Jorge Fernando dos Santos

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Paranóia do consumo

Nos últimos anos, com o avanço da globalização, indústria, comércio e governos vinham comemorando o crescimento da economia e o aumento acelerado no consumo em várias partes do mundo. Inclusive em países pobres, nos quais as necessidades básicas da população ainda não foram atendidas.

A cada índice positivo divulgado pelos institutos de pesquisa e estatística crescia a euforia do mercado. No entanto, qualquer pessoa de bom senso certamente formulava a pergunta que não queria se calar: afinal, aonde isso vai dar?

Toda vez que o consumo sobe, cresce também a demanda por matéria-prima. Com isso, aumentam as ameaças à natureza com a exploração descontrolada de minerais, a devastação das florestas e o envenenamento do ar e das águas pela poluição. Afinal, o preço do luxo é o lixo, principalmente na era do descartável.

Boa parte da euforia consumista era sustentada pelo sistema financeiro, por meio de empréstimos bancários, cartões de crédito e dívidas a se perderem de vista em longas prestações, com taxas de juros quase sempre exorbitantes. Nas bolsas de valores, ações em demasia superavam o real valor da moeda disponível no mercado.

A resposta para a tal pergunta que não queria se calar finalmente chegou. No primeiro momento, o consumismo desenfreado acelerou o aquecimento global, gerando mudanças climáticas que colocam em risco a vida no planeta. Em seguida, o sistema capitalista acabou se dobrando ao próprio peso.

Não precisa ser socialista para imaginar o sorriso de Karl Marx, se vivo ele fosse. O capitalismo globalizado se tornou selvagem e, como tal, ignorou as próprias limitações e as consequências do consumismo desenfreado. Parece insano medir a economia pelo número de carros ou eletrodomésticos vendidos a prestação. O desenvolvimento não pode mais ser mensurado pelo número de chaminés que lançam gases na atmosfera, ou pela sede insaciável de petróleo.

Em outras palavras, o capitalismo é uma cobra que engole o próprio rabo. Foi o que ocorreu em 1929 e se repetiu em 2008, com a nova quebra do sistema financeiro mundial. A cobra se engasgou com o próprio chocalho. A crise, no entanto, não é meramente econômica, mas também de valores humanos. Reflete o descontrole autofágico do sistema capitalista e o resultado do hedonismo desenfreado.   

O lado bom de tudo isso é que finalmente os governos do mundo terão que pensar numa saída conjunta e de visão ampla. Nos termos ortodoxos do que vinha sendo praticado até agora, a economia não terá salvação. É preciso aproveitar o momento para criar modelos mais flexíveis, não tão à direita quanto o neoliberalismo nem tão à esquerda quanto o comunismo. Este, na verdade, propunha o capitalismo de estado – que é a pior forma de capitalismo.

Por outro lado, é preciso que os governos não cometam os erros do passado, quando alguns estados tentaram salvar a economia e acabaram se arruinando. Disso resultou o messianismo nazi-fascista, que arrastou o mundo ao regimes totalitários e à Segunda Guerra Mundial.

O novo modelo precisará conciliar a visão desenvolvimentista com uma política global de proteção à natureza e aos recursos naturais do planeta. É impossível que toda a humanidade siga os padrões de conforto dos países mais ricos. Há que se encontrar um meio termo entre consumo e preservação ambiental, com a reciclagem do lixo e o investimento em fontes renováveis de energia. Caso contrário, não haverá futuro para a humanidade.

Apocalipse é uma palavra que causa arrepios devido à sua carga simbólica. No entanto, significa “revelação”. No momento em que a crise ambiental coincide com a falência do modelo econômico globalizado é preciso que se revele um novo caminho para a humanidade, no qual seja possível colocar em equilíbrio a economia e a ecologia, como dois pratos na balança do futuro.

* Publicado no Diário do Comércio, em 27/01/2009.

 

   

2 comentários em “Paranóia do consumo”

  1. Ser feliz e não saber que o era. Que lindo pensamento filosófico, hein?! Ainda mais vindo de quem veio: do negro Ataulfo. Pois bem, tenhamos os nossos próprios sonhos, não os da publicidade. Ou alguém aí precisa dela para alcançar alguma felicidade?

  2. Jorge, como sempre um artigo claro nas idéias e direto nos alvos. Permita-me discordar apenas do capitalismo como autofágo. Acho que é o próprio ser humano que prefere se entregar ao consumo para tapar o buraco existencial. Quanto mais vai por essa via, mais aprofunda o buraco. A saída está em valorizar coisas simples e buscar sentido mais nobre para a vida. E isso não é auto-ajuda! O estouro da bolha e as calamidades da ecologia estão nos ensinando muita coisa.

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