Jorge Fernando dos Santos

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Duas décadas sem Rubem Braga

Este ano completam-se duas décadas da morte de Rubem Braga. O sabiá da crônica, como foi chamado por Stanislaw Ponte Preta, deu o último suspiro na noite de 19 de dezembro de 1990, num quarto do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, vítima de parada respiratória devido a um câncer de laringe do qual se recusara a tratar.

Dois dias antes, ele se reuniu com os amigos mais próximos, entre eles Otto Lara Resende e Moacyr Werneck de Castro, em sua famosa cobertura da Rua Barão da Torre, em Ipanema, onde cultivava árvores frutíferas. O encontro foi uma espécie de despedida, na qual o cronista avisou que morreria sozinho, como sempre procurara viver.

Nascido a 12 de janeiro de 1913, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), Rubem Braga foi acima de tudo um jornalista. Saiu de sua terra natal ainda menino, depois de um desentendimento com o professor de Matemática, que o chamara de burro. Foi estudar no Colégio Salesiano de Niterói. De lá, iniciou os estudos de Direito ainda no Rio, vindo a se formar em Belo Horizonte, em 1932.

O cronista praticamente iniciou a carreira de jornalista no extinto Diário da Tarde. Ele cobriu a revolução daquele mesmo ano pelos Diários Associados e conheceu Juscelino Kubitschek e Adhemar de Barros no front da Serra da Mantiqueira. Em 1936, ainda em BH, casou-se com Zora Seljan – de quem se desquitaria – mãe de Roberto Braga, seu único filho. No mesmo ano publicou o primeiro livro, O Conde e o Passarinho, pela Editora José Olympio.

No campo de batalha

Ao lado de Joel Silveira, Rubem Braga foi correspondente de guerra do Diário Carioca. Tal experiência lhe inspirou o livro Com a FEB na Itália, de 1945. De volta ao Brasil, morou em Recife, Porto Alegre e São Paulo, antes de fincar raízes no Rio de Janeiro. De temperamento combativo e jeito turrão, também exerceu as funções de repórter, redator e editorialista, sendo preso mais de uma vez durante a ditadura do Estado Novo.

Durante o governo de Jânio Quadros, foi embaixador no Marrocos, mas não se adaptou às funções diplomáticas. Sua vocação era escrever e parece que só isso o satisfazia. Quando morreu, era funcionário da TV Globo, na qual fora trabalhar a convite do amigo Edvaldo Pacote, segundo o qual “ele escrevia todos os textos que exigiam mais sensibilidade e qualidade, e fazia isto mantendo um grande apelo popular”.

Homem de visão pioneira, Rubem Braga fundou em 1968, com os mineiros Otto Lara Resende e Fernando Sabino, a Editora Sabiá. Esta revelou o talento de Oswaldo França Júnior para o romance e lançou no Brasil os latino-americanos Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luis Borges e Pablo Neruda.

Dono de um estilo pessoal, que só encontra concorrência nas crônicas de Machado de Assis, Rubem Braga dizia escrever para ser publicado no dia seguinte. No entanto, seus textos se perpetuaram pela objetividade, simplicidade de estilo, humor e caráter poético. Também escrevia versos, embora seu único livro de poemas tenha sido póstumo.

Estilo de mestre

As duas décadas de ausência do mestre da crônica deveriam servir de mote para a reflexão daqueles que hoje preenchem as páginas dos jornais com textos apressados, pretensamente chamados de crônicas. Como poucos, o “urso” Rubem Braga sabia mesclar elementos do jornalismo com a literatura, essência dos verdadeiros cronistas como Machado de Assis, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues – para citar apenas alguns.

Sua passagem pela redação do Diário da Tarde, bem como sua relação com o jornalismo mineiro que lhe serviu de escola, também deveriam inspirar eventos que pudessem resgatar sua presença entre nós.

Segundo Afrânio Coutinho, crítico literário (outra função que vem desaparecendo da grande imprensa), a marca registrada da obra de Rubem Braga é a “crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza”.

* Artigo publicado nos sites www.jornalistasdeminas.org.br e www.observatoriodaimprensa.com.br .

5 comentários em “Duas décadas sem Rubem Braga”

  1. Vinte anos sem um dos nossos melhores padeiros da alma (no dizer do próprio Braga). Desagradável também não mais podermos saborear os pães matinais de Drummond (23 anos de ausência) e Alceu Amoroso Lima (27), lembrando apenas da “padaria” do JB dos bons tempos. Parabéns pelo artigo. Oportuna a lembrança do Sr. Teócrito (comentário abaixo). Via de regra, o leitor está hoje para a mídia como garis estão para muitos “jornalistas”, haitianos para o seu Cônsul no Brasil ou o nosso eleitorado para os seus eleitos. – Ricardo Dias, Rio de Janeiro, comentou no Observatório de Imprensa.

  2. Rogério Faria Tavares

    Li seu belo texto sobre Rubem Braga e adorei: oportuno e informativo, de leitura fluida e agradável.
    Que falta que Rubem faz…
    Que bom que v. recuperou a nossa memória.

  3. Parabéns pelo artigo. Hoje, quando garis são ofendidos simplesmente por enviarem mensagens de Natal para conhecido jornalista, lembramos que no Natal de 1957, Rubem Braga recebeu uma poesia natalina dos lixeiros Artur, Emílio e Agenor, que não só foi publicada como remunerada. Quem quiser saber mais, vale à pena ler a Crônica “O poema que não foi aprovado” (ver em Ai de Ti Copacabana), não o dos lixeiros, mas o do próprio Rubem Braga. – Teócrito Abritta, físico e escritor no Rio de Janeiro, comentou no Observatório da Imprensa.

  4. além de tudo, um futurólogo. em umade suas maravilhosas crônicas, escreveu uma que nos faz lembrar o século 21: “ai de ti copacabana”.
    adorei tua lembrança para um país de analfabetos.
    maravilho, Jorge

  5. Salve, Jorge!

    Bela homenagem ao Braga!

    Em algum momento do início da década de oitenta, em pleno processo de redemocratização, assisti a uma conferência dele na PUC – Minas: conversa com estudantes. Cara fechada, palavras escassas, já meio encurvado… Falou pouco, e nada retive.

    Depois que abriram para perguntas do auditório, bem cheio, foi inevitável que alguém pedisse que comentasse sobre política.

    “As pessoas, hoje em dia, acreditam muito nos políticos”, disse o escritor, lacônico. Achei antipático, pessimista, mas o tom honesto do dito me marcou profundamente. Nunca me esqueci.

    O cronista tinha razão.

    Grande Rubem Braga, plantador de árvores frutíferas.

    Forte abraço.

    Daniel

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