
Felizmente, Ernest Hemingway (1899-1961) escapou da poesia ainda jovem, para se tornar um dos maiores ficcionistas do século XX. Lançado em 1923, seu livro de estreia, Three stories & Ten poems, está longe de figurar entre as suas obras mais festejadas, mas serviu para chamar a atenção da crítica literária.
“Sua prosa é de primeira distinção”, escreveu Edmund Wilson, que se tornaria um estudioso da obra do autor, referindo-se naturalmente aos três contos ali reunidos. Afinal, quem leu quase tudo de Hemingway há de concordar que seus poemas valem mais pela curiosidade. Embora modernos para a época em que foram escritos, fato é que o poeta estava muitos degraus abaixo do ficcionista.
Para quem nunca leu ou gostaria de reler os versos de Hemingway, o tradutor, poeta e romancista mineiro Tonico Mercador acaba de traduzir vários deles, reunindo-os na coletânea Poemas. Trata-se de uma bela edição bilíngue (inglês-português) da editora Caravana, lançada no último sábado (5/4), quando a tiragem disponibilizada para a sessão de autógrafos se esgotou em pouco tempo.
Edição bem cuidada
Além dos dez poemas do livro de estreia do autor de romances como Por quem os sinos dobram e O velho e o mar, a nova publicação traz outras poesias da primeira fase de sua investida literária. Antes de chegarem ao livro, muitos desses trabalhos foram publicados em veículos nos quais Hemingway colaborou, entre eles o Toronto Star e a Little Review.
Como tudo o que Mercador e a Caravana costumam fazer, a edição é bem cuidada, a começar pelo formato e pela capa dura, ilustrada com uma foto clássica de Hemingway tirada por ocasião da conquista do Nobel, em 1954. A publicação também traz textos publicados depois do suicídio do autor. Um dos mais longos, Poema para Mary (segundo poema), ocupa mais de 20 páginas do livro.
Não sei dizer se essa é a primeira coletânea de poemas de Hemingway lançada no Brasil. De qualquer forma, a nova edição certamente fará história no mundo das letras. Antes dela, conheci o volume 88 poemas, publicado pela editora Planeta, de Barcelona, em 1982, com tradução em espanhol feita por José Ramos Insa.
Guardo comigo um volume amarelado com a assinatura de Roberto Drummond, comprado num sebo por Manoel Malagutti, que me deu de presente. Quando li, tempos atrás, dei gracias! por Hemingway ter migrado para a ficção, onde construiu uma prosa-poética autêntica e sem artifícios. Seu caso lembra o de Magma, livro de poemas de Guimarães Rosa, que se recusou a publicá-lo em vida. Exigente, perfeccionista e competitivo, o velho Papa deve ter pressentido que jamais venceria T. S. Eliot numa batalha de versos.
Parabéns aos dois autores pelas contribuições literárias que entretêm e auxiliam no conhecimento de artistas e suas circunstâncias.
Guimarães Rosa também assumiu-se contista e romancista, o que não significa que seu “Magma” não impressione.
Teria ocorrido o mesmo com Hemingway?
Só a leitura dirá!
Sei de mim que a prosa de Hemingway, com frases curtas e diretas, ainda hoje é uma referência para o exercício do bom jornalismo e da boa literatura.