos lugares mais improváveis. Nossa imagem pode viajar pela Internet e as conversas telefônicas, grampeadas, editadas e divulgadas fora de contexto. Basta um ato falho para ser visto como homofóbico, misógino, racista, comunista, golpista, fascista ou reacionário. Uma saraivada de adjetivos para o desespero de qualquer escritor.
O ato de pensar tornou-se uma faca de dois gumes, apontada para a garganta daquele que insiste em refletir de forma independente, avesso às ideologias e às causas midiáticas. Quem ousa questionar nos dias de hoje pode ser cancelado ou ter a moral arruinada num click.
Tempos estranhos, dirão aqueles que viveram em outros tempos. Contudo, ainda que nos obriguem a beber a cicuta, é preciso escrever. Mesmo correndo o risco de ser cortada, uma árvore não deixa de espalhar folhas, flores e frutos. Foi por meio da escrita que deixamos as cavernas e adentramos a civilização. Não escrever seria contribuir para a ignorância, a barbárie e o retrocesso do gênero humano.
Parabéns!!!
Autoriza republicar?
Cordial abraço.
Autorizado.
Adoro a frase do Graciliano, que já usei numa epígrafe: da gramática ao Dops. Mas, hoje, de fato, a coisa é mais funda. Nunca tinha passado por momento mais fúnebre para o direito à expressão do que o atual. Fora a adaga moral sobre a nossa cabeça, que você descreve nos tantos patrulhamentos da guerra cultural em curso, tem a censura objetiva mesmo, que o Judiciário e a imprensa dão guarida. Estão criminalizando opinião e fazendo censura prévia todo dia, na cara de pau. Liberdade de expressão deixou de ser um valor, mesmo para os liberais.
Patrulhamento? Revisionismo?
Afinal de contas, como agradar a gregos e troianos em tempos de tanta hipocrisia?
legitimíssima pergunta, posta em uma matéria que só merece palmas. pela parte que me toca, não tô nem aí. se todes, todas, todos, ou até os cis continuarem achando que só todes podem criar personagens todescas o problema se resolverá por si mesmo. será que haverá todes suficientes sobrando por aí pra editores não falirem por falta de originais pra publicar?
haja é bom senso, gente!
Mais uma vez tenho que concordar com você. Escrever é a arte de liberar o pensamento, as dores, não só as suas, mas as dos outros também. Tempos difíceis, antagônicos, mas escreva, registre. Assim fazemos a história! Obrigada por continuar …
Imagine se além de tudo isso, verdades tenebrosas, ainda fossemos privados de um belo texto, como este. Escreva sempre, deixe fluir a arte!!
“A dangerosíssima viagem” para fora e dentro a um tempo.
Excelente reflexão e texto que atesto tem fundamento, pois, através da escrita se conhece e se reconhece uma civilização.
O artigo questiona as circunstâncias do ofício do escritor e defende com competência literária a necessidade vital da atuação do escritor, para a sobrevivência da civilização.
Vamos lá…
Paulo Francis dizia não pensar por fórmulas. O que diria de ter de seguir receitas e índex para labor que se quer livre, livre e caótico como uma pena no vendaval.
Belo texto em Jorge. Tocou na ferida sem ferí-la. Com todas as restrições que se nos apresentam, continue nos brindando com sua inteligência. Não desanime. Força meu irmão.
É isso. Não conseguimos agradar a todos. Mas sou da verdade. E a verdade tem que ser escrita.
Muito bom! Escreve-se porque se há de escrever em todos os tempos e lugares e de todas as formas, com agrado ou desagrado. Nada seríamos sem a palavra, nada seríamos sem a comunicação. Escreva, escreva! Escrevamos sempre. E não deixemos a ficção, porque é ainda melhor, mais poética e mais livre.
Magnífico texto de quem sabe escrever.
Maliciosidade,insensatez,raiva,egocentrismo,ignorância,gestos de acenos torpes,palavras duras,etc.Eis
o nosso planeta ofuscado!
Aonde fica:Só pelo amor será salva a humanidade;Só o amor controi para a eternidade!…