Jorge Fernando dos Santos

Luminosos na cidade

Cena da Times Square, em Manhattan, Nova York, com seus enormes anúncios coloridos

“Ao contrário das grandes metrópoles pelo mundo afora, Belo Horizonte tem poucos anúncios luminosos. Deve ser por isso que ela parece triste depois que anoitece”. A fala do meu personagem Ramon, no romance Condomínio Solidão (Caravana, 2021), parece ter sido ouvida pela Câmara Municipal, que acaba de liberar a colocação de luminosos no Centro da cidade.

O tema é polêmico e por isso merece discussão. Aqueles que resistem à ideia alegam que os anúncios vão poluir o visual urbano e esconder as fachadas de construções históricas. Em primeiro lugar, a cidade já está exageradamente poluída pelas pichações de vândalos hoje considerados “artistas” por alguns defensores da “liberdade de expressão”. Em segundo, para evitar o comprometimento do patrimônio arquitetônico, basta que a PBH proíba luminosos em edifícios tombados.

Cidades como Tóquio, Londres e Nova York, com seus enormes anúncios luminosos, permanecem movimentadas noite adentro justamente por não parecerem desertas e assombradas, como acontece com BH depois de certa hora. Quem transita pelo Centrão tarde da noite (ou mesmo à luz do dia, em alguns casos) corre sérios riscos de ser assaltado ou sofrer coisa pior. Ruas sujas e desertas, iluminação precária e a falta de policiamento são a nossa dura realidade cotidiana.

Situação de rua

Dois anos atrás, tentei assistir a uma apresentação musical no Museu de Artes e Ofícios, na Praça Ruy Barbosa. Ao tentar estacionar o carro, minha companheira e eu nos deparamos com um acampamento de moradores de rua (melhor dizendo, “em situação de rua”, como dita a hipocrisia politicamente correta). O lugar era escuro e não havia nenhum guarda à vista. Na dúvida, desistimos do show.  Em todo canto é a mesma cena, sem falar no assédio dos implacáveis flanelinhas.

A fixação de anúncios luminosos certamente não diminuirão os riscos quanto à segurança pública, mas fato é que a cidade ficará mais clara e colorida, podendo os condomínios residenciais obter recursos para pintar suas fachadas e reduzir o valor cobrado dos condôminos. Afinal de contas, a PBH parece nunca ter se preocupado em incentivar o embelezamento da cidade, oferecendo descontos no IPTU àqueles que mantiverem seus imóveis devidamente limpos e pintados.

Sou do tempo em que o Centrão era repleto de vitrines que se iluminavam à noite, sem correr o risco de serem arrombadas ou vandalizadas pelos vagabundos de plantão. Com o advento dos shoppings, o comércio central começou a migrar, deixando muitos imóveis abandonados. Com o aumento da violência urbana, os comerciantes persistentes passaram a lacrar as vitrines e a manter as luzes apagadas.

Consulta popular

Há que se discutir o assunto democraticamente, quem sabe até mesmo propondo uma consulta popular por meio de plebiscito. Contudo, reagir à ideia por mero preconceito anticapitalista, do tipo “diga não à Time Square”, só reflete o atraso e a visão provinciana de uma cidade que nasceu na prancheta e cujo patrimônio histórico vem sendo dilapidado há décadas pela especulação imobiliária.

Edificações suntuosas, como a antiga sede dos Correios (que deu lugar ao Conjunto Sulacap), o Grande Hotel (onde se construiu o Edifício Maletta) e o prédio da Feira Permanente de Amostras (substituído pela Estação Rodoviária) foram derrubadas do dia para a noite, sem que os defensores do patrimônio se dessem conta. Pouco a pouco, imóveis antigos deram lugar a edificações de arquitetura duvidosa, verdadeiros caixotes de vidro e concreto que de fato poluem a paisagem urbana.

A “última flor do lácio” foi o prédio onde funcionou a Panificadora Savassi, no coração do bairro de mesmo nome. Quando soube do risco de tal ocorrência, tentei mobilizar os poderes públicos. O gabinete do então presidente da Câmara, vereador Gabriel Azevedo, informou que o prédio não era tombado e não havia muito o que fazer. Felizmente, a Construtora Concreto, hoje dona do terreno, tem um projeto de edificação para o local que inclui um memorial da região, cuja história registrei no livro “A Turma da Savassi” (Miguilim, 2019). Aguardemos! Dos males, o menor.

9 comentários em “Luminosos na cidade”

  1. Não vejo problema nos luminosos, se houver critérios claros e fiscalização para não descaracterizar prédios tombados. A luta contra a poluição visual acabou se limitando a normatização do uso de placas comerciais, mas nada foi feito para valorizar a arquitetura dos prédios protegidos como, por exemplo, uma iluminação criativa. As luzes e cores dos luminosos fariam muito bem ao centro da nossa cidade, sobretudo à noite.

  2. Belo Horizonte já perdeu seu horizonte tampado pela selva de pedra , agora perde sua beleza pelo descuido e desinteresse dos governantes. Qualquer iniciativa é importante para chamar a atenção para esse problema.
    O artigo é uma ótima colaboração para resolver esse problema.

  3. Wander Conceição

    Jorge meu querido! Discussão complexa né, exatamente porque a carga de provincianismo que nós mineiros carregamos é muito grande! Grande abraço

  4. Jorginho,
    Tenho a impressão de que essa querência de transformar BH numa NY não vai vingar, tal o protesto dos moradores da Capital. Como você disse na sua crônica sobre os prédios históricos que perdemos, a situação agora é outra; o mineiro não vai permitir em ver o cine Brasil, o Banco da Lavoura e demais prédios históricos ficarem escondidos atrás de painéis de LED. Se for preciso o povo vai lá e quebra um por um. Ademais, a praça sete é muito bem iluminada, se está acontecendo assaltos, o que tá faltando é polícia.
    Abraços do Mauro

  5. Concordo com sua visão, plena de amor pela cidade, meu caro. E vendo uma edificação com tanta história e importância (felizmente imortalizada por você em obra essencial a toda boa biblioteca), como o local onde funcionou a Padaria da Savassi, ceder a uma edificação “mais moderna e funcional”.
    Estamos envelhecendo, meu caro! Pouco tempo atrás, um empreendimento imobiliário como este não seria pensado sem um painel de Yara Tupinambá, Konstantin Kristoff e nomes de igual monta. Mas…
    No que tange ao cuidado com a cidade onde se vive, minha preocupação – creio eu pertinente, quando se sabe do dinheiro público gasto com a substituição dos “esguichos” da praça da Liberdade (cadê a Guarda Municipal?) – é mais direta: os luminosos resistirão a pedradas, contra eles desferidas, por pura diversão?
    Uma cidade iluminada passa, antes de tudo, por mentes não cultivadas nas trevas.
    Oremos e confiemos!

  6. pra mal dos meus artelhos, saí de belô faz mais de 20 anos. mas também sou do tempo que o centro, e travessas circunvizinhas, explodia luz por tudo quanto era canto com suas vitrines iluminadas. e era por conta delas, é a certeza que ainda tenho, que a gente podia passear sem medo de ser assaltado fosse por quem fosse, e nenhuma das vitrines teve seus vidros quebrados.
    e digo, e redigo. a belô dos meus encantos ainda é a das vitrines explodindo luz por tudo quanto era canto!

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