Quando nasci, fui batizado com o nome composto para evitar possíveis homônimos. Meu pai sofria o constrangimento de ter uma fileira de homônimos inadimplentes e não queria que eu passasse por isso. Meu avô, por sua vez, estava sempre tendo que provar não ser devedor de coisa alguma, já que seu nome também não era composto e não lhe faltavam homônimos desonestos.
Quando há cerca de 40 anos eu estreava na imprensa mineira, já com a pretensão de me tornar escritor, resolvi assinar apenas os dois primeiros nomes. Afinal de contas, meu sobrenome de família não dizia nada aos empoados leitores da tradicional família mineira daquela época.
Santos, aliás, tem suas origens na bastardia de Portugal. Antigamente, quando uma mãe solteira lusitana dava à luz uma criança indesejada, o recém-nascido era depositado na roda de algum convento para que fosse criado pelas freiras. O neném era batizado com o nome do santo ou da santa do dia, tendo a expressão “dos Santos” como sobrenome.
Trocador de ônibus
Para minha surpresa, surgiu na Rede Globo um jovem ator de muito talento chamado Jorge Fernando, que pouco depois se tornaria um importante diretor de novelas. Na mesma época, no seriado Bandidos da falange, sobre as origens do Comando Vermelho, o ator José Mayer incorporou um meliante batizado com o mesmo nome.
A partir daí, resolvi incorporar meu sobrenome de família ao meu nome composto para não ser confundido com aqueles globais. Curiosamente, ou por mera sorte, fiquei por muito tempo livre de homônimos, até que um amigo me surpreendeu dizendo ter lido num jornal de São Paulo que havia um preso no Carandiru chamado exatamente Jorge Fernando dos Santos.
Tempos depois, conheci o romancista fluminense João Felício dos Santos, que me foi apresentado por nosso amigo em comum Cunha de Leiradella. Com seu humor tipicamente carioca, João dizia que tinha nome de trocador de ônibus e que pensava ser muito difícil fazer sucesso com ele. No entanto, consagrou-se como romancista-histórico, autor de clássicos como Ganga Zumba e Xica da Silva.
A dar com o pau
De lá para cá, tendo meu novo amigo como exemplo, abracei orgulhosamente o sobrenome que tenho e passei a assinar meus artigos e livros com ele. Mas como as coisas boas da vida duram pouco, não demorou muito para que os meus homônimos começassem a se multiplicar feito traça em guarda-roupa de pobre.
Hoje, tem Jorge Fernando dos Santos a dar com o pau pra tudo que é lado e em atividades das mais diversas pelo país afora. Tem pastor, advogado, juiz de direito, delegado, influencer, político, bandido, jogador de futebol e até escritor. Isso mesmo, tem um outro cara com o meu nome publicando livros por aí. Espero que tenha talento, pois somente assim me permitirei ser confundido com ele.
Mas o mais espantoso ocorre quando descubro que morri. Certa vez, quando ainda era casado, estava em casa e bateu o telefone. Atendi, e a voz do outro lado engasgou. Era uma conhecida da minha mulher, lingando pra dar os pêsames à viúva. Ela disse que tinha acabado de ouvir no rádio que eu havia sido morto a tiros. Esclareci que não era eu, mas um homônimo também jornalista. Aliás, um publicitário que eu nem conhecia.
Há alguns dias, o fenômeno se repetiu. Li na Internet, estupefato, a nota de falecimento de outro cara com o meu nome, embora com outro sobrenome depois de dos Santos. O mais engraçado – se é que uma nota fúnebre tem algo de engraçado – é que o defunto em questão tinha a minha idade. Aviso aos navegantes: pelo menos por ora, não se trata de mim, mas de mais um homônimo a me dizer que a pior coisa que fiz na vida de escritor e jornalista foi não ter adotado um pseudônimo assim que me formei.
