Jorge Fernando dos Santos

Noel, Tom e outras bossas

Muitas coincidências aproximam Noel Rosa e Tom Jobim (crédito: MPB Bossa)

Há exatamente 90 anos, desembarcava de trem em Belo Horizonte o Poeta da Vila, Noel Rosa, em companhia de sua jovem esposa, Lindaura Martins Neves. Ambos ficaram hospedados na casa dos tios dele, na Rua São Manoel nº 124, no bairro Floresta, entre janeiro e abril de 1935.

Além de curtir a lua de mel, o sambista carioca veio a Minas para se tratar da tuberculose recentemente diagnosticada pelo médico Eduardo da Graça Mello. Este era filho do Dr. José Rodrigues da Graça Mello, obstetra que trouxera Noel ao mundo em 11 de dezembro de 1910.

Pesquisando o tema para escrever um novo livro, me deparei com algumas curiosidades em torno do “filósofo do samba”. Aliás, algumas coincidências entre ele e outro carioca da gema e gênio da MPB, chamado Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.

Para início de conversa, ambos nasceram de fórceps pelas mãos do mesmo médico. No caso de Noel, o fórceps causou-lhe afundamento do queixo, resultando na chamada Síndrome de Pierre Rodin. Nenhuma das duas cirurgias às quais ele se submeteu surtiu o efeito desejado, ficando o sambista com o rosto deformado pelo resto de sua curta vida.

Quando nasceu, Tom Jobim também teve o queixo ligeiramente afundado pelo fórceps. Só que, no seu caso, o problema foi logo superado pelo próprio organismo. Mas as coincidências não param por aí. Metido a inventor, o mineiro Maneco, pai de Noel, sofria das faculdades mentais e acabou se enforcando. O pai de Tom, o poeta e diplomata gaúcho Jorge Jobim, sofria de depressão e morreria internado numa casa de saúde. A hipótese de suicídio sempre foi descartada pela família.

Mães professoras

Como o marido estava sempre viajando ou internado, a mãe de Noel, dona Martha Correia de Azevedo, praticamente sustentava o lar e os dois filhos com uma escola que havia montado em Vila Isabel. Precocemente viúva e com dois filhos pequenos, a mãe de Tom, dona Nilza Brasileiro de Almeida, era pedagoga e fundou o Colégio Brasileiro de Almeida, em Copacabana.

Noel Rosa teve muitos parceiros musicais, mas só fez uma música em parceria com o irmão Hélio,  quatro anos mais novo que ele. Ambos compuseram o foxtrote Você só… mente. Já Tom Jobim, cuja irmã Helena era quatro anos mais jovem e se tornaria escritora, também fez com ela uma única parceria, o samba-canção Não devo sonhar, gravado por Angela Maria.

Noel foi um dos primeiros a usar a palavra “bossa” na letra de uma música, introduzindo a gíria no cancioneiro nacional. Tom Jobim, por sua vez, acabou se tornando um dos inventores da Bossa Nova, em parceria com João Gilberto e Vinicius de Moraes a partir do álbum Chega de saudade, lançado em 1959.

Outra coincidência é que, em 1955, Vinicius chegou a convidar o compositor Vadico (Oswaldo de Almeida Gobliano), principal parceiro de Noel, para musicar sua peça Orfeu da Conceição. Como o maestro paulista declinou do convite por razões pessoais, coube a Tom Jobim compor as melodias, inaugurando com o Poetinha umas das mais profícuas parceiras da canção brasileira.

Tom Jobim tinha Noel Rosa entre seus compositores preferidos, ao lado de Ary Barroso, Pixinguinha, Dorival Caymmi e Villa Lobos. Chegou a gravar Três apitos, um dos sambas mais conhecidos de Noel, no songbook do Poeta da Vila organizado pelo produtor Almir Chediak. O melhor que podemos dizer sobre essa gravação é que se trata de uma intepretação noelinha, que o Poeta da Vila certamente aplaudiria de pé.

