Jorge Fernando dos Santos

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A agonia do jornal impresso

O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão é apenas mais um capítulo na amarga história de decadência da imprensa brasileira. Dias antes da fatídica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), já haviam rasgado a Lei de Imprensa, ato que deixou o setor a descoberto do ponto de vista legal. Diga-se de passagem que em quase todos os países existem mecanismos legais de regulação dos meios de informação. Aqui, pelo visto, fica decretada a barbárie.

 

Não bastassem as decisões equivocadas do STF, que muito contribuem para o desmanche de uma profissão regulamentada há 40 anos, os próprios jornais estão se encarregando de acabar com a imprensa. É fácil perceber duas tendências crescentes no mercado da informação. De um lado o avanço dos tablóides destinados às camadas menos favorecidas da população. De outro, as revistas dirigidas ao público de alto poder aquisitivo, tendo como foco noticioso as pseudocelebridades.

 

Se o primeiro produto tem o mérito de conquistar novos leitores junto a um público pouco dado à leitura de jornais, apresenta como principais defeitos o sensacionalismo e a apuração rasa da notícia. Esses tablóides são campeões de venda. No entanto, atropelam o idioma pátrio com erros grosseiros e subestimam a capacidade mental dos seus leitores. Já o segundo tipo de publicação geralmente tem o mérito da boa qualidade gráfica, mas capota na curva ao bajular gente rica que nem sempre é notícia.

 

Num cenário tão comercial, onde o faturamento é mais importante que a qualidade da informação, torna-se cada vez menor o espaço para o jornalismo investigativo e a justa prestação de serviços ao leitor. Os cadernos de cultura, por exemplo, curvam-se ao modismo imposto pela mídia eletrônica e se transformam em agendões de eventos para todos os gostos, sem reservar lugar para a crítica especializada.

 

As seções de cinema badalam as produções comerciais de Hollywood e se limitam a distribuir estrelinhas, sem aprofundar a discussão estética. Para não desagradar o improvável leitor jovem, os editores colocam o hit de baixa qualidade no mesmo patamar de clássicos do jazz ou da bossa nova.

 

Enquanto isso, a cobertura de eventos de âmbito global resume-se ao monólogo das agências de notícias, abrindo mão da pluralidade discursiva e do diferencial oferecido por correspondentes internacionais. Em vez de apostar na análise dos grandes acontecimentos, a imprensa rende-se ao sensacionalismo e repete informações até a exaustão numa vã tentativa de derrotar a Internet em seu próprio território. Se esta ganha em velocidade, supõe-se que os jornais deveriam ganhar na qualidade da notícia, com a justa reflexão e apuração dos fatos. Por outro lado, grande parte das revistas semanais rendeu-se ao denuncismo fácil e aos articulistas polêmicos, mas nem sempre responsáveis.

 

Essa novela de final dramático teve um dos seus começos quando as empresas jornalísticas passaram a abusar das cores em suas edições. A partir dos anos 80, qualquer pessoa que parasse diante de uma banca de revistas tinha a sensação de contemplar uma gaiola de araras e papagaios. A facilidade da impressão colorida, no entanto, não seria suficiente para enfrentar a agilidade da TV, identificada naquele momento como a provável grande rival dos jornais impressos.

 

Pouco tempo depois, com o advento da Internet, os diários se deixaram levar pela velocidade da informação, como se o rádio não tivesse sido inventado muito antes das novas mídias. Os editores de primeira página insistem em publicar manchetes óbvias e repetitivas, que nada acrescentam aos fatos. A coisa é tão mecânica que já virou rotina uma mesma manchete pipocar em mais de um jornal no mesmo dia. Basta ver a morte de Michael Jacson, explorada a exaustão sem revelar nenhuma novidade sob o rei do pop.

