Depois do telemarketing e da bomba atômica, o politicamente correto deve ter sido a pior invenção do século XX. Além de camuflar a realidade e infantilizar as pessoas, trocar o nome da coisas faz parte de uma estratégia sutil na luta pelo poder. Com a novilíngua hoje em voga, escrever ou apenas falar tornou-se a arte de pisar em ovos.
Velhice, por exemplo, virou melhor idade, mesmo sendo, com certeza, a pior idade de todas. Da minha parte, prefiro ser chamado de velho, palavra que inspira respeito e admiração. “Meu velho”, dizia meu pai ao se referir ao pai dele. Intuitivamente, talvez por isso os jovens se tratem dessa forma, resumindo o termo para “véi”. Melhor idade é a deles, velhinho, disso eu tenho certeza.
Cego, surdo e mudo já foram tratados como portadores de deficiência. De repente, como não portavam nada, passaram a ser apenas deficientes. Pessoa com deficiência mental se tornou especial, paraplégico virou cadeirante e gordo, agora, é obeso. Quem fizer piada a respeito será taxado de gordofóbico. No entanto, o termo fobia vem do grego phobos, que significa medo. Pela lógica, gordofóbico seria quem teme e não quem discrimina o gordo. Jô Soares haveria de concordar.
Alhos e bugalhos
Em vez de favela, o correto passou a ser aglomerado. Mas por que isso, se favela tem algo de poético cantado em alguns do melhores sambas da História? A palavra vem de faveleiro, árvore cujas folhas serviam de teto para as choupanas do sertanejos de Canudos, seguidores de Antônio Conselheiro massacrados pela República, em 1897.
Trocar alhos por bugalhos não acrescentou nada de bom à vida das populações de morros e periferias. Se com a mudança de nome viessem o saneamento, a segurança e boas escolas, aí sim, teria valido a pena. Mas não, pelo contrário, na maioria dos casos a violência e os problemas sociais só fizeram aumentar nos últimos tempos.
Recentemente, passaram a chamar os indígenas de povos originários. No entanto, segundo a ciência, a espécie humana surgiu na África. Originários, portanto, seriam os africanos da região onde caminharam os primeiros sapiens. A exemplo dos colonizadores europeus, os índios também vieram de fora. Chegaram antes, é verdade, mas não são oriundos daqui.
Linguagem neutra
Esse troca-troca de palavras não resulta da evolução natural da linguagem nem da boa-fé de pessoas bem-intencionadas. Trata-se de uma prática da chamada New Left, inspirada nos ensinamentos do pensador sardo Antonio Gramsci: “A realidade está definida com palavras. Portanto, quem controla as palavras controla a realidade”.
Corromper a linguagem e mudar os costumes são táticas para derrotar o capitalismo e a cultura judaico-cristã. Tanto que a novilíngua do mundo real usa uma infinidade de adjetivos para desmoralizar os resistentes. Como alertou o alemão Karl Kraus, palavras podem funcionar como minúsculas doses de arsênico. O nazismo usou método parecido para banalizar o antissemitismo. O resultado disso foram os campos de concentração e o extermínio de milhões de pessoas.
Na esteira do politicamente correto, tentam agora implantar a chamada linguagem neutra, que atropela a gramática e confunde a garotada. Acredita-se que, usando “todes” em vez de todos e todas, será solucionado o drama identitário dos transexuais. “Cacildes”, diria o saudoso Mussum. Nem mesmo Gramsci pensou nisso. Até porque a esquerda já foi homofóbica. Se você duvida, pergunte ao Gabeira ou leia o cubano Reinaldo Arenas.
…sabe-se, ademais, que se não quebrarmos os ovos, não haverá omeletes – e então o paradoxo vira asfixia aos que se deixam dominar por espantalhos, sejam os antigos, sejam esses novos!!!
Parabéns, abraço!!!
Sempre assertivo. Também acho difícil.a comunicação hoje em dia.
Muito interessante! Tempos difíceis da comunicação enganosa e mascarada.
a continuar essa bobagem do politicamente correto, como ficam os ficcionistas, se só podem criar personagens do gênero a que t@d@s obrigam a ser seu? eu, que segundo essa nova identificação sou obrigado a ser um tal de “cis” jamais poderei criar personagens, t@d@s, o escambau? como muito bem diz são glostimênio de los pulos olímpicos, neste novo mundaréu sem porteira, o um por todos e todos por um, sifu, aff m@ri@!
texto sempre oportuno e necessário. acabo de assistir a um noticiário em que uma pessoa foi acusada de injúria racial por ter usado o termo “escurinho” pra designar uma pessoa afro-descendente (!). lembrei-me de um time de botões que tive na infância, do fluminense, em que havia a foto e o nome do craque da época, Escurinho…
E tem o samba do Geraldo Pereira, que era negro: “O Escurinho era um escuro direitinho…”
O politicamente correto está se tornando uma censura chata , do modo de falar e escrever.
Os seus comentários sempre dão uma alfinetada no cotidiano adormecido. Belíssima prosa, muita sabedoria nesta crónica que convida a ser lida várias vezes. O direito de expressão deve ser sempre preservado.
Com humor e ironia , o artigo faz um inventário sobre a hipocrisia do vocabulário ” politicamente (in)correto ” , que pululam como girinos nas mídias atuais , ate se transformarem em sapos difíceis de engolir.
Ótimo texto!!!
Apenas uma ressalva: pelo menos no Brasil, a mudança da “linguagem e costumes” em nada altera o capitalismo brasileiro, que desde FHC se consolidou como um “capitalismo financista e especulativo”!!!
A “ex-querda lulopetista” foi e é apenas uma “esquerda retórica”, serviçal do barões da especulação financeira tanto quanto foi a “Direita bolsonarista”!!!
Haja vista o Orçamento executado em 2021, onde 54% dos recursos foram roubados pelo serviço da divida.