Jorge Fernando dos Santos

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O suicídio dos grandes jornais

Por que será que os jornais impressos enfrentam dificuldades sem precedentes na história das comunicações? Principalmente no Brasil, o que mais se ouve falar é que a crise desses veículos decorre do avanço das novas mídias. Na tentativa de reverter o quadro, muitos diários acabam perdendo ainda mais leitores e assinantes, não lhes restando outra saída, senão fechar as portas.

O Monitor Campista, órgão dos Diários Associados com 175 anos de história, é um exemplo disso. O jornal sobreviveu durante décadas graças ao contrato de publicação do Diário Oficial do Município de Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense. Como a Justiça decretou o fim da “boquinha” típica dos tempos do velho Chateaubriand, a empresa simplesmente não soube como enfrentar a dura realidade do mercado. Confirmando o ditado, o vício do cachimbo deixou a boca torta.

A indiferença pela análise dos fatos, a ausência de compromissos sociais, o atrelamento a interesses políticos e econômicos contribuem cada vez mais para a derrocada de grande parte dos jornais brasileiros. Simplesmente culpar a Internet parece ser uma atitude cômoda, principalmente quando tentam imitá-la em sites de notícias de acesso complicado e que mais parecem colchas de retalhos.

Capacidade de adaptação

Vale lembrar que o rádio não acabou devido à concorrência da TV e esta não ofuscou o cinema; tampouco reclama da concorrência das novas mídias que assolam o planeta. A radiodifusão se beneficiou das tecnologias para redefinir sua natureza e ressaltar a grande vantagem que tem diante dos novos meios. Nenhum veículo de comunicação de massa consegue ser mais ágil e fácil de acessar que as ondas médias e curtas do velho dial. Isso ficou claro no black-out que assolou 12 estados brasileiros e parte do território paraguaio. Quando as grandes redes de TV resolveram interromper a programação para noticiar o fato, emissoras de rádio de todo o país já buscavam explicações para o mesmo – tendo a seu favor o popular radinho de pilha.

A televisão, por sua vez, ganhou nova dinâmica com as novas tecnologias, melhorando a qualidade da imagem e buscando a interatividade com os telespectadores. O cinema, que no primeiro momento perdeu público para a TV, passou a produzir séries e longas-metragens para a telinha sem, no entanto, abrir mão das superproduções que só funcionam bem na telona. Hoje, as grandes produções de Hollywood são fartamente divulgadas nos jornais, no rádio, na TV e na Internet.

Em vez de se adaptarem às adversidades e tirar proveito de suas particularidades, os jornais impressos insistem nas velhas fórmulas. Seus proprietários e diretores mostram-se incapazes de reagir à concorrência eletrônica com criatividade. Fenômeno semelhante ocorreu com as grandes gravadoras, que simplesmente entraram em pânico diante das novas tecnologias que já nos permitem dispensar o CD. Como escorpiões desesperados na roda de fogo, executivos de jornais antecipam a tragédia como se cometessem suicídio.

Manchetes redundantes

Quem se der ao trabalho de parar diante de uma banca de revistas há de perceber algo de óbvio nas capas dos jornais. Basta um veículo de expressão nacional apontar um caminho para que todos os outros caminhem na mesma direção. Daí a repetição de temas ou mesmo a coincidência de manchetes nem sempre criativas. Publicações regionais ficam de olho nas agências de notícias para não desafinar do diapasão da concorrência. Na tentativa de se tornarem jornais de expressão nacional, ignoram temas locais ou fazem uma cobertura tosca dos fatos que realmente poderiam interessar aos leitores.

As notícias que saem hoje no rádio, na TV e na Internet serão manchetes nos jornais de amanhã – e sem nenhum acréscimo analítico ao fato ocorrido.
Falta de visão crítica diante dos grandes acontecimentos, economia a todo custo, demissões de bons profissionais e falta de gente especializada, experiente e contestadora contribuem cada vez mais para a queda de qualidade dos jornais impressos e para a consequente perda de leitores e anunciantes. Com tantos meios de comunicação ao alcance de todos, ainda existem veículos impressos que ignoram fatos relevantes ou manipulam a notícia na ilusão de enganar a opinião pública.