 

Se o rádio noticia o fato na hora e a Internet pouco depois, a televisão tem o péssimo hábito de apostar na espetacularização da notícia. Pelo menos teoricamente, caberia aos jornais a análise e a investigação dos acontecimentos. No entanto, preferem imitar o noticiário dos concorrentes, movidos pela pressa e pela preguiça mental. Com isso, os repórteres já não contam mais histórias e a venda dos jornais despenca a olhos vistos. As redações vivem hoje o pesadelo das demissões, sob o repetitivo discurso do corte de despesas.

 

Pelo visto, os donos de jornais perderam o trem da história e os editores e chefes de redação desaprenderam o próprio ofício. Culpam a concorrência dos meios eletrônicos, praticam o mau jornalismo, abrem mão da crítica aos poderosos e apostam na mediocridade dos leitores como tábua de salvação.

 

* Publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br, em 30/06/2009, e transcrito em inglês no site http://brazzil.com por Aldo Jancel.

 

 

16 comentários em “A agonia do jornal impresso”

  1. Excellent and insightful article. The same could be said, almost to a T, of the US media. I believe this article could be aptly transcribed to depict the media outlets of any number of nations. I especially appreciate the idea of preserving and propelling print media as the thoughful, investigative branch, as it were, of all media, as opposed the the sensational, the colorful, the quick, and, hopefully not the dead.
    In this time when print media is currently searching for its soul, it is nigh time not to lose one. – David Adair, July, 14, 2009, in site Brazzil.com

  2. I tend to agree with Mr.Eridani´s statement as well as the writer of this article.In Brasil, where the readership of newspapers among the vast majority of the population is low (due to the high subscription rates charged), the alternative sources of information are the TV & Radio that are free to access and whose concessions (as well as retransmission rights) are granted by the government. No doubt the tabloids with shallow news and analysis are other source of info or disinfo. By eliminating the requirement of a diploma in Journalism to be a professional Printed Press, it does open up an opportunity to Ad agents to write whatever they want to manipulate the masses.
    But..But.. I think that respectable and traditional newspapers like “Estadão”, “JB”, “Folha”, etc; have anything to fear. I am sure they will continue informing the masses instead of manipulating them!!! – João da Silva, July 13, 2009, in site Brazzil.com

  3. Regrettably, the Brazilian Supreme Court has acted irresponsibly, in dim-witted fashion with its limited pronouncement. Even more distressing is the banishing of existing legal framework which has permitted the flow of views and ideas for centuries; an act which would hardly be contemplated by the more advanced societies of this troubled, immature and corrupt planet. Epsilon Eridani, July 12, 2009, in site Brazzil.com

  4. Dear Sir,
    I read your article with great interest. It reflects the newspapers (Fairfax Industry ) in New Zealand. The craftsmanship and investigative journalism seems a dying art, however the newspaper editors are to blame not the speed of internet. People enjoy a newspaper, to read well written articles about events of the world, events of their country and communities.
    Newspaper producers talk about how great the “readership” is, which masks that the actual sales count, the latter well below the readership numbers.
    Recently newspapers in the South Island NZ have had little substantial news, investigative journalism, but copies of competitive newspapers, and in general bad journalism. Your article reflects a trend on the global stage. Laziness, haste, is the trend.
    If sales are desired to be increased competing against tabloid trash, fabricated news, celebrities ( stories that one would think the writer lived with them 24 hours /seven days a week) then a real effort by the leaders of the industry need to raise their conscious awareness for change.
    Newspapers are important as not every-one wants to be glued to their lap-top, or can be.
    Enjoyed your article. Warmest Regards –
    Marie C Hazledine-Barber (www.hazledinebarber.com)

