Jorge Fernando dos Santos

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O fim da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão no Brasil obedece a vontade de mentes sinistras, que em momento algum apresentam justificativa plausível para a desastrada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A luta pela volta do diploma que vem sendo conduzida pela categoria na Câmara Federal tem sofrido percalços, já que representantes do patronato das comunicações insistem em manter sua posição retrógada.

Num país que ainda deixa a desejar no quesito escolaridade, é no mínimo um retrocesso suspender a necessidade de formação adequada para o exercício desta ou de qualquer profissão já regulamentada. Quando o presidente do STF, Gilmar Mendes, comparou os jornalistas a cozinheiros e alegou que o mau exercício da profissão não oferece riscos à sociedade, ele certamente ignorou os riscos de envenenamento (no caso dos cozinheiros) e de calúnia e difamação (no caso dos jornalistas).

Para justificar a decisão do STF, uma parte daqueles que insistem no fim do diploma alega que, para exercer o jornalismo, não há necessidade de curso superior. Outros sustentam a falsa premissa de que a exigência do diploma para escrever em jornais atenta contra a liberdade de expressão – supondo-se que aqueles que não têm formação adequada não poderiam escrever em veículos de comunicação. Ledo engano!

Qualquer pessoa pode ser convidada a se manifestar como colunista ou a colaborador na imprensa diária, desde que escreva sobre matéria de seu domínio. Opinar é direito de todos. Por isso mesmo, jornais e revistas mantêm espaços para cartas de leitores e artigos de colaboradores não necessariamente diplomados em jornalismo. O diploma era exigido para o cumprimento de tarefas típicas da profissão, como fazer reportagens, entrevistar e editar matérias.

Há ainda aqueles que afirmam que o diploma de Jornalismo foi instituído durante o período de arbítrio da ditadura militar e que por isso mesmo fere a Constituição Federal promulgada em 1988. Curiosamente, quem usa esse argumento para justificar o equívoco cometido pelos juízes do STF não oferece nada em troca, simplesmente defende o fim da diplomação e do curso superior de Jornalismo. Nessa linha de pensamento, não seria preciso diploma para ser advogado ou juiz do Supremo, bastando quando muito conhecer as leis.

Na verdade, boa parte dos donos de jornais e revistas odeia os jornalistas justamente devido ao seu perfil questionador. Estes por sua vez, justamente por terem formação superior, noções de ética e responsabilidade profissional geralmente resistem ao monopólio da informação e à manipulação da notícia pelos empresários de comunicação, prática geralmente imposta por chefes de redação que se colocam cegamente a serviço dos patrões e de grupos políticos e/ou empresariais seus aliados. Se existe alguma verdade no noticiário, isso ocorre principalmente devido ao senso de responsabilidade de profissionais bem formados e de boa índole.

Acabar com a exigência do diploma é nivelar o jornalismo por baixo, na categoria de profissões não regulamentadas, para as quais ainda não existe curso superior. Ao nos comparar com cozinheiros, Gilmar Mendes parece ignorar que alguns deles já estão frequentando bancos de universidades em busca de especialização e de melhores ganhos no mercado internacional do chefs de cozinha.

Sem diploma, os jornalistas deixam de constituir uma categoria profissional de nível superior, o que certamente contribuirá com o interesse patronal que deseja achatar nossos ganhos ao extremamente necessário. Quem trabalha em redação sabe que o volume de tarefas sobe na proporção inversa aos salários. O investimento de algumas empresas no chamado jornalismo convergente, obrigando seus profissionais a escrever para mais de um meio ou veículo ao mesmo tempo, comprova o aumento da mais-valia sem nenhum respeito às leis do trabalho.

Por outro lado, ninguém fala em fiscalizar os cursos de comunicação, para saber se o ensino que oferecem é mesmo de qualidade e se está adequado às exigências do mercado. O que querem alguns é de fato alinhar por baixo os jornalistas, condenando-os ao baixo salário, ao aumento da carga de trabalho e ao não comprometimento com a ética e a qualidade da notícia. Em outras palavras, querem empregar profissionais afáveis, obedientes, despreparados ou vendidos aos interesses patronais sem nenhuma preocupação com a veracidade da notícia, na base do “dane-se o leitor”. A maioria dos donos de jornais quer mesmo é ganhar dinheiro a rodo, usando seus respectivos veículos de informação para defender interesses próprios e eleger políticos que rezam em suas cartilhas.

Apesar disso, muitos coleguinhas ainda se colocam na posição de observadores desinteressados da luta que agora se trava pela volta do diploma. Agem como se não acreditassem na reversão da história em nosso favor, ou como se fossem apenas coadjuvantes nessa novela de final imprevisto. Em vez de se mobilizarem em nome da dignidade profissional, acreditam que as coisas são como são e que o homem não é mais sujeito da própria história. É preciso defender nas redações o pouco que ainda resta de dignidade, responsabilidade e respeito profissional. Caso contrário, a profissão de jornalista deixará de existir e a qualidade da informação estará irremediavelmente comprometida em nosso país.

  • Artigo publicado no Observatório da Imprensa e no site da FENAJ, 2009.

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