Jorge Fernando dos Santos

O trigo nosso de cada dia

O velho era um homem de poucas posses, mas de uma sabedoria de dar inveja em muitos doutores. Certa vez, disse ao neto que não existiam grandes coisas no mundo e sim um punhado de coisas pequenas, que, juntas, formavam coisas grandiosas. Como exemplo disso, mostrou-lhe um pãozinho de sal. Essa conversa ocorreu durante um café-da-manhã, quando o menino passava férias em sua fazenda.
O velho pegou o pãozinho e o partiu ao meio com as mãos, feito Jesus na Santa Ceia. Depois perguntou ao neto o que é que ele estava vendo.
– Vejo duas metades de um mesmo pão, o menino respondeu.
O velho, então, pegou uma das metades e a desfez em migalhas, perguntando:
– E agora?
– Vejo um monte de migalhas, o menino suspirou.
O velho era persistente no seu método e apelou para a curiosidade do neto, dizendo que ele deveria olhar muito além daquelas migalhas, se quisesse compreender a essência das coisas.
Instigado, mas ainda sem entender direito o sentido da conversa, o menino disse que via à sua frente um montinho de farelo de pão.
O velho ficou pensativo e ergueu a sobrancelha direita, formando um ponto de interrogação em cima do olho.
– Farelo!, exclamou. Mas e além do farelo, o que mais você pode ver?
O menino ficou pensativo e só mais tarde compreendeu em parte o que é que o avô queria ensiná-lo.
Quem vê o pão, com certeza não vê o trigo que foi empregado na sua fabricação. Tampouco enxerga as mãos calejadas de quem plantou e colheu esse mesmo trigo, os músculos de quem o ensacou e o colocou no caminhão, ou o esforço do motorista que o transportou até o atacadista, que vendeu ao supermercado, que forneceu à padaria…
Ninguém visualiza no pão o rosto do padeiro, cujo suor ajudou a temperar a mistura da massa. Na verdade, nada é aquilo que parece ser. Um pão não é apenas um pão, mas um punhado de grãos de trigo transmutado em farinha e misturado a outras substâncias.
Para que nasça um pé de trigo, primeiro é necessário que a semente apodreça dentro da terra. Quando chega o verão e o trigal já está maduro, a paisagem brilha feito ouro aos olhos de quem a observa. Da destruição do trigal, surgem os grãos, que precisam ser colhidos e esmagados para dar vez à farinha que, finalmente, será transformada em pão.
Assim, aquele avô ensinava ao neto o respeito às pequenas coisas do mundo, incluindo entre elas os seres humanos destituídos de posse e poder. Afinal, um mendigo nem sempre é tão pobre quanto parece e um homem rico pode não ser tão popular quanto imagina. Quem procura o mendigo gosta da pessoa que se esconde sob a sua pele, mas muitos daqueles que procuram a companhia do homem rico gostam apenas do seu dinheiro.
Toda vez que mastigo um naco de pão, fico imaginando o longo caminho percorrido pelo trigo até chegar à minha mesa. E essa idéia também se aplica a outros produtos, numa lista que não tem fim. Mas o que mais admiro nesse processo é o tamanho relativo das coisas. Afinal, nenhum pedaço de pão é tão grande e saboroso que não tenha nascido de uma semente de trigo apodrecida no coração da terra.
Ao me lembrar daquela conversa entre o avô e o neto durante o café da manhã, tenho a sensação de que tudo não passou de um sonho, mas já nem me lembro qual dos dois eu era naquela ocasião.

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