Jorge Fernando dos Santos

Elis & Tom, o amor venceu

O disco de Tom e Elis se tornaria um dos mais importantes já produzidos no Brasil, talvez no mundo

Em cartaz em vários cinemas do país, o documentário Elis & Tom – Só tinha que ser com você pode ser considerado um dos filmes mais emocionantes já produzidos sobre a MPB. Com direção de Roberto de Oliveira, que assina o roteiro em parceria com Nelson Motta, a película mostra e comenta os bastidores da gravação do épico álbum lançado em 1974, pelo selo Philipis.

No final de 1973, o presidente da Phonogram, André Midani (o homem mais poderoso da indústria fonográfica no país), resolveu presentear Elis Regina pelo seu décimo ano de contrato com a empresa. A ideia não poderia ser melhor: a produção de um LP com a participação de ninguém menos que Tom Jobim, um dos compositores mais festejados do planeta e único escolhido por Frank Sinatra para gravar um álbum exclusivo.

O resultado, obviamente, ficou acima das expectativas. Elis & Tom se tornaria um dos discos mais importantes já produzidos no Brasil, talvez no mundo.  Basta dizer que o carro chefe é a gravação definitiva do clássico Águas de Março, que em 2011 seria apontado por uma comissão de 250 críticos como a música mais importante já feita no país. Antes disso, o crítico americano Leonard Feather já a havia considerado “uma das músicas mais bonitas do século” XX.

Entre tapas e beijos

Como diz o ditado, quem vê cara não vê coração. Se o resultado do encontro entre Tom e Elis foi o disco que se tornaria um clássico da fonografia universal, nos bastidores da gravação o pau quebrou entre os protagonistas do projeto. O personagem mais sofrido dessa história seria César Camargo Mariano, marido e pianista da cantora. Quando soube que seria ele o responsável pelos arranjos da bolacha, Jobim reagiu de forma nada confortável.

O documentário mostra os momentos de tensão vividos desde o primeiro encontro com o “maestro soberano”, assim que a trupe chegou em seu apartamento, em Los Angeles. Ao ser informado pelo parceiro e produtor associado do projeto Aloysio de Oliveira que Mariano escreveria os arranjos, Tom ficou arrepiado e pediu à esposa Teresa que ligasse para Claus Ogerman. Como ela não conseguiu localizar o maestro, ele sugeriu outros nomes, mas, no final das contas, teve que engolir o jovem tecladista com bigode, piano elétrico e tudo. 

Segundo o próprio Mariano, o ambiente no estúdio foi de muita apreensão, com Tom fazendo ironias o tempo todo e Elis roendo as unhas de nervosismo. O curioso, embora o filme não conte, é que ela e o marido já tinham cogitado gravar um disco só com músicas dele. Portanto, o presente de Midani não poderia ter sido melhor.

O problema é que o autor do repertório parecia querer se apropriar do projeto. Além disso, ele não confiava na capacidade de Mariano e dos jovens músicos da banda de Elis, formada por Hélio Delmiro (guitarra), Luiz Alves (Baixo) e Paulo Braga (bateria), além do violonista Oscar Castro Neves. Curioso é que, tempos depois, Braga (que iniciou a carreira no Berimbau Trio, em BH, ao lado de Milton Nascimento e Wagner Tiso) se tornaria integrante da sua Banda Nova.

Engenheiro premiado

O mês era janeiro, chovia muito em Los Angeles e o pessoal do estúdio escolhido estava de férias. Permaneciam no local apenas uma recepcionista e um engenheiro de som ainda iniciante, chamado Humberto Gatica. O fato dele ser chileno facilitaria a comunicação com o arranjador e os músicos. De certa forma, o destino contribuiu para que o projeto caísse em boas mãos.

Naquele tempo, ninguém poderia supor que o jovem Gatica se tornaria ganhador de nada menos que 17 Grammys ao longo de sua festejada carreira, ao lado dos maiores nomes da música internacional. Seu trabalho técnico obviamente contribuiu muito para a qualidade do disco Elis & Tom. No final de tudo, para a felicidade geral de todos, o amor venceu.

Toda essa história é contada no filme por várias testemunhas, entre elas André Midani, Roberto Menescal, Beth Jobim (filha de Tom com Teresa), João Marcelo (filho de Elis com Ronaldo Bôscoli), Paulo Braga, Mariano, Gatica, Hélio Delmiro, Nelson Motta e o próprio diretor, Roberto de Carvalho – que na época era empresário de Elis. O documentário é simplesmente maravilhoso! Uma viagem no tempo, capaz de arrancar lágrimas e risos dos fãs da melhor música já produzida no país.

12 comentários em “Elis & Tom, o amor venceu”

  1. Augusto Carlos Duarte

    Uma das vozes femininas mais “poderosas” e incisivas da MPB, cuja dona implicara com guitarras elétricas. E não foi muito “amena” ao fazê-lo.
    De repente, a mesma Elis, que tornar-se-ia uma das grandes descobridoras de talentos (coube a ela e a Agostinho dos Santos inscrever um tal de Milton Nascimento num festival), resolve encantar-se com teclados elétricos. E um tecladista idem.
    Eĺis também rodou a baiana, quando a roqueira Rita Lee foi presa.
    Ou seja: era uma turbulência de emoções.
    Compreendo Jobim.
    Importa que o projeto não foi abortado (verbo em evidência em nossos dias).
    Documentário a se ver com toda atenção.
    Não o vi, mas, levando-se em conta o que tem povoado a noite (tenebrosa) do Oscar, sério candidato a Melhor Documentário.

  2. Wander Conceição

    Brilhante como sempre meu amigo Jorge Fernando. Aliás, Clauss Ogerman ficou como um consenso entre Jobim e Frank Sinatra para produzir os arranjos do disco que o cantor norte americano gravou com as músicas de Tom, que exigiu apenas que o baterista fosse brasileiro!

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