Jorge Fernando dos Santos

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Os governantes e a imprensa

Na terça-feira (8/12), o papa Bento 16 criticou a maneira como a imprensa retrata e aumenta os problemas que as cidades enfrentam. Ele disse que os veículos de comunicação tendem a fazer com que o cidadão se sinta sempre um espectador, como se o mal só atingisse os outros. As declarações do pontífice foram feitas diante do monumento da Imaculada Conceição, em Roma. O papa também afirmou que a repetição das más notícias faz com que as pessoas se acostumem com as coisas horríveis, tornando-se cada vez mais insensíveis.

No mesmo dia, o boliviano Evo Morales, reeleito presidente, disse que há “liberdade de expressão exagerada” em seu país e se queixou da falta de apoio por parte dos jornais durante a campanha eleitoral. “Sou uma vítima permanente da imprensa”, desabafou a uma jornalista que o entrevistava em Cochabamba.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também cultiva o hábito de criticar a imprensa. Em recente encontro com seus colegas Morales, Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai), durante o Fórum Social Mundial realizado em Belém do Pará, ele disse ter sofrido uma campanha contrária da elite e de setores da mídia por causa do escândalo do mensalão, em 2005.

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB) não fica atrás nas reclamações. Na quinta-feira (10/12), ele acusou parte da imprensa de mentir e manipular dados em favor do PT. A declaração foi dada enquanto comentava supostos cortes nos investimentos em obras na Bacia do Alto Tietê, região afetada pelas fortes chuvas na semana passada. Faltou acusar a imprensa também pelo dilúvio.

Violência e censura

O que todo governante precisa entender é que a função da imprensa – reacionária ou não – é justamente fiscalizar aqueles que exercem o poder, sejam eles de esquerda ou de direita. A diferença entre uma democracia e uma ditadura é que, no primeiro caso, vive-se o pleno estado de direito e liberdade (inclusive de expressão), enquanto no segundo usa-se a censura, a cadeia, o exílio e – não raro – o assassinato para calar jornalistas e donos de jornais.

Bento 16 tem razão em parte, quando diz que a repetição da má notícia endurece os cidadãos, fazendo com que se acostumem com o mal. No entanto, isso não é culpa dos meios de comunicação, cuja missão é justamente noticiar aquilo que ainda não virou regra. Lembro que no curso de Jornalismo um professor dizia que só é notícia aquilo que é exceção e que chama atenção justamente por quebrar a rotina da sociedade.

Pelo mundo afora o noticiário contribui para depor governos corruptos e desmascarar mistificadores que roubam o povo. Ninguém pode negar que a cobertura da Guerra do Vietnã pela imprensa norte-americana contribuiu – e muito – para o fim do desastroso conflito. A vitória de Obama nas últimas eleições para a Casa Branca decorreu muito da maneira como a imprensa tratou Bush no final do seu governo.

Tal liberdade não existe, por exemplo, no Irã, onde a violência de Estado e a censura à imprensa fazem lembrar as práticas da Alemanha nazista. Aliás, é difícil ver com bons olhos a visita de Ahmadinejad a países sul-americanos que tanto já sofreram com governos autoritários. Pior é que nenhum dos seus anfitriões lhe cobrou o devido respeito aos direitos humanos.

A boa relação com o PMDB

Em suas queixas contra a imprensa boliviana, Evo Morales usa uma expressão preocupante, ao se referir à “liberdade de expressão exagerada”. Liberdade nunca é exagerada, pois existem limites determinados pela própria lei do Estado democrático, que prevê punição para caluniadores e difamadores inclusive nos meios de comunicação.

O contraponto do bom estadista é fazer um bom governo e mostrar superioridade moral diante das críticas que recebe. Fora disso, o remédio seria a mordaça, como a que vem sendo imposta no Brasil ao jornal Estado de S. Paulo, impedido de noticiar a apuração do escândalo que envolve Fernando Sarney.

Lula, a exemplo de Morales, sempre reclama da mídia. Ele acha um absurdo que os jornais tenham questionado sua relação com políticos do PT e da base aliada do seu governo envolvidos no escândalo do mensalão. Apesar do denuncismo, até hoje pairam dúvidas sobre o caso: afinal, o presidente sabia ou não do esquema? Se ele sabia, por que não responsabilizou os envolvidos antes que a imprensa levasse o fato ao conhecimento da opinião pública? Se não sabia, por que não cortou laços com os envolvidos que traíram sua confiança e se beneficiaram da proximidade com o poder?

