
“Ao contrário das grandes metrópoles pelo mundo afora, Belo Horizonte tem poucos anúncios luminosos. Deve ser por isso que ela parece triste depois que anoitece”. A fala do meu personagem Ramon, no romance Condomínio Solidão (Caravana, 2021), parece ter sido ouvida pela Câmara Municipal, que acaba de liberar a colocação de luminosos no Centro da cidade.
O tema é polêmico e por isso merece discussão. Aqueles que resistem à ideia alegam que os anúncios vão poluir o visual urbano e esconder as fachadas de construções históricas. Em primeiro lugar, a cidade já está exageradamente poluída pelas pichações de vândalos hoje considerados “artistas” por alguns defensores da “liberdade de expressão”. Em segundo, para evitar o comprometimento do patrimônio arquitetônico, basta que a PBH proíba luminosos em edifícios tombados.
Cidades como Tóquio, Londres e Nova York, com seus enormes anúncios luminosos, permanecem movimentadas noite adentro justamente por não parecerem desertas e assombradas, como acontece com BH depois de certa hora. Quem transita pelo Centrão tarde da noite (ou mesmo à luz do dia, em alguns casos) corre sérios riscos de ser assaltado ou sofrer coisa pior. Ruas sujas e desertas, iluminação precária e a falta de policiamento são a nossa dura realidade cotidiana.
Situação de rua
Dois anos atrás, tentei assistir a uma apresentação musical no Museu de Artes e Ofícios, na Praça Ruy Barbosa. Ao tentar estacionar o carro, minha companheira e eu nos deparamos com um acampamento de moradores de rua (melhor dizendo, “em situação de rua”, como dita a hipocrisia politicamente correta). O lugar era escuro e não havia nenhum guarda à vista. Na dúvida, desistimos do show. Em todo canto é a mesma cena, sem falar no assédio dos implacáveis flanelinhas.
A fixação de anúncios luminosos certamente não diminuirão os riscos quanto à segurança pública, mas fato é que a cidade ficará mais clara e colorida, podendo os condomínios residenciais obter recursos para pintar suas fachadas e reduzir o valor cobrado dos condôminos. Afinal de contas, a PBH parece nunca ter se preocupado em incentivar o embelezamento da cidade, oferecendo descontos no IPTU àqueles que mantiverem seus imóveis devidamente limpos e pintados.
Sou do tempo em que o Centrão era repleto de vitrines que se iluminavam à noite, sem correr o risco de serem arrombadas ou vandalizadas pelos vagabundos de plantão. Com o advento dos shoppings, o comércio central começou a migrar, deixando muitos imóveis abandonados. Com o aumento da violência urbana, os comerciantes persistentes passaram a lacrar as vitrines e a manter as luzes apagadas.
Consulta popular
Há que se discutir o assunto democraticamente, quem sabe até mesmo propondo uma consulta popular por meio de plebiscito. Contudo, reagir à ideia por mero preconceito anticapitalista, do tipo “diga não à Time Square”, só reflete o atraso e a visão provinciana de uma cidade que nasceu na prancheta e cujo patrimônio histórico vem sendo dilapidado há décadas pela especulação imobiliária.
Edificações suntuosas, como a antiga sede dos Correios (que deu lugar ao Conjunto Sulacap), o Grande Hotel (onde se construiu o Edifício Maletta) e o prédio da Feira Permanente de Amostras (substituído pela Estação Rodoviária) foram derrubadas do dia para a noite, sem que os defensores do patrimônio se dessem conta. Pouco a pouco, imóveis antigos deram lugar a edificações de arquitetura duvidosa, verdadeiros caixotes de vidro e concreto que de fato poluem a paisagem urbana.
A “última flor do lácio” foi o prédio onde funcionou a Panificadora Savassi, no coração do bairro de mesmo nome. Quando soube do risco de tal ocorrência, tentei mobilizar os poderes públicos. O gabinete do então presidente da Câmara, vereador Gabriel Azevedo, informou que o prédio não era tombado e não havia muito o que fazer. Felizmente, a Construtora Concreto, hoje dona do terreno, tem um projeto de edificação para o local que inclui um memorial da região, cuja história registrei no livro “A Turma da Savassi” (Miguilim, 2019). Aguardemos! Dos males, o menor.
Não vejo problema nos luminosos, se houver critérios claros e fiscalização para não descaracterizar prédios tombados. A luta contra a poluição visual acabou se limitando a normatização do uso de placas comerciais, mas nada foi feito para valorizar a arquitetura dos prédios protegidos como, por exemplo, uma iluminação criativa. As luzes e cores dos luminosos fariam muito bem ao centro da nossa cidade, sobretudo à noite.
Belo Horizonte já perdeu seu horizonte tampado pela selva de pedra , agora perde sua beleza pelo descuido e desinteresse dos governantes. Qualquer iniciativa é importante para chamar a atenção para esse problema.
O artigo é uma ótima colaboração para resolver esse problema.
Acredito que mais luz e cor traria mais alegria à nossa cidade. Sou a favor! Parabéns por chamar atenção do fato!
Sou a favor; à noite não vai incomodar tanto; cores , para a maioria, cai bem; abraço
Jorge meu querido! Discussão complexa né, exatamente porque a carga de provincianismo que nós mineiros carregamos é muito grande! Grande abraço
Jorginho,
Tenho a impressão de que essa querência de transformar BH numa NY não vai vingar, tal o protesto dos moradores da Capital. Como você disse na sua crônica sobre os prédios históricos que perdemos, a situação agora é outra; o mineiro não vai permitir em ver o cine Brasil, o Banco da Lavoura e demais prédios históricos ficarem escondidos atrás de painéis de LED. Se for preciso o povo vai lá e quebra um por um. Ademais, a praça sete é muito bem iluminada, se está acontecendo assaltos, o que tá faltando é polícia.
Abraços do Mauro
Como eu digo no artigo, é só a PBH limitar a fixação dos luminosos em prédios tombados.
Concordo com sua visão, plena de amor pela cidade, meu caro. E vendo uma edificação com tanta história e importância (felizmente imortalizada por você em obra essencial a toda boa biblioteca), como o local onde funcionou a Padaria da Savassi, ceder a uma edificação “mais moderna e funcional”.
Estamos envelhecendo, meu caro! Pouco tempo atrás, um empreendimento imobiliário como este não seria pensado sem um painel de Yara Tupinambá, Konstantin Kristoff e nomes de igual monta. Mas…
No que tange ao cuidado com a cidade onde se vive, minha preocupação – creio eu pertinente, quando se sabe do dinheiro público gasto com a substituição dos “esguichos” da praça da Liberdade (cadê a Guarda Municipal?) – é mais direta: os luminosos resistirão a pedradas, contra eles desferidas, por pura diversão?
Uma cidade iluminada passa, antes de tudo, por mentes não cultivadas nas trevas.
Oremos e confiemos!
pra mal dos meus artelhos, saí de belô faz mais de 20 anos. mas também sou do tempo que o centro, e travessas circunvizinhas, explodia luz por tudo quanto era canto com suas vitrines iluminadas. e era por conta delas, é a certeza que ainda tenho, que a gente podia passear sem medo de ser assaltado fosse por quem fosse, e nenhuma das vitrines teve seus vidros quebrados.
e digo, e redigo. a belô dos meus encantos ainda é a das vitrines explodindo luz por tudo quanto era canto!