  5. Quando passo os olhos pelos jornais eletrônicos não vejo “mesmice” nas abordagens das matérias. O que vejo é a tediosa repetição em termos de falta de soluções políticas. Jornalistas não inventam fatos – os relatam; ou seja, registram as “escapadas” de sempre das partes envolvidas. Acredito que falte assunto mesmo. É paradoxal: não há peso, não há credibilidade nos conteúdos porque, ao longo dos anos, desde a Nova República, tudo o que importa é manter a agenda dos negócios dos setores públicos e privados. Sinto vergonha de ser brasileira. Não há razão para nos levarem a sério… Trabalho escravo, prostituição de crianças, adolescentes e mulheres como parte de uma rede internacional, poder paralelo nas periferias – com a convivência de parte da polícia, “lei” de impunidade, p.ex., para políticos construtores de castelos, ou para donos de estados, etc.: tudo isto se repete à exaustão. Questão: nós jornalistas é que teremos de ser criativos? Se formos, quem levará a sério o resultado das investigações jornalísticas? O Poder Judiciário? O STF liberou um professor de artes marciais e seu assistente por pagarem por sexo com três adolescentes… A “culpa é da imprensa”: é título de livro dos anos 70… Assim, suportamos editores que modificam nossos títulos, com o intuito de tirar a relevância do conteúdo, ou pior, mutilam o conteúdo porque a matéria desagrada a grupos de interesse. Lúcia Nunes, Tubarão (SC), comentou no Observatório da Imprensa.

  6. “Os repórteres já não contam mais histórias e a venda dos jornais despenca a olhos vistos. As redações vivem hoje o pesadelo das demissões, sob o repetitivo discurso do corte de despesas”. A questão também é que os jornais e revistas se tornaram muito previsíveis. Eles não surpreendem mais ninguém. Conhecemos de cor e salteado o posicionamento de cada um deles e podemos antecipar o que dirão de cada acontecimento político, por exemplo. A revista Carta Capital é a única que, esporadicamente, concede um pequeno espaço à pontos de vista diversos da sua orientação editorial e é uma pena pois o debate é, antes de tudo, uma homenagem à inteligência dos leitores. Recordo-me que no caso Cesare Battisti a Carta Capital concedeu um pequeno espaço ao Ministro Tarso Genro e foi muito interessante comparar a argumentação do Ministro com a argumentação da revista, ainda que o espaço tenha sido absolutamente desproporcional. Algumas escassas linhas para o Ministro e paginas e mais páginas defendendo a posição da revista… Zé da Silva Brasileiro, bancário aposentado, BH, comentou no Observatório da Imprensa.

  7. Ótima reflexão sobre o assunto, Jorge Fernando. Eu, como espectadora e adoradora de jornalismo competente devo confessar que estou cansada de mudar os canais a fim de encontrar algo novo, uma notícia realmente interessante, acabo vendo sempre a mesma coisa. Os jornais não conseguem uma essência homogênea; enquanto uns possuem uma infinidade de superficialidades, os outros são complexados demais para o entendimento de grande parte dos leitores. É necessário que a mudança surja com a novidade. Os novos jornalistas não devem se acomodar ao que encontram pronto em livros, redações e tudo mais. Seria muita pretensão e rebeldia falar em revolução, mas sim uma releitura caberia muito bem ao jornalismo que vemos em todos os locais: jornal, televisão, rádio, internet. O que me resta é torcer para que as mudanças não tardem a acontecer. Jéssica Caroline, estudante em Salvador, comentou no Observatório da Imprensa.

  8. Não seriam todos esses argumentos, listados desde o segundo parágrafo e culminando na conclusão de que a maioria dos repórteres se viciou em um caminho superficial, que os editores e chefes de redação não sabem como noticiar e de que tantos profissionais formados praticam um mau jornalismo, o indício de que talvez a decisão do STF possa trazer uma mudança positiva a um cenário já bastante desacreditado? Ronan Nascimento, estudante em Brasília, comentou no Observatório da Imprensa.

