Quando Nietzsche chorou abraçado ao pescoço de um cavalo, desculpando-se pelos maus tratos impingidos pelo cocheiro, deu motivos suficientes para ser considerado louco. Isso ocorreu no século XIX, antes da invenção do automóvel, época em que os quadrúpedes ainda puxavam carruagens e bondes pelas ruas das metrópoles do mundo civilizado.
No início do Terceiro Milênio, enquanto ONGs que defendem os direitos dos animais lutam para proibir as touradas e alguns donos de cachorros e gatos chegam a tratá-los como gente, acho que já passa da hora de alguém gritar em defesa dos equinos e muares que arrastam carroças nas grandes cidades brasileiras.
Sempre desconfiei que o cavalo, e não propriamente o cão, fosse de fato o melhor amigo do homem. Afinal, ao longo de muitos séculos, foi ele – em parceria com o burro e a mula – quem mais ajudou a escrever a história da humanidade. Seja como animal de carga ou simplesmente montaria, em tempos de guerra e de paz. Por essas e outras, temos uma dívida com essas espécies.
Penso que os governos deveriam proibir o uso de quadrúpedes como animais de carga. Não bastasse o peso da carroça e os maus tratos aos quais muitas vezes são submetidos, os bichos já não gozam de espaço para pastar livremente e poder se livrar do estresse do trabalho forçado. Em muitos casos, são deixados às margens de ruas ou rodovias, correndo o risco de provocar acidentes ou ser atropelados.
Ferraduras no asfalto
Mesmo quando devidamente ferrados, quadrúpedes não foram feitos para pisar asfalto ou ruas calçadas. Nesse sentido, nunca compreendi o uso de polícia montada em pleno centro de uma capital como Belo Horizonte. Já vi muito soldado ser derrubado quando o cavalo escorrega. Lembro de ter lido num jornal que um deles teria sido expulso da corporação depois de matar o animal a tiros, irritado com o tombo que levou.
Não tenho nada contra quem depende dos animais para sobreviver. Quando era criança, eu via com bons olhos os carroceiros do Caiçara, para onde me mudei aos seis anos juntamente com meus pais. Ainda me lembro de seu Alcino, seu Chico, seu Pedro, seu Perona e do famoso Zé da Égua, que reside no bairro até hoje. Também na infância, eu sempre assistia ao seriado “As Aventuras de Rin Tin Tin”. Gostava tanto de faroeste que sonhava sentar praça na cavalaria.
Respeito tanto os carroceiros que meu livro “O Rei da Rua” – com mais de 100 mil exemplares vendidos pela Atual Editora – tem o simpático personagem seu Zé Carroceiro. Protótipo que idealizei para os profissionais do ramo, ele é tão amável com os animais que trata o burro Pacheco como se fosse da família. Em vez de chicote, usa um chocalho de tampinhas de garrafas para fazê-lo andar.
No bojo da lei que proibisse o uso de animais de cargas pelas ruas das grandes cidades, o governo deveria também criar condições para que os carroceiros pudessem comprar veículos motorizados e tirar carteira de motorista. Com isso, seria possível substituir carroças por caminhonetes ou vans sem prejudicar sua sobrevivência. A única exceção seria reservada aos charreteiros que operam em lugares turísticos, observando-se naturalmente o cuidado com a saúde e a higiene dos animais.