Matéria publicada no Comunique-se de sexta-feira, dia 11, destacou uma reportagem da revista The Economist, intitulada “A sobrevivência da tinta”, sobre a boa performance dos jornais impressos. Ao contrário das previsões catastróficas de 2009, a reportagem mostra um cenário favorável à recuperação dos títulos norte-americanos e registra lucros recordes na Alemanha, além do crescimento da circulação no Brasil.
A revista afirma que “a crescente classe média do Brasil gosta dos jornais baratos, que exploram os assassinatos e biquínis”. Eis o X da questão: a classe média brasileira não está em franco crescimento. De fato, as condições econômicas do país após o Plano Real permitiram a gradativa inclusão das classes C e D no mercado de consumo, com pequena melhoria de renda e facilidades de crédito. No entanto, a conta desse milagre tem sido paga justamente pela classe média.
Os tablóides sensacionalistas geralmente são consumidos não pela classe média, mas por pessoas das classes C e D, que antes não tinham dinheiro para comprar jornais e que ainda apresentam uma baixa formação escolar. Daí o sucesso das publicações baratas, com matérias rasas e enxutas que podem ser folheadas numa viagem de ônibus ou metrô. Mas se esse é o modelo vencedor da mídia impressa brasileira, isso significa que o jornalismo nacional vai de mal a pior.
O Brasil tem características particulares que devem ser levadas em conta nesse tipo de análise. Como bem lembrou a senadora Marina Silva, no discurso de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, na quinta-feira, dia 10, cerca de 18% dos jovens brasileiros ainda são analfabetos. Isso sem levar em conta aqueles que passam pela escola sem que a escola passe por eles. São os analfabetos funcionais, que têm dificuldade até para escrever o próprio nome. Os tablóides sensacionalistas quase sempre são mal feitos. Apresentam erros de português e informações pela metade, que a clientela despreparada nem percebe.
Estatísticas apontam que o ensino básico brasileiro é um dos piores do mundo, gerando uma crescente massa de analfabetos funcionais. Em vez de reformar o ensino básico e oferecer uma escola pública e gratuita de qualidade para todos, o governo optou pelas cotas na universidade. Em outras palavras, nossas autoridades preferem remendar o telhado que reforçar o alicerce da casa. As cotas são importantes para remediar as desigualdades, mas é preciso bem mais que isso. Sem uma base sólida de conhecimento os futuros formandos terão sérias dificuldades para sobreviver num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Essa é a dura realidade que poucos conseguem enxergar.
O hábito da leitura no Brasil sempre deixou a desejar, mesmo em comparação com outros países emergentes. Isso reflete diretamente no baixo consumo de livros, jornais e revistas. Os editores, no entanto, nunca cogitaram fazer uma cruzada nacional em prol da alfabetização e pela melhoria da educação no país. Crianças e jovens são subestimados, tratados como cidadãos de segunda classe. Haja vista a falta de espaço nos jornais para divulgar a boa literatura infantojuvenil, importante aliada na formação de leitores. Vale lembrar Monteiro Lobato: “um país se faz com homens e livros”. A mensagem é mais simples do que parece. Sem o hábito da leitura não há jornal que se sustente.
O mais grave é que os grandes jornais estão diminuindo o conteúdo das informações impressas. A cada reforma gráfica, encolhem o texto, aumentam os espaços em branco, o tamanho das fotos e dos infográficos na ilusão de atrair um novo cliente. O problema é que esse tipo de “leitor” prefere a informação rasa e instantânea da televisão ou dos tablóides sensacionalistas, pois sem o hábito da leitura fica difícil pensar.
Outros têm ao seu alcance os blogs e sites especializados, com a publicação cada vez mais veloz da notícia. Basta lembrar que a morte de Michael Jackson foi anunciada por um site pouco conhecido, muito antes que a grande imprensa ficasse sabendo. Em vez de analisar os fatos e dar voz aos diferentes setores da sociedade, com plena liberdade de opinião, os grandes jornais evitam polêmicas e se limitam a publicar notícias velhas e pasteurizadas. A manchete de hoje foi destaque ontem na TV, no rádio, nos blogs, no Twitter. A não ser quando se trata de um furo ou de reportagem especial, o diferencial do veículo impresso seria justamente a repercussão e a análise da notícia por especialistas no assunto.
A verdade é que, quanto mais tentam imitar os novos meios, mais os jornais impressos perdem leitores fiéis e alinham o conteúdo por baixo. É como se publicassem notícias para quem não gosta de ler. Isso talvez explique o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo decretado há um ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para fazer esse tipo de trabalho, não é preciso formação nenhuma. Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios.
* Artigo publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br, em 15/6/2010.
“Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios.” Desde sempre patrões e jornais seguem a lógica do balcão de negócios. – Ronald Bittencourt, analista de sistemas, Curitiba, comentou no Observatório da Imprensa.
Acredito que o articulista está equivocado, uma vez que é natural que os jornais percam leitores para a internet, que é uma plataforma diferente e muito mais atraente, principalmente para os jovens. Ora, se até a poderosa TV,com som e imagem em movimento, está perdendo audiência para a web, imagina os jornais. Na verdade, ninguém sabe o que o futuro reserva para a mídia impressa. O que sei é que ainda há muitos leitores de jornais no mundo e no Brasil. – Robert Pedrosa, jornalista em Teresina, comentou no Observatório da Imprensa.
Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios. Muito boa análise, mermão! – Cunha de Leiradella
Prezado Jorge,
parabéns pelo artigo. Você acerta a causa primária do problema: educação básica. Todas as outras são secundárias.
Eu somaria mais uma causa secundária, que deve acontecer com mais gente pois acontece comigo.