  9. A questão é só como criticar o poderoso se o poderoso é o meu patrão? Tá complicado isso. Qual o jornal ou emissora que vai dar uma notícia contra si? Nós aqui falamos muito de jornais impressos mas a televisão está um lixo, dá pena imaginar que a maioria da população está obrigada a assistir aquilo. QQ reclamação que se faça é censura. Não sei se editores e chefes de redação possam fazer muita coisa. Enquanto essas concessões não forem revistas e enquadradas,continuaremos chovendo no molhado e contando mesmo só com a Web. Cristiana Castro, advogada no Rio de Janeiro, comentou no Observatório da Imprensa

  10. Vasto e belíssimo painel você teceu do Caiçara. Como sempre você brilhou. Agradeço a referência feita a mim (página 77). Que beleza o lirismo de “Sonhos de um Cachorro”. Um grande abraço do Mallet

  11. Pois é, Jorge, hoje o jornal, amanhã o livro… Em breve não haverá lugar para quem escreve da maneira como a gente aprendeu. Você pelo menos já migrou para o blog e está mais perto de se tornar um e-autor… Abs. do Lino

  12. Oi, Jorge, só agora posso ler com calma seu artigo sobre a agonia do jornal impresso. Você, como sempre, acerta na mosca. Bate no ponto! O fato é que esta e outras mortes contemporâneas já vinham sendo anunciadas, alto e bom tom, há várias décadas. Desde o nosso tempo de Universidade, quando esta tinha peso na estrutura da sociedade, como uma das matrizes do conhecimento, da crítica e da resistência sócio-econômica e político-cultural. As universidades ainda não eram supermercados de venda de diploma (falso ou não), passarela de desfile de moda, pontos de garotas de programa, de venda de drogas nem os cinemas haviam se transformado em igrejas de todos os quilates. A morte da ética, da política, da ciência, do direito inalienável à liberdade, da dignidade foram as primeiras a acontecer. E a sociedade e a “minoria poderosa” e mais uma meia dúzia de gatos-pingados que usufruuem dos restos do banquete, continuram felizes… não viram nem queriam ver a catástrofe que se enunciava. A morte do gosto estético foi outra fúnebre companheira dos tempos pós-modernos. A morte. E tem a morte da alegria. Da natureza. E por que não, a morte do amor. No meio a tantas mortes, visíveis e invisíveis, reinam absolutas as mortes da razão e da esperança. Daí que neste cemitério de soldados fantasmas, de guerreiros sem armaduras, de corpos sem alma, toda e qualquer morte que venha a acontecer é espetacularizada, seja a de um menino de rua, de um idoso na fila do INSS, seja um ídolo da música Pop. A morte está presente, faz parte, caminha ao nosso lado e nem nos damos conta mais de como vc me disse em e-mail recente, comentando um poema que lhe mandei, estamos todos mortos. Haja vista a figura do repórter. Este morreu já no início dos anos 80, apesar de todos os esforços para não ser enterrado. No meio de tantos estragos e de tantas mortes presentes e ainda por vir, restam os artistas, poetas, músicos, bailarinos, romancistas, artistas circenses, atores, cineastas (APESAR DE JÁ TEREM ANUNCIADO TAMBÉM A MORTE DA ARTE)… e toda a sorte de gente (ambientalistas, filósofos) – que por olharem um pouco mais longe e mais fundo do que o próprio poder, o próprio prazer, o próprio umbigo, enfim – que se nega a compactuar com a morte estrutural da vida e do
    planeta. Este é o mundo que temos. Esta é a cidade por onde ainda tentamos andar de cabeça erguida. Quanto ao jornal impresso, ao jornalismo em seus diversos gêneros… bem, seria bom que não morresse e que pudesse, pelo menos, ajudar a contar a história do tempo em que a morte do espírito humano sobrevoou invencível sobre nossas cabeças. Um abraço solidário do amigo João Evangelista

  13. eduardo pinto coelho

    Caro amigo e parceiro,
    concordo plenamente com você. O Estado de Minas aqui em casa além de servir para saber horários de cinemas e alguns shows,tem sua grande utilidade em servir de fôrro para o lugar onde nossa cadelinha caga e mija!
    Abraço, PC

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