Através da sua crônica acabei de descobrir que há também em minha árvore genealógica quem tivesse colocado seu bebê “na roda de adoção de algum convento” em Portugal! Sempre achei o máximo ser “consagrada” aos “dos Santos”. E, agora, mais do que antes, mais ainda! Imagina se não existisse a “tal roda de adoção”… Certamente não poderia nem rir, me divertir ou comentar este seu ótimo texto!!!
Quanto a homônimos…Graças a minha sogra e minha mãe — cheias de insatisfação com os cortes que desejava reduzir meu nome de casada —, acabei com um nome (gigantesco) que também descobri ser uma questão até real! O que me faz concluir que fui elevada (das rodas dos adotados “pelos Santos”) para um tipo de “principado” que, até agora, também me blindou de ter homônimos (que as tenho enquanto nome de “guerra” profissional: Angela Lopes. Mas quando o de casada é apresentado… NuSinhora dá até para querer acrescentar um “amém” no fim do nome, para indicar o seu final! Kkkkk
E já aconteceu que por colocar em prática esta brincadeira tive que explicar a uma vendedora que “Amem” não fazia parte do sobrenome para ser incluso em seu cadastro! Hahahahaha
É isso! Viva os homônimos que te inspiraram tão simpático escrito! Abração querido!
Ainda bem que meu nome é um pouco diferente do que o normal. Mas mesmo assim existem milhares de Julita por aí
Parabéns pela crônica, “velho” amigo.
Quando criança e mesmo adolescente acreditava que existia no mundo apenas um único Hugo Pontes. O tempo passou e, olha, tem Hugo Pontes até em Portugal…
Os únicos comentários possíveis são os kkkk, ou com mais letras k…
…para não serem homônimos da maldita sigla com 3 letras k…
Parabéns! ( espero que os próximos homônimos não partam deixando contas a pagar…)
Perfeito, Jorge, também trago em meu nome inúmeros homônimos, é quase uma praga não fossem outros Sergios Moreira que são gente boa, bela crônica, parabéns.
Com ou sem homônimo você é único. Este texto não deixa dúvidas quanto ao seu talento e criatividade.
Meu amigo, conheço bem essa confusão.
No dia em que me alistei no exército, haviam 08 Roberto Carlos de Oliveira.
Eu perdi as contas de quantos homônimos tenho.
A questão pode ser espinhosa, em sendo também rosácea. Ora: quem sabe se disser ‘sou o Jorge Fernando dos Santos de Betânia de Durval e outros tais quais’ você a resolverá? E duvido que haja outro de mesma estirpe. E obrigado pela graça perfumada. E um abraço.
Esta crônica é prova (como se necessário o fosse) de que vocè é inconfundível, meu caro! Insuficiente seria todos termos homônimos para aplaudir a verve com a qual alinhava experiência (de vida, ora, pois!) com a qual nem o vivido pelos ancestrais (avô e pai) foi suficiente para poupá-lo. Em que pese as boas intenções.
Hilária!
Digna de uma cadeira na Academia, com a qual passaria a ser imortal, poupando à amiga da ex-esposa o susto telefônico, que, felizmente, não culminou na indesejável “participação reversa” da Indesejável, posto encontrá-lo em plena saúde, voto que reitero aconteça por longos e longos anosm
Texto com o qual se deliciar “homônimas” vezes, pois é impossível lê-lo uma vez só.
As congratulações vão ao Jorge Fernando dos Santos, se não o primeiro, único!
Obrigado, meu caro. Sobre a Academia, nada tenho a oferecer. Até porque, ainda que pese a dita “imortalidade”, a fila por lá tem andado muito depressa pro meu gosto. Kkkk
Muito bom, eu mesmo tendo dois nomes e dois sobre nomes já encontrei alguns homônimos até um delegado de polícia ainda bem , melhor do que homônimo bandido kk.
Não se preocupe, há outros xarás, mas você é único com talento suficiente para brilhar nas letras e na música.
Já passei por isso e fui recomendado a andar com meus documentos para comprovar a paternidade. Um fugitivo de uma penitenciária com o mesmo nome que o meu. Compreendi na hora porque o ladrão de nome foi preso.