No momento em que a velocidade da informação chega a estressar as novas mídias, publicações impressas teriam a seu favor justamente a possibilidade de analisar a notícia com algum tempo pela frente, aprofundando a reflexão para mostrar os diversos ângulos da realidade. Nenhuma mídia supera a palavra impressa, que tem a seu favor o fato de se perpetuar como documento histórico. Pode-se dizer que, de certa forma, os jornalistas é que escrevem a história.

Valorização profissional

Para que isso seja feito, no entanto, seria necessário investir na contratação e na valorização de repórteres e colaboradores éticos e bem-formados, com conhecimentos acima da média. Tal estratégia, no entanto, custaria dinheiro e este vem principalmente dos cofres públicos, por meio de anúncios, matérias pagas, financiamentos, tráfico de influência ou simples atrelamento editorial. Qualquer análise mais aprofundada de certos acontecimentos que interessam aos leitores poderia incomodar o principal anunciante ou parceiro da casa, fechando a torneira de recursos.

Em outras palavras, o estreitamento dos laços com o poder político e econômico fez com que a maioria dos jornais brasileiros perdesse o hábito de pensar e fazer pensar, de cobrar das autoridades em nome da sociedade – sem paixão ideológica e sem que o leitor desconfie das intenções do veículo. Se os brasileiros confiassem plenamente na imprensa, o episódio do mensalão teria resultado numa grande mudança sociopolítica, mas não foi isso o que ocorreu nas últimas eleições. O que dizer, por exemplo, da crise econômica internacional, que acabou mesmo virando “marolinha”? Ou da gripe suína, que ainda mata silenciosamente, mas sobre a qual a imprensa se calou depois do alarde apocalíptico dos primeiros momentos da suposta epidemia? Ou do caso Celso Daniel, que sumiu da mídia sem ser devidamente esclarecido?

O exagero, o sensacionalismo, a espetacularização da notícia e a falta de esclarecimento dos fatos podem até ser compreendidos na televisão ou na Internet, principalmente devido à pressa na apuração, ao impacto da imagem em movimento e à constante mudança nas informações. No entanto, pela própria natureza, caberia justamente aos jornais dar a palavra final sobre os grandes temas abordados pela mídia. Ao contrário disso, nossos diários geralmente se deixam levar pela concorrência eletrônica, como quem sobe num ringue de boxe calçando chuteiras em vez de luvas.

Grandes coberturas

Outra saída para a crise dos impressos seria investir nas grandes coberturas, em reportagens especiais e exclusivas sobre temas que possam realmente interessar ao público. Contudo, as empresas de comunicação se distanciaram tanto da notícia que jornalismo investigativo há muito deixou de ser pleonasmo. Esse tipo de trabalho pode custar caro, pois não seria nada ético mandar um repórter viajar sob o patrocínio de terceiros. Mesmo assim, parece comum que alguns profissionais da notícia viajem a convite de empresas, clubes esportivos ou governantes de plantão. Nesse caso, como garantir distanciamento para que se tenha independência crítica nas reportagens?

Na maioria dos grandes jornais, as manchetes de capa quase sempre dizem respeito às editorias de Economia e Política, embora toda pesquisa de opinião demonstre que esses são os temas que menos interessam aos leitores. No entanto, interessam – e muito – aos donos dos jornais, pois é nesse tipo de noticiário que se digladiam os grandes interesses. A prestação de serviços também deixa a desejar, na medida em que se divulga aquilo que é mais do interesse dos veículos – ou dos próprios jornalistas – do que dos leitores. Ainda na tentativa de popularizar os jornais, publicam-se matérias para um suposto público jovem pouco dado à leitura, deixando de atender ao interesse de leitores cativos, hoje considerados velhos e fora de moda.

