Jorge Fernando dos Santos

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Uma onda de violência assola o País de Norte a Sul. E não me digam que estou exagerando, pois no Brasil mata-se mais que nos conflitos do Oriente Médio. Estão assaltando até delegacia, isso quando policiais e presidiários não estão envolvidos na prática do crime. E no terror ao qual estamos submetidos, algumas pessoas são levadas a protagonizar histórias no mínimo inusitadas, que viram folclore no imaginário da população das grandes cidades.

É o caso daquela moça que esperava ônibus na Afonso Pena, perto da Praça Sete, altas horas da noite, e que ficou assustada ao ver um elemento suspeito atravessar a avenida vindo em sua direção.
O sujeito estava descalço e maltrapilho, com o paletó rasgado e o cabelo despenteado. Ela sentiu o coração acelerar e percebeu os efeitos da adrenalina no sangue. Engoliu seco e olhou em volta a tempo de ver um homem boa pinta e bem vestido, que estava de pé sob a marquise logo adiante, provavelmente também à espera do “busum”.

A moça não teve dúvida. Quanto mais o sujeito maltrapilho se aproximava, mais ela foi se chegando para o lado do outro, Cinderela assustada na esperança de ser protegida. Ao se aproximar, foi logo agarrando o braço do boa pinta, dizendo-se apavorada e pedindo que ele fingisse ser seu namorado. O galã de subúrbio nem vacilou. Havia bebido umas boas doses e não conseguira arrastar ninguém do pagode de onde vinha. Abraçou a moça e foi logo beijando-lhe a boca, o que naturalmente fez com que ela se retraísse. O bafo de uísque barato embrulhou seu estômago.

“Que é isso, neném? Vem quente que eu tô fervendo”, disse o oportunista com a indefesa donzela nos braços e as mãos apalpando a maciez de suas nádegas.

A moça ficou desesperada e começou a se debater, gritando por socorro. O tal sujeito maltrapilho chegou ao passeio e agarrou o agressor, puxando-o pelo colarinho branco e aplicando-lhe um sopapo de direita bem no meio da fuça. O boa pinta caiu no passeio com o nariz sangrando e, antes que o outro continuasse o que havia começado, ficou de pé e saiu cambaleando em direção à praça.

“Você está bem?”, disse o maltrapilho, amparando a moça que o observava de olhos arregalados.

” Estou…”, ela balbuciou sem entender direito o que se passava.

” A violência tá fugindo ao controle”, disse ele. “Imagine que eu acabo de ser assaltado por dois pivetões, ali perto da Igreja São José…”

Conversa vai, conversa vem, o ônibus noturno apontou na esquina e os dois fizeram sinal. Moravam no mesmo bairro e nem se conheciam. Tornaram-se amigos e depois namorados. E a última notícia que eu tive deles é que já estão de casamento marcado.

  • Crônica incluída na coletânea “Todo Mundo é Filho da Mãe” (Ed. Ciência Moderna).

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