
Na semana passada, não bastassem as perplexidades políticas, li numa rede social que pelo menos 100 obras inscritas no concurso literário da Kotter Editorial foram criadas por inteligência artificial. Com certeza, os pretensos autores imaginaram que os jurados e organizadores do certame seriam tão burros quanto eles.
Por preguiça mental ou por total falta de talento, caráter e ética, os espertinhos de plantão acharam que seria fácil driblar as regras do concurso e arrebatar facilmente alguns trocados. Felizmente, foram desmascarados a tempo, e o referido concurso acabou sendo suspenso até segunda ordem.
Esse lamentável episódio me lembrou o curto período em que lecionei Jornalismo na Faculdade Estácio de Sá. Isso foi lá em 2003! Certo dia, perguntei a uma aluna se ela sabia quem foi Carlos Lacerda, o famoso jornalista e ex-governador do antigo Estado da Guanabara.
Tal foi minha surpresa ao constatar que nem ela nem seus colgas sabiam de quem se tratava. Se não me falha a memória, apenas um veterano disse conhecer o polemista da antiga UDN, eterno adversário de Getúlio, Jango e JK. Antes que ele citasse o currículo do personagem, pedi à aluna que pesquisasse sua biografia e escrevesse um artigo para ser lido na próxima aula.
Copiou, colou
Dias depois, quando a moça apresentou o trabalho, elogiei o texto e perguntei onde foi que ela tinha coletado tais informações. Ainda pouco habituado à Internet, fiquei surpreso, quando a beldade confessou ter feito “control C, control V” num determinado site de busca.
Naquele instante, embora a aluna tenha sido honesta ao me responder, descobri que as novas tecnologias poderiam um dia suplantar a inteligência humana. Ao ler sobre o cancelamento do concurso literário da Kotter, percebi que não estava de todo tão errado há exatos 22 anos.
O pior de tudo é saber que o problema não tem solução. Pelo contrário, o uso indiscriminado de IA tende a comprometer cada vez mais a formação profissional e intelectual das novas gerações. Quantos estudantes de Medicina, Psicologia, Direito e outras modalidades de ensino não estarão nesse momento substituindo o ato de aprender e pensar pelas facilidades oferecidas pela tecnologia?
Sem dúvida, quando bem utilizadas, as ferramentas tecnológicas da era digital têm muito a contribuir para o progresso da humanidade. No entanto, a esperteza de alguns e a falta de educação de qualidade da maioria podem colocar em xeque o próprio futuro da espécie. A inteligência artificial é apenas um acessório e não deveria substituir capacidades humanas, como pensar e acumular conhecimento.
Em tempo, vale alertar que a IA não é de todo infalível. Recentemente, perguntei a uma delas qual teria sido o presidente negro do Brasil. A resposta foi João Goulart, quando deveria ser Nilo Peçanha. Na dúvida, como ensinavam os velhos mestres do Jornalismo, melhor conferir mais de uma fonte para não ser induzido ao erro.
Todas experiências que fiz com IA demonstraram enorme ignorância desse expediente tecnológico. Isso pode ser útil em determinadas áreas, mas é totalmente ineficaz na literatura.
Excelente texto, Jorge! Atual e necessária reflexão. Preocupante pensarmos no domínio da IA sobre a educação, cultura e criatividade das futuras gerações. Parabéns!
Sou fã de tecnologia, mas temo muito pelos efeitos que a IA causará na sociedade. Com a naturalização das fake news, os estragos podem ser irreversíveis. Não podemos nos esquecer que 2026 é ano eleitoral!!!
Reza a História ter Santos Dumont suicidado, por desgosto, ao ver que a mais célebre de suas invenções tornara-se uma arma de destruição.
Entre o propósito original e o mau uso, existe uma distância imensurável.
A IA é o “aprimoramento” (?????) do photoshop (basta lembrar quando a jornslista Raquel Sherazade (não confimo ser esta a grafia) apareceu, por manipulação de imagem, em trajes nazistas e “rebatizada” de Raquel Cheiraanazi.