Mais recentemente, Lula também criticou a imprensa por denunciar (tardiamente) as práticas do senador José Sarney e ainda pressionou o PT a votar em favor da manutenção do mesmo na presidência do Senado. Em vez de defender o Brasil dos atos secretos praticados na câmara alta, o presidente da República preferiu preservar sua boa relação com o PMDB, partido da base aliada do qual necessita para tentar eleger Dilma Rousseff sua sucessora.

Autoritarismo e confronto

Claro que muitas vezes a imprensa está a serviço das elites e Lula não é o primeiro presidente brasileiro a se queixar do noticiário publicamente. Mas os banqueiros também representam essas mesmas elites e nunca lucraram tanto quanto hoje, cobrando juros exorbitantes e prestando serviços deficitários à população. Apesar disso, ninguém é louco de fechar as agências bancárias. Pelo contrário, o governo sempre socorre instituições financeiras que se encontram em dificuldades – e quem paga a conta, no final das contas, é o povo.

Ninguém de bom senso duvida que a imprensa brasileira deva ser democratizada, como propõem os organizadores da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que está sendo realizada em Brasília. Contudo, em vez de limitar a circulação de informações o país precisa pensar grande e criar condições para que se ampliem as possibilidades comunicativas. A estratégia correta seria dar voz a setores excluídos da sociedade civil, que sequer têm acesso à internet ou à boa educação. O melhor modo de fazer isso é propiciar a criação de novos canais de comunicação, contrariando grandes grupos da mídia que se esforçam para manter o monopólio informativo no país.

Se as igrejas têm emissoras, por que uma associação ou sindicato não poderia ter seu próprio canal de rádio ou TV? Rádios e televisões são concessões federais e deveriam dar maior retorno do ponto de vista social, abrindo o debate sobre os grandes temas nacionais, prestando serviços educativos, valorizando as culturas regionais e ouvindo os excluídos. Mas como alcançar esse objetivo se os políticos que votam tais concessões são donos de emissoras que se beneficiam do processo?

Querer que a imprensa se cale simplesmente por considerá-la conservadora seria uma atitude equivocada. Nos tempos da ditadura a justificativa para tal arbitrariedade era acusá-la de subversiva, justamente o contrário do discurso atual. Radicalismo, não importa de que lado venha, sempre conduz a práticas autoritárias e ao confronto. O principal objetivo do Estado democrático é justamente mediar as relações sociais, garantindo direitos e fiscalizando o cumprimento dos deveres recíprocos.

O resto é publicidade

O monopólio das comunicações, essa prática obtusa que sempre limitou o conhecimento, sobretudo em países do Terceiro Mundo, já vem sendo desgastado pela própria ação da internet. Quando os governos ampliarem o acesso das massas a uma boa educação e também à banda larga, a verdade absoluta das elites será diluída por vias alternativas de informação, dando voz a diferentes sujeitos e desmascarando os ridículos tiranos. Por isso mesmo alguns poderosos tentam cercear a liberdade na rede. Veja-se o caso da blogueira cubana Yoani Sánchez, que tem denunciado o arbítrio em seu país sendo duramente combatida pelos simpatizantes do regime castrista.

No Brasil, temos no momento o escândalo que envolve o governo do Distrito Federal. Em outros tempos, pouca gente saberia do caso, pois a mídia local a serviço do poder o ocultaria com sucesso, tentando confundir a opinião pública. Pelo que se vê, o Correio Braziliense tem tentado usar esse antigo ardil, comportando-se como se fosse o único canal de notícias do Planalto Central.

Ao querer preservar a imagem do governador José Roberto Arruda, o jornal cai em descrédito, podendo amargar sérias consequências no médio prazo. A conduta antiética da imprensa há de ser julgada por leitores e anunciantes. Se o Washington Post tivesse adotado tal comportamento com relação ao caso Watergate, certamente teria fechado suas portas por falta de assinantes – inclusive entre os eleitores republicanos. Outro deslize da imprensa brasileira foi a recente publicação do artigo de César Benjamim, no qual o sociólogo calunia o presidente da República ao narrar uma história fantasiosa. Os leitores estão dando o troco à Folha de S. Paulo.

Ainda bem que os governantes continuam se queixando da imprensa em várias partes do mundo. O papa, Morales, Lula e Serra têm todo direito de reclamar, mas só o fazem porque os jornalistas estão desempenhando seu papel. Afinal, a despeito dos interesses dos próprios veículos de comunicação, a principal função da imprensa continua sendo fiscalizar o exercício do poder. E ai do país cuja mídia vive a bajular os poderosos, sejam eles progressistas ou conservadores! Como disse o escritor e jornalista inglês George Orwell, autor dos livros 1984 e A Revolução dos Bichos, “jornalismo é publicar o que alguém não quer que seja publicado; todo o resto é publicidade”.

* Publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br

 

 

1 comentário em “Os governantes e a imprensa”

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