Jorge Fernando dos Santos

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O “ismo” que nos resta

Diz o ditado que de boas intenções o inferno está cheio. E provavelmente o que mais tem no inferno são políticos, cujo ofício parece ser a arte de enganar eleitores. Claro que a democracia é o melhor dentre os melhores sistemas políticos imaginados pelo homem. No entanto, o voto deveria ser um direito do cidadão e não propriamente um dever cívico, como nos é imposto no Brasil.

Se o voto fosse facultativo, certamente os candidatos teriam que melhorar sua performance e seu discurso para conquistar o eleitor. Afinal, como acreditar num sujeito que invade o horário nobre da TV com promessas fúteis e slogans desgastados pelo uso de tempos em tempos? Que bem pode fazer à comunidade um cidadão cuja campanha política polui a cidade com cartazes, out doors, panfletos e carros de propaganda com o volume de som acima do permitido pela lei ambiental?

Pior ainda são aqueles políticos que ignoram a orientação de seus partidos para apoiar candidatos de outras legendas em coligações que atropelam qualquer senso de coerência ideológica. Tudo, claro, em nome do interesse pessoal ou de grupos econômicos cujo único objetivo é lucrar às custas do eleitor mal-informado.

Pelo visto, depois de tantos ideologismos esgarçados ao longo da história, o único “ismo” que restou é o cinismo da classe política. Com raras exceções, as pessoas se candidatam de olho no maná do poder que é exercido em causa própria, sem nenhum compromisso com a comunidade. Basta ver a guinada no discurso do atual presidente da República, que saiu da extrema esquerda para a confortável posição em que se encontra no poder. 

Para quem almoça com Fidel Castro e janta com George W. Bush, o antigo mote usado pelos opositores de Vargas em seu governo populista cai como luva nos tempos atuais: “O presidente é o pai dos pobres e a mãe dos ricos”. Em outras palavras, a classe média que se dane! E se ela se dana é porque este é o preço da omissão.

O Brasil tem um regime sui gêneris, raro de ser encontrado em outros países ditos civilizados. A escravidão foi abolida de cima para baixo, sem que se desse aos ex-escravos terra e alfabetização. Nossa República resultou de um golpe de estado das oligarquias insatisfeitas com os rumos do império. 

A Carta Magna assinada em 1988 e atualmente em vigor segue o modelo parlamentarista, enquanto o regime se manteve presidencialista. Ao presidente que deseja de fato governar o país restam duas opções: comprar o Congresso com favores e dinheiro ou assinar toneladas de medidas provisórias.

Nossos partidos mais parecem alas de escolas de samba, legendas de aluguel ou agremiações esportivas nas quais os craques trocam de camisa conforme o interesse pessoal ou a cifra oferecida pelo time adversário.

Nos Estados Unidos, quem nasce democrata morre democrata e quem nasce republicando, idem. No entanto, só copiamos os defeitos do Tio Sam, trocando o samba pelo funk ou bananas por hamburguer. Com todos os problemas e absurdos do capitalismo, os norte-americanos dão um banho em termos de democracia. Lá, as algemas são para todos que infringirem a lei, independentemente de raça, sexo, religião, formação escolar ou condição econômica.

Sem querer louvar as opiniões do ditador que governa Cuba há quase meio século, lembro o dia em que ele declarou que a democracia nos moldes norte-americanos é um luxo que custa caro aos países do Terceiro Mundo. Nisso ele tem razão. Se alguém duvida, que procure saber quanto faturam as agências de marketing e propaganda brasileiras nos anos eleitorais. Com o alto custo das campanhas, só ganha eleição quem gasta dinheiro a rodo. As técnicas de convencimento resultam numa lavagem cerebral jamais imaginada por Goebbels.

O Brasil precisa mudar, mas os políticos – justamente eles que têm condições para tanto – são os últimos a desejar a mudança. Quem quer consertar o país somos nós, cidadãos comuns que ralam de sol a sol e pagam a segunda maior tributação do mundo – sem obter o merecido retorno. Mas a classe média se omite, apenas reclama, como à espera de um milagre ou de um messias, herança esta do sebastianismo lusitano.

Diante do sentimento de impotência que nos domina, geralmente adotamos a cômoda postura de anular o voto sem politizar o ato de desobediência civil. Se nenhum candidato nos convence, melhor escolher o mais fraco, fazendo do voto um ato de desagravo. Até porque, eleição não é corrida de cavalo. Mais que votar, é preciso debater os temas de nosso interesse e contribuir para o esclarecimento das massas.

     

2 comentários em “O “ismo” que nos resta”

  1. Simplesmente amei seu artigo. Você consegue dizer tudo, de forma clara e objetiva. Passarei para minha filha o endereço do seu site para que ela possa usufruir de bons textos e assim se enriquecer com informações e opiniões tão bem fundamentadas. Cris.

  2. geraldo magela alves

    Caros amigos, certamente as considerações do Jorge Fernando, vêm embasadas de atitudes históricas e merecem nossa consideração. São preciosas num momento em que somos usados indiscriminadamente pela mídia e marketing político. Numa atitude pessoal preferiria que a classe média se posicionasse e não permanecesse no lamento em que sempre se deterioram. Também ela é responsável pela realidade na qual vivenciamos todos os abusos e conveniências dos legisladores brasileiros(?). Política isso já foi superado, os acordos passam por outros processos para que continuemos sobrevivendo no planeta. De qualquer maneira, enquanto não se tiver consciência da importância da educação, ecologia e cidadania, seria razoável abandonarmos nosso princípios, formatados dentro de conceitos religiosos, políticos e estrategicamente apoiado na lei da vantagem pessoal. É preciso entender as necessidades do mundo atual e não ser dominado pelo imediatismo das propostas. Afinal, a terra não é mais referência para a filosofia dos animais humanos. Abraços de alegria. Firme e forte, sempre. Geraldo Cappeta.

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