Agora, temos o que outrora ocorria com as imagens chegando também aos textos. Se dizia-se que uma imagem valia mais que mil palavras, há que aposte que mil palavras “artificiais” (artificial é “parente” de artifício, não se levando em conta se lícito, ou ilícito) valham mais que “mil réis”.
Mas bem antes disto, sem a ajuda da tecnologia, já tínhamos os “leitores artificiais”. E não são poucos.
Tudo isso é muito lamentável, Jorge, mas, infelizmente, está acontecendo, sim, em nossos centros de produção de saber e, agora, até em concursos literários, como você demonstra em seu artigo. As tecnologias já vêm, há décadas, se apropriando de nossa memória, uma faculdade que demorou milênios para ser desenvolvida no cérebro humano e que, agora, vem sendo terceirizada para o Google, as IAs e nossos celulares… Agora, pessoas já começam a terceirizar a própria produção intelectual! Onde vamos parar?!
Lamentável é a primeira palavra que vem na minha cabeça!
Não sou de ficar visitando o passado.
Agora no momento deu saudade da lamparina e o teatro de sombra que fazíamos…
Sabemos que para escolha há uma perda e acho que não imaginávamos que seria tão grande na escrita!
pra mim, que sempre fui um zero em matemática e adjacências convergentes/conjuntivas, mas sabendo hoje que a IA é criada pela combinação de algoritmos que nada mais fazem do que copiar e combinar dados, e os expor com a tecnologia, a não ser que a senhorita A e/ou o senhorito B achem que todos os que vão ler seus trabalhos, sejam de estudo, ou de criação, possam ser tão idiotas quanto ela e/ou ele, a caravela cabralina não precisará que lhe soprem as velas pra sair da sargaçada.
tudo que pinta como, ou é de fato novidade, tanto assusta como é sempre mal aproveitado. mas passada a turbulência, e é a história que nos ensina, o que é bom, fica. o que é mau, dança.
ALARMANTE ! O cientista Miguel Nicolelis, assim como o autor alertam para o.perigo da perda do pensamento crítico e criativo.
Segundo o cientista, a IA , não é pensamento, muito menos artificial , pois envolve a atividade humana na sua programação. O cérebro humano é muito mais complexo que a IA , ao tomar decisões que envolvem sensibilidade.
As tecnologias estão cada vez mais inseridas no nosso cotidiano, a ideia seria facilitar a vida de todos, mas, como tudo na vida tem seu ônus e bônus. A preguiça de pensar hoje em dia é preocupante, se as coisas não se ajeitarem, as próximas gerações terão um futuro amargo
Jorge, por incrível que pareça, tenho sentido um ”cheiro” diferente nos textos escritos por IA. No caso de concursos, é fácil descobrir a semelhança entre eles.
Muito bem Jorge,este assunto é bom,é objeto de muita reflexão.Isso induz pessoas a não ter opinião própria,além de cultivar a preguiça,estagnação e na faculdade de pensar.É amedrontador deixar
que máquinas e outras inteligências pensem por nós.Cuidado, inteligência artificial é apenas tecnologia atual e em constante mudança.
Tal com você como você, estou perplexa. Como alguém pode se sentir realizado como escritor se não escreve o que assina?
Olá, Jorge. Sua constatação é justa e alarmante. Eu também já passei por experiência semelhante como professor de jornalismo. Conheço poetas que estão editando livros com poemas feitos através da IA. Para nós, que somos de outra geração, que tinha de estudar muito para conseguir avançar nos curso, isto é um escândalo ético e intelectual. Não sei que tipo de seres humanos e de profissionais teremos no futuro próximo. Só o tempo no dirá. Ou quem sabe a IA poderá nos responder rss?
Tenho dó desta geração e das que estão vindo agora . Vão nascer com cérebros mas por falta de uso vão atrofiar sem nenhuma expectativa de solução . A minha sorte que não vou estar aqui pra ver .
Brilhante Jorge, outro dia li sobre uma banda que tem quinhentas mil visualizações mensais e pasme ela não existe!