Jorge Fernando dos Santos

O dia em que não conheci Drummond

Certa vez – e lá se vão mais de duas décadas – eu estava passeando no Rio de Janeiro quando João Felício dos Santos, o grande autor de Xica da Silva, convidou-me para comparecer a uma reunião na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Na verdade, ele queria me apresentar a Carlos Drummond de Andrade, seu grande amigo, com quem eu já havia me correspondido em pelo menos duas ocasiões. Da primeira vez, o poeta envira um cartão a cada autor de poemas e artigos publicados na edição especial do caderno de Cultura do jornal Estado de Minas alusiva aos seus 80 anos, em 31 de outubro de 1982. No meu caso, ele agradecia pelo poema Trindade, que lhe dediquei e que até hoje considero uma das melhores coisas que escrevi.

Na segunda ocasião, Drummond escreveu agradecendo a remessa de um exemplar do meu primeiro livro, Teatro Mineiro – Entrevistas & Críticas, publicado em 1984 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais com total apoio de Murilo Rubião, que presidia aquela repartição pela segunda vez, a convite do governador Tancredo Neves. O simpático comentário do poeta serviu para me mostrar que estava no caminho certo, ao documentar a memória das artes cênicas em Belo Horizonte.

Drummond era muito fechado, mas jamais se furtava a se corresponder com leitores, professores e escritores em início de carreira. Ao contrário dos tempos atuais, autores consagrados entendiam que era importante dar apoio àqueles que estavam tentando se iniciar na carreira literária ou que simplesmente admiravam a arte de escrever.

O melhor exemplo nesse sentido veio do modernista Mário de Andrade, cujas cartas estão reunidas em livros dedicados à sua correspondência com autores iniciantes, como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, João Etienne Filho, Murilo Rubião e o próprio Drummond, só para citar os mineiros.

Guardo nos meus alfarrábios não apenas os cartões de Drummond, manuscritos telegráficos que trazem sua indefectível assinatura, mas também mensagens de Jorge Amado, Rubem Fonseca (outro mineiro de temperamento reservado), Lygia Fagundes Telles, Abgard Renault e João Felício dos Santos, que se tornou meu amigo nos seus últimos anos de vida.

Voltando ao início da prosa, cheguei à sede da ABI no início da tarde e lá estava o bom João, que foi logo me apresentando a seu amigo Antônio Olinto. Em seguida, deu-me a péssima notícia de que o poeta itabirano não poderia comparecer à reunião daquela tarde devido a um forte resfriado. E assim ficou para a eternidade a minha chance de apertar a mão do maior poeta brasileiro do século XX.

Agora fico sabendo que vândalos roubaram os óculos da estátua de Drummond, em Copacabana, pela quarta ou quinta vez consecutiva. Um conhecido meu interrogou por que será que roubam justamente os óculos do poeta. Respondi que esse lamentável gesto traduz a metáfora de uma gente que insiste em caminhar no escuro, guiada por falsos profetas tão cegos quanto ela.

Em Belo Horizonte, já serraram as mãos de Pedro Nava, que proseia com Drummond na Praça Alberto Deodato; e de Paulo Mendes Campos, que está na companhia dos amigos Fernando Sabino, Hélio Pelegrino e Otto Lara Resende, na Praça da Liberdade. Quem o fez não certa queria uma mãozinha para segurar a falta de caráter.

Outro dia vi uma cena deplorável: um jovem estudante com pinta de “mauricinho” estapeava as faces do monumento a Roberto Drummond, no coração da Savassi. Só não lhe cobri de porrada porque estava a bordo de um táxi e com um encontro de hora marcada. Pobre o país que trata mal seus escritores até mesmo depois de mortos! 

A boa notícia é que a prefeitura do Rio promete construir em breve uma estátua para homenagear Dorival Caymmi. A exemplo do monumento a Drummond, ela também deverá ficar de frente para o mar de Copacabana. Agora é rezar aos orixás para que os vândalos de plantão não roubem o violão do compositor baiano.

 

7 comentários em “O dia em que não conheci Drummond”

  1. Estou reenviando o seu endereço aqui para os frequentadores da Oficina Gato de Máscara.
    Ando lendo suas crônicas sim, os poemas do JP, que são muito muito bons, e aí vamos ampliando essa convivência com mais gente a fim das palavras…
    Beijo
    Regina Gulla

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