Jorge Fernando dos Santos

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Mãe é um negócio tão besta que todo mundo tem uma. Da baleia ao jaburu, passando pela cobra e o morcego, até chegar ao homo sapiens, mãe é mãe e estamos conversados. Nós, os mamíferos, começamos a vida mergulhados em suas águas, no útero que imita o universo na forma e no som. Afinal, o tuntuntun do coração materno é o primeiro ruído que a gente escuta e nada mais é do que um eco distante do big bang. E o curioso é que mãe é um troço tão bem bolado que ninguém jamais morreu afogado no líquido amniótico. Adão com certeza foi um cara feliz por não ter tido sogra, mas já imaginaram a frustração que ele sentiu ao ver os filhos sendo amamentados por Eva?

Mãe é uma coisa tão necessária que nem mesmo a fé cristã, com aquela história machista de Pai do Céu, conseguiu expurgar do inconsciente coletivo a sombra da Grande Mãe. Maria, feminino de mar – talvez numa alusão ao fato da vida ter surgido no oceano –, foi escolhida para ser a mãe de Jesus. O que ela não sabia é que mais tarde seria promovida a Mãe de Deus. Por essas e outras, uma vez Fernando Sabino perguntou a Murilo Rubião se ele acreditava em Deus. “Não”, foi a resposta. “Mas tenho muita fé em Nossa Senhora.” E tem até uma piada, segundo a qual o filho dela defendia uma pecadora contra a multidão: “Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. E eis que um cascalho cruzou o espaço e rachou a testa da coitada. Jesus, enfurecido, bradou: “Fique fora disso, mamãe…”

Na hora do suplício, o Filho de Deus olhou para cima e perguntou ao Pai por que Ele o havia abandonado. Diante do silêncio, olhou para baixo e consolou-se ao ver Maria aos pés da cruz, com os olhos vermelhos de dor. A Bíblia não conta, mas com certeza lá também estavam as mães dos dois ladrões que foram crucificados ao lado de Jesus. No entanto, dor maior foi a da mãe de Judas. Afinal, o filho pode ser um canalha, que aos olhos da mamãe continuará sendo sempre “o meu guri”. Fico pensando na reação da mãe de Freud, quando ele se atreveu a falar do complexo de Édipo: “Deixa de besteira, menino, e vem jantar antes que a comida esfrie”. Enquanto isso, a super-mãe do velho Jack explicava as coisas pacientemente: “Vamos por partes, meu filho, vamos por partes”.

Em outras palavras, mãe não é gente, é instituição. E é um negócio tão sério que para ofender um homem basta xingar sua genitora. Juízes de futebol que o digam. Aliás, todo esse blá-blá-blá é só para confessar que eu sinto uma falta danada da minha mãe. Não pela data propriamente dita, pois a única vantagem de não ter mãe é ser poupado do almoço do Dia das Mães. Mas ai daquele que só lembra dela nesse dia! O filho da mãe mata a velha de preocupação o ano inteiro, e no segundo domingo de maio aparece com a maior cara-de-pau, saboreia a melhor macarronada do mundo e nem se oferece para lavar os pratos.

Pra dizer a verdade, eu sinto saudade até das palmadas que levei quando era criança. A mão da minha mãe parecia ser tão grande e pesada! De repente, virei marmanjo e aquela mão ficou miúda e leve feito pluma dentro das minhas mãos. E hoje, que a minha mãe vive de prosa com a Mãe do Céu, percebo finalmente que grande e pesada é a mão do mundo. Afinal, quando querem, as mães também podem ser terríveis, mas o mundo – geralmente – consegue ser bem pior.

  • Crônica publicada no Estado de Minas e incluída na coletânea homônima (Ed. Ciência Moderna).

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