Agora virei leitor virtual, digital, cibernético. O conteúdo da Folha está disponível pra mim no meu servidor. O do Estado de Minas, naqueles que assinam outro servidor e assim por diante.
Se isso é verdade nos dias de semana, prefiro folhear os jornais quando o tempo não é tão urgente, como nos finais de semana.
Me preocupa muito também o desvalor dado aos jornalistas, como vc comentou. Acrescento que é preocupante que jornalistas como você e outros, como a Clara Arreguy, com interesse e conhecimento da área cultural estejam fora dos grandes jornais.
Um grande abraço,
Jair Raso
Enquanto servidor público, economista e sociólogo, muito tenho a aprender sobre mídia, jornalismo e que tais. Acredito que cresço muito acessando a página do OI. Todavia, devo chamar a atenção do articulista de que ele deve levar em consideração as metodologias de IPEA, ou outra instituição de credibilidade a repseito do quê é classe média no Brasil. Infelizmente, muitas vezes a classe média-alta brasileira acha que é representante precisa do quê seja classe média, não se dando conta de sua ótima condição social. Encontram-se no mesmo extrato social a classe média alemã ou a inglesa. Aliás, são esses alemães ou ingleses que lêem o Die Zeit, ou o The Times. Assim, louvo o comentarista abaixo, identificando uma tão introjetada miopia social de apontar para baixo a razão da falta de cultura. Enquanto isso, os “de cima” corrompem gurdas de trânsito, avançam sinal amarelo, não respeitam as regras estabelecidas e lêem “a boa mídia”. O quê seria isso mesmo? Eu não saberia responder. – Maurício Fleury Curado, Brasília, comentou no Observatório da Imprensa.
Prezado amigo Jorge Fernando,
Você tocou num tema que, infelizmente, poucos profissionais da comunicação estão preocupado em debater. Seus argumentos são verdadeiros. Abraços
José Luiz
A pressão das mídias digitais sobre as impressas é real e crescente. Contudo, o processo de migração de leitores e de publicidade de um meio para outro não é tão linear quanto imaginamos. E também há os aspectos regionais, culturais e de renda envolvidos nessa revolução que guilhotinará o prelo. Não será de um dia para o outro, mas será. A discussão que Jorge abre é interessante: jornal é jornal, internet é internet. Qual é o novo papel do papel? Eis a questão. Aprofundar, analisar e criticar.
Concordo sobre o equívoco dos grandes jornais, que não têm feito mais que imitar a internet – em forma e conteúdo. Não interpretam os fatos, apenas repetem a mesma fórmula declarativa e apressada. As manchetes são iguais. Boa parte das coberturas e análises bacanas se encontra em blogs e sites, não nos velhos jornais. Assim, por um lado acho positiva essa perda de autoridade da palavra impressa. A internet oferece de tudo — do melhor e do pior –, mas se você souber cavar um pouquinho não precisa mais depender da tinta pra se informar. Uma contra-tendência vem de pesos-pesados como Times inglês, que decidiu acabar com o serviço gratuito na web. Vai perder cerca de 80% dos leitores que tinha lá, mas vai garantir a assinatura dos restantes, e quem sabe outros jornais farão o mesmo. Abraço!
Há quem acredite que o jornalão eclético convencional tem a superar o insuperável, que é o custo cada vez mais alto, a receita inversamente proporlcional. As novas mídias abocanham fatias importantes da publicidade e, sobre isso, nem New York Times nem qualquer outro grande jornal pode fazer nada. Até a ecologia conspira contra: nos tempos que correm, não dá pra derrubar tanta árvore para fazer papel destinado a tanto jornal ruim. Ainda bem que as novas mídias também dão curso às correntes de opinião e, em meio ao caos da rede eletrônica, ninguém é dono da verdade. Meno male.
Acho interessante (engraçado) essa história de que o público quer ver sangue e ser superficialmente informada: creio ser uma deslavada mentira. Toda vez que o público foi correta e suficientemente informado resultou em uma sociedade melhor e mais justa. A notícia rasa, incompleta e insuficiente só interessa a quem quer vender e não a quem quer informar. O crescimento dos tablóides nada mais é que a procura de um povo por informação; somos um povo ávido por informação, infelizmente só recebemos a informação rasa, incomp´leta e insuficiente, é isso que temos, porque é isso que se nos oferecem. Não é o público que escreve os jornais, não é o público quem elabora as reportagens, colocar a culpa no público é de uma desonestidade sem conta. Tenho sempre em mente duas frases: 1) as vezes a única notícia verdadeira num jornal é a data; 2) A VERDADE VOS LIBERTARÁ. – Luiz Alberto da Silva, advogado em Goiânia, comentou no Observatório da Imprensa.
Resta separar os alhos dos bugalhos. A impressão que eu tenho, pelo menos em Minas Gerais, é que os jornais tradicionais estão realmente muito decadentes. Se crescimento houve, esse crescimento está localizado nos jornais de 25 ou 50 centavos. É muito comum você entrar em táxis e encontrar cinco ou mais exemplares da mesma data adquiridos por força de brindes ou promoções. Já sexagenário, eu não acredito que a nossa geração será testemunha do desaparecimento dos impressos. Uns poucos deverão sobreviver mas deverão provar, a cada edição, que centenas de árvores não foram sacrificadas inutilmente e transformadas em bobagens impressas. As novas gerações, felizmente, estão migrando em massa para o universo plural, desafiador e mágico da internet e se tornando cada vez mais críticas e exigentes em relação aos impressos. Alvíssaras! – Zé da Silva Brasileiro, comentou no Observatório da Imprensa.