Não me lembro quando foi, mas sei que foi no Minas 2, no Mangabeiras. João Donato se apresentava a convite de Pacífico Mascarenhas, que se tornaria meu amigo e parceiro. Quando lá cheguei, esse fez questão de me apresentar ao artista. Para minha surpresa, Donato, que trazia uma câmera fotográfica pendurada no pescoço, bateu uma chapa minha e se distanciou em seguida, fotografando outros fãs.
Também não me lembro do show. Essa, aliás, é a vantagem de carregar nas costas o peso do tempo. A gente simplesmente vai deixando migalhas de memória espalhadas pelo caminho. Donato, por sua vez, já não precisa se lembrar de nada. Mergulhou no sono eterno, feito passarinho, aos 88 anos de vida e de arte.
Voltando àquela noite no Minas 2, passados alguns dias, perguntei ao Pacífico pelo músico. Ele me disse que João Donato se encantara tanto com o Mercado Central que chegou a comprar duas galinhas vivas, com as quais tentou embarcar em Confins. Claro que não conseguiu! Teve que deixar as pobrezinhas na sala de embarque, junto com tesouras, canivetes e cortadores de cutículas de outros passageiros desavisados.
E ei que sua esposa (ele havia se casado com uma moça de Brasília) ligou pro Pacífico perguntando pelo marido, que ainda não tinha chegado em casa. Soubemos mais tarde que Donato havia embarcado para o Nordeste e se esquecera de avisá-la.
Era assim o João II da bossa-nova. A exemplo do Primeiro (seu amigo João Gilberto), além da genialidade, ele tinha suas manias. Agora, ambos se reencontram nas estrelas, onde o show não para nunca. E a nós, reles mortais, restam suas músicas, imortalizadas em inesquecíveis gravações que o tempo jamais apagará.
Belo texto, caro Jorge. Esse deixou contribuição e inovação com assinatura inconfundível.
conheci joão donato em 1962, ambos com 28 anos, no beco das garrafas, uma travessa sem saída da rua duvivier, em copacabana, dando uma canja na boate bottle’s, levado por tom jobim. donato, ainda magro, mas sempre com aquele sorriso sem mais tamanho, alegrando sua cara de lua cheia, encantando todo mundo. e te digo, jorge. tua matéria me deu saudade, muita saudade, daqueles tempos de santificada boemia. deus te pague.
Muito boa crônica.
Donato sempre nos enganou Com aparente simplicidade, ele criou uma sofisticada mistura de samba, jazz e Caribe. Receita única e irresistível…
Jorge, gosto de dizer que João Donato e João Gilberto imortalizaram o Brasil sincopado. Tenho uma lembrança do Donato muito próxima. Um dos meus casamentos, o único infeliz de fato, teve uma comemoração bem bacana, lotada de amigos e amigas, com muita alegria. Neste festejo apareceu João Donato, levado pelas mãos caprichosas de Robertinho Brant. Foi um prazer recebê-lo, com a indefectível máquina de fotografar.
Ah… Suas músicas eternas. João Donato embalou todos os nossos momentos, mesmo que não soubéssemos… Vai pelas nuvens, meu caro João Donato.