Dizer que a morte de Paulo Moura deixa um vazio na música brasileira seria chover no molhado, sobretudo em tempos de Reboleixo, quando as letras de sucesso se resumem a um monte de vogais. Até parece que os compositores de sucesso não conseguem mais combinar consoantes e vogais para nos dar lindas melodias como antigamente!
Paulo Moura era um mestre do clarinete e do saxofone. Mais que isso, era um gênio da música em toda sua excelência. Curiosamente, no dia anterior à sua morte – e eu nem sabia que ele estava doente – estávamos na casa da Vânia, noiva do violonista Roberto d’Oliveira, que integra o belíssimo duo Cordas e Janelas (o outro é o Márcio Brito, que já se recupera de uma cirurgia no pulmão).
Era aniversário do Roberto e, lá pelas tantas, ele colocou para tocar uma música de Tom Jobim interpretada justamente por Paulo Moura. Curiosamente, ao fazermos uma roda de violão, meu parceiro Valter Braga tocou e cantou um samba genial que dedicou ao cavaquinista e dono do bar Pedacinhos do Céu, que infelizmente está fechado.
A composição foi inspirada justamente por um episódio cujo protagonista teria sido o Paulo, se ele não tivesse faltado a um encontro do qual provavelmente nem sabia. Eu conto essa história no livro Caiçara, que lancei em 2008 pela coleção BH – A cidade de cada um, da Editora Conceito. Peço licença para transcrever dois parágrafos da página 62, nos quais explico melhor:
“De tão frequentado, o lugar (Pedacinhos do Céu) já tem seu folclore. Lembro o dia em que Valter Braga ligou todo animado, dizendo que ia levar Paulo Moura até lá. O Ausier serviria um jantar e disse ao meu parceiro musical para convidar alguns amigos. Quando lá chegamos, fomos informados de que a mulher e empresária do famoso clarinetista o havia proibido e a seus músicos de saírem do hotel. O show seria realizado na manhã de domingo e ela não admitiria atrasos nem ressaca.
“A decepção do anfitrião foi tamanha que mandou cancelar o frango com quiabo. Valter disse que não carecia, pois o resto da moçada estava presente. No final da noite, o garçom nos trouxe a dolorosa. Pegamos e saímos cabisbaixos, mas o Valter não deixou por menos, Dias depois, mostrou-me o samba ‘puxão de orelha’ que havia feito, intitulado Meu caro Ausier:
O frango com quiabo
Que você nos prometeu
E não saiu
Que a culpa foi do Paulo
Que foi primeiro de abril…
– Desculpas mil –
Me veio agora na memória, Ausier
Pois é, fazer o quê?
Escorregaste e ficamos sem cocó
(Só com a cara de bocó)
Mulher é o diabo
E, quando quer, faz do rapaz um zé-mané
E a moça do prezado
Não deixou que ele fosse ao fuzuê
Não é só o Paulo que tem boca, Ausier!
Você fincou o pé
E não é legal deixar a turma na pior
(Teve um ali que desmaiou)
O estrambo na cacunda
Cadê sua panela funda, Ausier?
O ronco que retumba
Não é choro de cuíca
A dica que te dou é ligar
Nos convidando pr’outro jantar
Ou pode ser almoço
Que a galera vai gostar.”
Apenas a título de esclarecimento, devo lembrar que a música e a letra são do Valter. Ele ganhou o prêmio de melhor letrista no Festival da Nova Música Brasileira, da TV Cultura de São Paulo, com Hai-Cai Baião, musicado por Renato Motha. Curiosamente, em nossas mais de 20 parcerias, ele me passou as melodias para que eu colocasse letra. Nem precisava, concordam?
Pois é, Lígia
Festa no céu.
Passarinhos com bocas de todos os tamanhos estarão cantando por lá.
Abraços a todos.
Daniel
Mano Fernando, pois já dei muita aula para jovens atores com a música do Paulo Moura servindo de guia para os movimentos. Em arte temos irmandades. Somos irmãos de artistas com os quais nunca nos encontramos. Patrícios e conterrâneos de artistas de outras nações. Assim que sou conterrâneo de Brecht, Stanislavski, Tchekov, O’neill, mais do que de muitos brasileiros, do mesmo modo que Paulo tem seus conterrâneos espalhados pelo mundo.
abraço, mano blogueiro.
Querido Jorge,
eu também fiquei pasma ao saber da morte do Paulo ontem à noite, nem sabia que ele estava doente… É, mais um bamba do saxofone que vai antes do combinado… (Me lembrando do querido José Eymard, que nos deixou tão cedo…)
Bela homenagem e merecida, Jorge. Agora um aparte para o Valtinho: o samba é mesmo genial, uma delícia! O Valtinho é outro craque! Com certeza, Daniel, o Bandeira escreveria esta estória e acrescentaria, de fundo na cena, o samba. Aí, seria festa no céu, com certeza!
Abraços carinhosos pra vocês, Jorge e Valter,
Lígia Jacques
Ler coisa bonita assim, ao final da tarde, deixa a gente melhor, mais leve, mais feliz. Com certeza Paulo Moura marcou sua passagem entre nós e se sentirá tocado por tão delicada homenagem. Abraço,
Cristina
Bandeira escreveu Irene no céu e Pasárgada. E se tivesse escrito algo para a ida de Moura?
Talvez fosse assim, ó:
“Dá licença, meu branco”, disse Paulo Moura a Tom Jobim, na porta do céu.
“Entre, Paulo, você trouxe o saxofone?”.
Com os olhos sorrindo, apenas mostrou o instrumento escondido atrás de si ao maestro.
E foram, ambos, juntos, ver as garotas de Ipanema do paraíso.
E em Pasárgada tem de tudo. É outra civilização…”.
Abraços!
Daniel