Jorge Fernando dos Santos

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O Nobel de Bob Dylan

A mais nova polêmica nos meios literários é o Prêmio Nobel de Literatura concedido ao compositor americano Bob Dylan. Para início de conversa, devo dizer que sou fã do laureado, mas definitivamente acho a premiação equivocada. Mesmo influenciado pelos grandes nomes da beat generation, Dylan é músico e não poeta.

O saudoso Fernando Brant dizia que poesia é poesia e letra de música é letra de música. Chico Buarque diz a mesma coisa. Para ele, a letra funciona muito bem junto com a melodia. No seu caso, na maioria das vezes, nascem juntas. Como escritor e compositor, concordo plenamente.

A poesia traz em si um ritmo que resulta dos versos e das rimas, enquanto a letra musical carece das notas e se mostra incompleta fora da pauta. Em outras palavras, como escrevi na composição “Um sonho de valsa” – parceria com Valter Braga gravada por Lígia Jacques (voz) e Tabajara Belo (violão) –, “a letra é a luva que agasalha a melodia”. A melodia funciona sem ela e o contrário raramente acontece.

Mas há controvérsias. O genial letrista e poeta Paulo César Pinheiro, por exemplo, me disse uma vez que se as letras do Chico não forem poesia, então fica difícil saber o que são. E há aqueles que lembram o fato de música e literatura terem tido a mesma origem, na antiguidade. Pães e opiniães!

 

Grande repercussão

 

Ao justificar a premiação de Bob Dylan, a secretária da Academia de Estocolmo, Sara Daniues, afirmou que o Nobel lhe foi concedido “por ele ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição norte-americana da música”. Mas o prêmio não é de música e sim de literatura. Eis a questão!

Por esse critério, o Nobel poderia ter sido dado ao próprio Chico Buarque, que além de escritor foi desde sempre um dos maiores compositores do nosso tempo. Mesmo não compondo em inglês, ele teve letras versadas, entre elas “Sabiá”, parceria com Tom Jobim gravada por Frank Sinatra.

Pela justificativa de Estocolmo, Jobim também poderia ter merecido o Nobel quando vivo e no auge da carreira. Mais que Bob Dylan, ele inovou a canção universal como um dos pais da Bossa Nova, movimento que influenciou cantores e compositores em todo o mundo, principalmente nos EUA.

Tom foi colocado no mesmo hall de Cole Porter e George Gershwin. Chegou a ser o segundo compositor estrangeiro mais tocado na América, atrás apenas dos Beatles. E mais: era um grande letrista em português e inglês. Sua antológica “Águas de março” foi considerada pelo crítico Leonard Feather uma das dez melhores canções de todos os tempos.

De duas uma: ou a Academia criou a polêmica para dar ao Nobel uma repercussão como há muito não si via ou quis dizer, nas entrelinhas, que a literatura mundial vai mal. A premiação é tão controversa que o próprio Dylan parece não estar nem aí para ela.

Por outro lado, se a intenção de Estocolmo era prestigiar um autor americano, nomes não faltariam. Basta lembrar o excepcional Cormac McCarthy, herdeiro da tradição romanesca de Mark Twain, Ernest Hemingway e William Faulkner.

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