31 comentários em “Noel, Tom e outras bossas”

  1. Seus textos são sempre deliciosamente perspicazes e cheios de novidades, como este paralelo fantástico sobre Noel e Tom Jobim… Parabéns por seu ótimo trabalho.

  2. Guiomar de Grammont

    Excelente texto, Jorge! Super informativo. Não sabia dessas coincidências na vida do Noel Rosa e do Tom Jobim, relacionadas com Minas Gerais… obrigada!

  3. Parceiro, muito interessante essas coincidências, vidas paralelas, trabalhos paralelos, mas, se Noel não tivesse partido tão cedo, com certeza teriam se aproximados para produzir composições melhores ainda. Parabéns pela pesquisa e manda o livro que com certeza será sucesso!!!

    1. Serafim Melo Jardim

      Muito bom Jorge
      Como é bom ver dois gênio da música Brasileira juntos. O seu Livro vai ser sucesso, como do nosso amigo Wander Conceição.
      Parabéns

  4. Legal, Jorge. Ótimas essas “similitudes”. Um livro que falta na minha coleção é aquele tijolo lançado pelo João Máximo, há algumas décadas, sobre Noel. Abraço

    1. Como os caminhos de dois gênios da nossa música cruzam na melodia e no afeto. Coincidência ou não o resultado são canções que marcaram nossa música. Aos mestres todo carinho. A você Jorge meus parabéns pelo belo texto. Podemos dizer que esse seu novo livro promete.

  5. Só pela “amostra”, certeza de coisa boa vindo por aí!
    Dois gigantes da Música Brasileira, incomuns, com tanto em comum!
    Quando vidas e obras trazem tantas similaridades, coincidência não é: é garimpo de pessoas preciosas, que a vida tratou de lapidar e brindar-nos com tantas joias!

    1. Jorge, bom dia!
      Que saudades dos bons artigos escritos por você e outros jornalistas quando era só jornais no papel. Íamos para o edifício Maleta só pra comentarmos os bons artigos e criticas dos espetáculos.
      Fico pensando como a história é escrita, toda a história de todas as artes e áreas. Belo Horizonte respirava arte décadas de 70,80 e 90. Tínhamos o prazer de fazer arte e ainda o temos. Mas é diferente. Subiámos no palco e na estréia esperávamos que vocês jornalistas estivessem na platéia pra no outro dia soltar no “Estado de Minas” e “Diário da Tarde”, a opinião de vocês.
      Graças dou aos céus por ainda estar aqui e não sabe o prazer que foi encontrá-lo aquele dia no espetáculo do PEI(programa da Escola Integrada da Prefeitura de Belo Horizonte.
      Só vc mesmo pra trazer essas lembranças através desse artigo enchendo meu coração de saudade das composições perfeitas de Noel Rosa e Tom Jobim. Nunca soube que parentes de Noel morassem no Floresta e outras coincidências da vida deles. Parecem irmãos nascidos de mães diferentes. Coisas da natureza de Deus!
      MARAVILHOSO O ARTIGO!
      ESPERANDO MAIS!!!

  6. E dizem que coincidência não existe, mas sem dúvida alguma, de uma coisa ninguém tem dúvida , são os dois” Gênios “da nossa
    Música Popular Brasileira, merecidamente!!!

    1. Jose Roberto de Alvarenga

      Graças às pesquisas do autor , tomamos conhecimento desses detalhes preciosos das vidas e carreiras dos nossos queridos Noel e Tom Jobim !

  7. Muito bom o texto.
    Essa passagem de Noel por Belo Horizonte merece realmente um livro.
    Ele chegou pra se curar da tuberculose, quando Belo horizonte era considerada uma cidade “vergel”, mas, ficou pouco tempo quieto; acabou caindo na boemia, na farra — e morreu menos de dois anos depois, não é?

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