A afirmação pode parecer precipitada ou injusta, mas tem razão de ser. Pela própria natureza, o trabalho musical geralmente é realizado coletivamente. A começar pela orquestra sinfônica, na qual o triângulo tem a mesma importância do piano. Para que o concerto alcance sucesso é preciso que os instrumentos estejam em harmonia, afinados no mesmo diapasão.
O compositor pode até se achar um gênio da escrita musical, mas sem um bom arranjo sua obra perderá qualidade. Os músicos que vão executá-la também precisam ser bons e aplicados naquilo que fazem. Caso contrário, o resultado final da peça será desastroso, comprometendo a imagem do compositor.
Literatura e artes plásticas
Enquanto isso, a literatura e as artes plásticas exigem concentração e isolamento. O artista, no caso, precisa de privacidade e recolhimento para escrever, pintar ou esculpir sua obra de arte. A qualidade final dependerá exclusivamente dele, embora o trabalho do editor ou do marchand possa de fato contribuir para a repercussão ou sucesso de venda.
Talvez por isso escritores e artistas plásticos sejam competitivos entre si. Como diz o personagem de Ernest Hemingway no filme “Meia-Noite em Paris”, de Wood Allen, o escritor vê os colegas como adversários. Quando lê um livro alheio, de duas uma: ou não gosta e critica impiedosamente o texto; ou gosta e odeia o autor por ter escrito uma obra que ele próprio gostaria de assinar.
Claro que o egocentrismo perpassa qualquer tipo de ser humano em qualquer grupo profissional – uns mais, outros menos. Contudo, mesmo transbordando em vaidade e até falando mal dos colegas, os músicos geralmente precisam uns dos outros para executar seu trabalho nas dimensões desejáveis. A música, portanto, é uma arte gregária.
Tentações do teatro e da dança
Alguém poderia dizer que as artes cênicas também são coletivas, o que de fato é verdade. Mas há que se observar um aspecto crucial que muda o ponto de vista do fazer artístico: no teatro e na dança o instrumento de trabalho é o corpo do artista e isso, muitas vezes, leva-o ao narcisismo extremo. Ainda que dependam do “jogo” de cena com os colegas, ator e bailarino sofrem a tentação da suprema vaidade.
O presente artigo não tem a pretensão de julgar ou condenar essa ou aquela atividade artística. Pelo contrário, todas as artes nos aproximam de Deus como instrumentos de lapidação espiritual, tendo a busca da perfeição estética como principal preocupação.
Contudo, quem conhece a história das artes há de concordar que os músicos se mobilizam muito mais em ações filantrópicas ou de cunho político que os profissionais de outras artes. Isso ocorre porque a música tem um caráter gregário e espetacular. Como tal, pode ser consumida coletivamente como veículo de ideias ou mero entretenimento.
Músicos na militância política
Quem dentre os leitores mais velhos não se lembra do histórico “Concerto para Bangladesh”, organizado por George Harrison e Ravi Shankar em 1º de agosto de 1971, no Madison Square Garden, Nova York? Mais de 40 mil pessoas assistiram astros como Bob Dylan, Eric Clapton, Ringo Star, Billy Preston e Leon Russel em dois grandes shows. O evento arrecadou US$243.418,51 administrados pela Unicef.
Em janeiro de 1985, 45 dos maiores astros da música norte-americana gravaram o hit “We are the World”, composto por Michael Jackson e Lionel Richie. A venda do clipe e do disco renderam cerca de US$ 55 milhões destinados a combater a fome na África. A ação foi inspirada no “Band Aid”, festival organizado pelo irlandês Bob Geldof com dezenas de artistas da cena mundial, e repetida anos depois para socorrer o devastado Haiti.
No Brasil também tivemos grandes momentos de solidariedade musical, sobretudo durante a ditadura militar. Artistas como Gonzaguinha, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Paulinho da Viola e Nara Leão sempre estavam presentes nos show do 1º de maio, em apoio aos trabalhadores, ou nas manifestações políticas. O auge dessa fase foram os comícios da campanha Diretas-Já, que reivindicava a aprovação da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional.
Com 32 nomes da música mineira, “Todos por Helena Penna” visa ajudar uma de nossas maiores cantoras. Vítima de diabetes, Helena sofreu três AVCs, perdeu os rins e faz hemodiálise três vezes por semana. Não bastasse tudo isso, teve que amputar uma perna recentemente. O show marca o lançamento do CD “Coletânea”, que reúne algumas de suas melhores interpretações e cuja venda também será revertida em seu benefício. Ingressos a R$ 20, na bilheteria do teatro.