Jorge Fernando dos Santos

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Uma coisa é o escritor, outra coisa é o livro. Embora muitas vezes a crítica e o leitor comum confundam os dois, nunca é demais ressaltar que o autor e a obra são autônomos e que devem ser julgados conforme suas qualidades intrínsecas. Portanto, não se deve exigir coerência do escritor, mas analisar sua obra no próprio contexto da narrativa e do momento em que foi escrita.

Isso significa que o autor pode ser um reacionário confesso e construir uma obra inovadora, quando não revolucionária. Por outro lado, pode ter um discurso engajado, pretensamente revolucionário e, contraditoriamente, escrever algo conservador. Afinal, onde estão os adeptos do realismo socialista imposto pelos soviéticos? Que contribuição estética eles prestaram aos cânones literários? Uma vez no poder, todo revolucionário se torna conservador e a maior prova disso foi o estalinismo.

A história está repleta de exemplos que comprovam a tese. É o caso do poeta norte-americano Ezra Pound e do romancista francês Louis-Ferdinand Celine. Ambos colaboraram com os nazistas e, apesar disso, escreveram obras literárias à frente do seu tempo. O argentino Jorge Luis Borges apoiou a ditadura militar em seu país por temor aos peronistas e, no entanto, tornou-se um dos maiores escritores de todos os tempos.

E não precisa ir longe. No Brasil, ninguém foi tão achincalhado pela esquerda quanto o dramaturgo carioca Nelson Rodrigues. Acusado de reacionário e amigo dos militares, ele criou uma obra teatral inovadora, incomodando os moralistas e conservadores de sua época. Enquanto isso, o romancista baiano Jorge Amado foi comunista de carteirinha, chegou a ser influenciado pelo realismo socialista, tornando-se um autor popular de livros importantes, mas que nada acrescentam à literatura universal. Ao contrário dele, o misterioso e nada discursivo Guimarães Rosa construiu mineiramente uma das obras mais surpreendentes do século XX.

Na era das celebridades, um livro se torna best-seller muito mais em função do autor do que do seu conteúdo literário. Exceção para Ernest Hemingway, que embora tenha investido como poucos no marketing pessoal conseguiu escrever contos e romances que mudaram os rumos da literatura contemporânea. Por outro lado, se o grande Chico Buarque assinasse José da Silva, provavelmente seus belos romances passariam em branco sobre a mesa da crítica. Esta se mostra cada vez mais comprometida com a moda, em detrimento da formação de leitores.

No livro A literatura em perigo, o historiador búlgaro Tzvetan Todorov dirige sua crítica aos professores universitários, que preferem ensinar métodos literários ao invés de focar seus esforços em aproximar o estudante das obras literárias. Segundo ele, “na escola não aprendemos o que falam as obras e sim o que falam os críticos”. Essa análise inspirou um interessante texto de Luiz Rebinski Júnior publicado no site Digestivo Cultural, evocando o inglês George Orwell, que já no seu tempo criticava o estruturalismo.

No Brasil, podemos constatar a maneira como as universidades trabalham os livros. A começar pelos exames de vestibular, que obrigam jovens literariamente malformados a lerem calhamaços que fogem à sua compreensão para depois sabatiná-los com questões subjetivas – que, geralmente, exigem respostas objetivas. Eu mesmo já vivi a experiência de errar duas questões – de um total de três – sobre um texto de minha autoria incluído no vestibular da UFMG.

O resultado catastrófico da maneira como muitas escolas tratam a literatura pode ser medido por meio do tráfico de resumos de livros e cópias xerografas de obras clássicas e/ou contemporâneas. O que muitas vezes se percebe é que a grande maioria dos estudantes não está diretamente focada no conteúdo da obra, mas interessada em passar de ano ou adentrar a universidade o mais rápido possível.

É uma pena que isso ocorra, pois somente por meio da leitura de bons livros é que nos tornamos de fato bem informados – e formados enquanto cidadãos. Mesmo que a música, o cinema, o teatro e outras modalidades artísticas contribuam para o engrandecimento do espírito humano, somente por meio da boa leitura é que podemos de fato alicerçar nossos conhecimentos e vivenciar as mais profundas  moções.

Em outras palavras, podemos afirmar que fora do livro não há civilização que se sustente nem indivíduo que se complete. E graças à mídia, às redes sociais e às instituições de ensino ainda estamos a confundir autores e obras, livros e métodos críticos, leitura e análise. A obra literária é quase sempre subjetiva, permite as mais variadas análises e só se completa depois de ser digerida pelo leitor. Este, por sua vez, descobrirá uma outra obra – e ainda outra – em futuras releituras. E esse é um  os fatores que fazem da literatura a mais admirável das artes.

  •  Texto publicado no site Tiro de Letra.