No momento, empresas que editam grandes jornais se rendem à tentação dos tablóides destinados aos leitores das classes C e D. Esse é o preço que pagam por não terem contribuído de fato na luta contra o analfabetismo e em favor da qualificação do ensino público no país. Até quando esse veio dará ouro, é outra boa pergunta a se fazer. A resposta, certamente, daria outro longo artigo. Diante de tantos equívocos, fica fácil compreender porque é que os grandes jornais agonizam – e seus donos ainda culpam a Internet.

*Artigo publicado no site www.jornalistasdeminas.com.br e replicado no www.observatoriodaimprensa.com.br, em 1°/12/2009.

 

5 comentários em “O suicídio dos grandes jornais”

  1. Acabo de ler o artigo do Jorge Fernando dos Santos, “Suicídio dos grandes jornais”, e quero parabenizá-lo pela abordagem profunda, honesta e sincera do que realmente ocorre com a chamada grande imprensa. Sou suspeito para falar porque fomos colegas numa mesma empresa, mas ele diz tudo do que realmente ocorre e temos conhecimento. Pena que o grande público não sabe o que ocorre nos bastidores da notícia. Mas o resultado é a perda de credibilidade e a falência inexorável da chamada grande mídia impressa – José Maria Pereira comentou no site do SJPMG.

  2. Parabéns Jorge pela sua excelente análise. É isto mesmo. Precisamos de um imprensa comprometida com a verdade e de interesse público, para ganhar a confiança dos leitores. Além disso, precisa adaptar e modernizar aos novos tempos. – Valter Cardoso Borges, advogado em Goiânia, comentou no Observatório da Imprensa.

  3. Jorge, fiquei lembrando aqui de jornais no formato tablóide que existiram no tempo da ditadura. Os donos dos jornais standard olhavam pra eles com desprezo, como coisa de idealistas, que não queriam ganhar dinheiro. Eles é que queriam.

    Hoje, estes mesmos donos de jornais transformaram seus standards em tablóides e os vendem a 25 centavos. Na verdade, o povo só compra por causa das promoções incluidas. Agora, quem conheceu os alternativos do tempo da ditadura olha pra esses jornais de hoje e fica pensando em onde foi parar aquele conteúdo que só eles tinham. Não dá pra comparar. Os tablóides eram melhores. Os standards se rendiam ao poder político. Como fazem ainda hoje.
    Aquele abraço!

  4. Prezadíssimo Jorge

    Os jornais seguem sendo importantes. Sua crise não
    é peculiaridade tupiniquim.

    Acho que a imprensa escrita precisa já se reposicionar, ou seja, demanda, segundo um bom marketing, um novo posicionamento. Em sua análise, você menciona algumas possibilidades para os diários, entre elas, atrelar-se mais a interesses dos cidadãos, o que, talvez, alavanque as tiragens, e verticalizar a análise sócio-política e econômica, o que pode afastar conexões obscuras pouco críticas e afugentar recursos fáceis e nada éticos. Difícil possível equilíbrio.

    A imprensa escrita precisa se reinventar. Há bons sinais nesse sentido ao redor do globo. Convido-o a construir um artigo falando sobre isso: sobre os diários que conseguiram superar a crise e manterem-se vivos, sem atrelamentos políticos, cuja intenção única é a manutenção da receita.

    Abraço e que outros instigantes artigos aconteçam!

    Daniel

  5. Oi, Jorge
    É isso mesmo, na maioria dos casos. Tenho lido com gosto o jornal O Globo (só o de domingo), que tem assuntos comentados muito interessantes, em todas as editorias, inclusive de Esportes (como no caso péssimo do Nelsinho Piquet). Colocam lá LFVeríssimo, João Ubaldo, além das duas revistas. E tem os ótimos repórteres. E é claro que essa gente ganha pelo menos perto do dinheiro merecido, né?Mas no esquema que você mencionou tão bem acima, a mentalidade é um cisco.
    Abraços, um fim de ano muito bom para você, Vilma e Bárbara.
    Vitória

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