Jorge Fernando dos Santos

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O porco leva a fama

influenza norte-americana, nome correto segundo a OMS para a gripe suína, demonstra a fragilidade do sistema de saúde pública no mundo globalizado. A desigualdade de condições de vida entre os países de Primeiro e Terceiro Mundo é a principal causa dos riscos de uma pandemia de proporções catastróficas.

Vale lembrar que em plena Idade Média quase um terço da população da Europa sucumbiu à peste bubônica, apelidada de peste negra. Naquele tempo as distâncias entre vilas e cidades eram bem maiores que hoje. Com as facilidades de transporte e o aumento do intercâmbio comercial, sem falar na superpopulação das grandes metrópoles, as possibilidades de propagação de doenças, como a gripe espanhola ocorrida no início do século passado, tornam-se bem maiores.

O curioso é que, no Brasil, morrem milhares de pessoas todos os anos, vítimas de dengue, febre amarela, subnutrição, bala perdida e acidentes automobilísticos. Enquanto a mortandade permanece nos grotões e nas favelas, as autoridades nem se abalam. O problema da nova gripe é que ela desembarca nos aeroportos internacionais, frequentados principalmente por pessoas ricas e de classe média, formadoras de opinião. Se a doença chegasse de ônibus ou a bordo de um pau-de-arara, certamente não haveria motivos para pânico.

Enquanto isso, na África, a Aids avança a cada dia, vitimando principalmente mulheres e crianças. O continente que sempre foi explorado pelos países ricos e imperialistas paga o preço da omissão internacional. Afinal, quem se importa com a morte de um bando de negros e pobres do Terceiro Mundo?

Tão grave quanto o risco de uma pandemia é, na verdade, a desinformação. A gripe que agora ameaça o mundo tem muito pouco de suína e provavelmente evoluiu da chamada gripe aviária, que recentemente vitimou mais de 1 mil pessoas em vários países, principalmente na Ásia. Também naquele continente as condições de vida da maioria das populações são precárias e oferecem todas as condições para o surgimento de epidemias de todo tipo.

Os organismos internacionais e os governos de países em desenvolvimento deveriam instituir políticas públicas de controle da natalidade e de melhoria nas condições sanitárias da população. Afinal, em grandes metrópoles como São Paulo, Cidade do México ou Bombaim, pessoas pobres ou miseráveis vivem amontoadas, disputando espaço com ratos e baratas.

Boa parte dos problemas enfrentados pela humanidade resulta da superpopulação, concentração demográfica, ignorância e desigualdade social. Tanto é verdade que a gripe aviária e a nova epidemia que ameaça o mundo se originaram em regiões densamente habitadas, onde as condições de vida são as piores possíveis.

Contudo, em vez de espalhar o pânico, como vem ocorrendo nesses dias, os órgãos de imprensa deveriam alertar e orientar as pessoas, sobretudo as mais humildes, sobre como se precaver. Duas coisas chamam especialmente a atenção no momento. Os sintomas da nova gripe têm semelhança com a dengue e o resfriado comum. Afinal, como distinguir uma coisa da outra? Por outro lado, o nome gripe suína parece impróprio e já começa a causar prejuízos aos produtores e comerciantes de carne de porco. Com isso, um importante setor da economia mundial – já fragilizada pela crise – corre o risco de amargar sérios prejuízos e contribuir para o aumento do desemprego em vários países. 

No Brasil, enquanto o governo tenta tranquilizar a população – como se uma epidemia internacional de gripe pudesse ser apenas mais uma “marolinha” – a imprensa se limita a repetir informações, pouco acrescentando ao que já se sabe sobre os recentes casos de contaminação ocorridos principalmente no México e nos Estados Unidos. Em vez de gripe suína, a nova doença poderia se chamar gripe Obama, pois coincide com o centésimo dia de governo do simpático novo morador da Casa Branca. 

 * Publicado no Diário do Comércio e no site Observatório da Imprensa, em 05/05/2009.

 

4 comentários em “O porco leva a fama”

  1. A despeito do notório desinteresse das autoridades pelas mazelas que atingem exclusivamente os socialmente desfavorecidos, vale dizer que o aumento dos casos de AIDS na África cresce num ritmo bem menor do que antes.

    No mais, não importa o canal de entrada da ameaça. Quando os muros das mansões ou a blindagem dos carros deixam de ser suficientes para garantir a segurança dos figurões, a coisa muda de figura…

    Um abraço.

  2. Boa polêmia, Jorge Fernando!

    Penso que é, mais do que nunca, necessário discutir as relações entre produção de ciência e de tecnologia e as demandas de saúde pública.

    Um abraço.

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