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Uma coisa é o escritor, outra coisa é o livro. Embora muitas vezes a crítica e o leitor comum confundam os dois, nunca é demais ressaltar que o autor e a obra são autônomos e que devem ser julgados conforme suas qualidades intrínsecas. Portanto, não se deve exigir coerência do escritor, mas analisar sua obra no próprio contexto da narrativa e do momento em que foi escrita.

Isso significa que o autor pode ser um reacionário confesso e construir uma obra inovadora, quando não revolucionária. Por outro lado, pode ter um discurso engajado, pretensamente revolucionário e, “contraditoriamente”, escrever algo conservador. Afinal, onde estão os adeptos do realismo socialista imposto pelos soviéticos? Que contribuição estética eles prestaram aos cânones literários? Uma vez no poder, todo revolucionário se torna conservador e a maior prova disso foi o estalinismo.

A história está repleta de exemplos que comprovam a tese. É o caso do poeta norte-americano Ezra Pound e do romancista francês Louis-Ferdinand Celine. Ambos colaboraram com os nazistas e, apesar disso, escreveram obras literárias à frente do seu tempo. O argentino Jorge Luis Borges apoiou a ditadura militar em seu país por temor aos peronistas e, no entanto, tornou-se um dos maiores escritores de todos os tempos.

E não precisa ir longe. No Brasil, ninguém foi tão achincalhado pela esquerda quanto o dramaturgo carioca Nelson Rodrigues. Acusado de reacionário e amigo dos militares, ele criou uma obra teatral inovadora, incomodando os moralistas e conservadores de sua época. Enquanto isso, o romancista baiano Jorge Amado foi comunista de carteirinha, chegou a ser influenciado pelo realismo sociliasta, tornando-se um autor popular de livros importantes, mas que nada acrescentam à literatura universal. Ao contrário dele, o misterioso e nada discursivo Guimarães Rosa construiu mineiramente uma das obras mais surpreendentes do século XX.

Na era das celebridades, um livro se torna best-seller muito mais em função do autor do que do seu conteúdo literário. Exceção para Ernest Hemingway, que embora tenha investido como poucos no marketing pessoal conseguiu escrever contos e romances que mudaram os rumos da literatura contemporânea. Por outro lado, se o grande Chico Buarque assinasse José da Silva, provavelmente seus belos romances passariam em branco sobre a mesa da crítica. Esta se mostra cada vez mais comprometida com a moda, em detrimento da formação de leitores.

No livro A Literatura em Perigo, o historiador búlgaro Tzvetan Todorov dirige sua crítica aos professores universitários, que preferem ensinar métodos literários ao invés de focar seus esforços em aproximar o estudante das obras literárias. Segundo ele, “na escola não aprendemos o que falam as obras e sim o que falam os críticos”. 

Essa análise inspirou um interessante texto de Luiz Rebinski Júnior publicado no site Digestivo Cultural, evocando o inglês George Orwell (1984 e A Revolução dos Bichos), que já no seu tempo criticava o adeptos do estruturalismo literário.

No Brasil, podemos constatar a maneira como as universidades trabalham os livros. A começar pelos exames de vestibular, que obrigam jovens literariamente mal-formados a lerem calhamaços que fogem à sua compreensão para depois sabatiná-los com questões subjetivas – que, geralmente, exigem respostas objetivas. Eu mesmo já vivi a experiência de errar duas questões – de um total de três – sobre um texto de minha autoria incluído no vestibular da UFMG.

O resultado catastrófico da maneira como muitas escolas tratam as literatura pode ser medido por meio do tráfico de resumos de livros e cópias xerografas de obras clássicas e/ou contemporâneas. O que os autores muitas vezes percebem é que a grande maioria dos estudantes não está diretamente focada no conteúdo da obra, mas interessada em passar de ano ou em adentrar a universidade o mais rápido possível.

É uma pena que isso ocorra, pois somente por meio da leitura de bons livros é que nos tornamos de fato bem informados – e formados enquanto cidadãos. Mesmo que a música, o cinema, o teatro e outras modalidades artísticas contribuam para o engrandecimento do espírito humano, somente por meio da boa leitura é que podemos de fato alicerçar nossos conhecimentos e vivenciar as mais profundas emoções.

Em outras palavras, podemos afirmar que fora do livro não há civilização que se sustente nem indivíduo que se complete. E graças à mídia e às instituições de ensino ainda estamos a confundir autores e obras, livros e métodos críticos, leitura e análise de obras. A obra literária é quase sempre subjetiva, permite as mais variadas análises e só se completa depois de ser digerida pelo leitor. Este, por sua vez, descobrirá uma outra obra – e ainda outra – em futuras releituras. E esse é um dos fatores que fazem da literatura a mais admirável das artes.

 

 

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