Jorge Fernando dos Santos

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Juventino e o papel do jornal

Meu compadre Juventino descobriu uma maneira criativa de reagir ao cinismo e à desfaçatez de políticos corruptos, editores vendidos, colunistas sociais e outros calhordas de plantão. Assinante de vários jornais, de uns tempos para cá ele tem escolhido cuidadosamente as páginas que irão forrar a gaiola do Cauby, o canário belga que herdou da sogra.

 

Depois de passar os olhos nos artigos e reportagens de política e economia, Juventino arranca as folhas cuidadosamente, dobra no meio e vai empilhando num canto da sala, para mais tarde reaproveitá-las para amparar o cocô e as casquinhas de alpiste espalhadas pela avezinha canora.

 

Essa prática se tornou uma espécie de resposta silenciosa ao festival de besteiras que assola a mídia nacional. Mais que um protesto simbólico, o ato de rebeldia do velho leitor de jornais pode ser considerado uma atitude ecologicamente correta, pois não deixa de ser uma forma inteligente de reciclar o papel desperdiçado pelo noticiário.

 

A maior dificuldade, no entanto, é estabelecer critérios objetivos de escolha, pois as besteiras são tantas que Juventino costuma colocar duas e até mais folhas na bandeja da gaiola. Ultimamente, ele tem preferido os artigos assinados pelo senador José Sarney, principalmente aqueles ilustrados com a foto do ex-presidente e seu ridículo bigode tingido de preto. A troca de forro tem sido diária, pois o cocô do canário parece aumentar na proporção das besteiras impressas.

 

Antigo assinante de jornais, Juventino é daqueles que ainda resistem ao canto de sereia da Internet e hoje se diz decepcionado principalmente com a pauta diária de economia. Para ele, o fato de o noticiário econômico ocupar tamanho espaço deve-se ao compromisso dos veículos com o sistema financeiro, que impõe ao país as maiores taxas de juros do mundo e uma agiotagem sem precedentes.

 

No que diz respeito ao noticiário político, Juventino pensa que bastariam duas páginas em branco, pois os repórteres e analistas dessa matéria raramente acrescentam alguma coisa ao que o leitor já sabia. Ex-comunista que esteve a um passo de pegar em armas contra a ditadura militar, meu compadre já pensou até em fazer mea-culpa. Diante de tanta corrupção e do cinismo dos poderes constituídos, confessa sentir saudade dos tempos de chumbo, pois o inimigo pelo menos era visível e estava do outro lado da trincheira.

 

O mais curioso nessa história é que Juventino descobriu que o Cauby sabe ler. Afinal de contas, dependendo da matéria exposta no fundo da gaiola, o canário dispara a cantar ou simplesmente emudece, permanecendo jururu no poleiro. Se o artigo for ilustrado com a tal foto do Sarney, por exemplo, a cantoria pode durar o dia todo. Mas se a imagem impressa for a do presidente Lula, o silêncio do canário será sepulcral.

 

Que não se ofendam os eleitores, pois não se trata de preconceito contra dois políticos que tanto já fizeram pelo País. Sem preferência partidária, meu compadre também costuma forrar a gaiola com artigos assinados por Fernando Henrique Cardoso, Delfim Neto, Maílson da Nóbrega e até pelo Jarbas Passarinho. Talvez devido ao sobrenome, este é o que mais agrada o Cauby, que sempre muda de tom quando vê sua foto no jornal. 

 

A bem da verdade, devo admitir que meu compadre anda meio ranzinza ultimamente, mas ele insiste na coerência. Por isso, não suporta discursos que tentam explicar a esculhambação generalizada que tomou conta do País. Por mera provocação, alguém poderia perguntar o que, afinal de contas, ele faz com as resenhas literárias e as colunas sociais publicadas nos cadernos de cultura. Estas ele reserva para forrar o xixi do Lulu, seu basset de estimação, que está sempre de caganeira.

 

PS: Formado em jornalismo, Juventino pretende agora forrar a gaiola do Cauby com seu velho e amarelado diploma.

 

* Texto também publicado no site www.tirodeletra.com.br

 

 

3 comentários em “Juventino e o papel do jornal”

  1. É sempre uma lição de técnica e sensibilidade revisitar seus textos, Jorge. Que bom que a era digital, com blogs como o seu, não deixa morrer o velho e bom jornalismo autoral, longe da pasteurização tão comum nos dias atuais. Meu abraço!

  2. Adorei o artigo, Jorge. Bem sarcástico, mas divertido. Só não sei se as excelências as quais você se referiu entenderiam direito o espírito da coisa, porque afinal, senso de humor é sinal de inteligência. Sinceramente, acho que o Lula tem sim, um certo ranço parecido com o que o Newtão tinha, lembra? A criatura odiava cultura e vida intelectual nas pessoas.
    Vamos curtir um certo escracho mesmo, que é o jeito
    Abraço

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