O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira, 10 de junho, o julgamento da constitucionalidade das biografias não-autorizadas. Os juízes vão decidir sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) contra liminares que visam proibir esse tipo de publicação.
Os editores nacionais contestam o Artigo 20 do Código Civil, segundo o qual “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas (…)”.
O tema foi polemizado no ano passado por compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Roberto Carlos, reunidos no grupo Procure Saber, que defende a proibição de biografias não-autorizadas. Contudo, se o Artigo 20 do Código Civil prevalecer sobre a Constituição Federal, estará em risco a própria liberdade de expressão.
Para ser plena, nenhuma democracia pode admitir qualquer forma de obstáculo aos direitos de opinião e informação. Nem mesmo a intenção do PT de implantar o chamado “controle social da mídia” faz sentido num país cuja cidadania já foi tão ultrajada pelo arbítrio e pela censura praticada por regimes autoritários. Ou a imprensa é livre ou não é imprensa. Os excessos devem ser discutidos nos tribunais.
Interesse público
Escrevo o presente texto com o devido conhecimento de causa. Incansável leitor de biografias das mais variadas, tenho no prelo da Geração Editorial o livro “Vandré – O homem que disse não”. Estou convicto de que em momento algum comprometo o caráter ou a trajetória do compositor biografado, que se tornou um dos maiores enigmas da cultura nacional.
Uma biografia nada mais é que uma reportagem alentada sobre a vida de uma personalidade de interesse público. Esse tipo de narrativa ajuda a contar a História e a refrescar a memória nacional. O mais lamentável na ação do grupo Procure Saber é ver artistas que foram vítimas do regime militar pregando a volta da censura em benefício próprio.
Convém lembrar que nem todos os biógrafos estão interessados na vida dos artistas. Existem autores empenhados em desvendar a trajetória de políticos, estadistas e ditadores; e outros que escrevem sobre personalidades que contribuíram para o avanço social ou nas diferentes áreas do conhecimento humano.
Será um descalabro se o Artigo 20 do Código Civil prevalecer em vigor, principalmente após a conclusão dos trabalhos da Comissão da Verdade nomeada pelo governo federal para esclarecer os crimes praticados pelo regime militar. Quem não autoriza a própria biografia geralmente tem algo a esconder.
Memória nacional
Uma das alegações dos artistas do Procure Saber é que o biógrafo ganha dinheiro nas costas do biografado. Isso denota total falta de conhecimento sobre a realidade do mercado editorial brasileiro, no qual a maioria dos autores sobrevive de outras profissões ou paga do próprio bolso para ver seus livros editados. Foi o caso do jornalista Vitor Nuzzi, outro biógrafo de Geraldo Vandré.
Num país que não conhece a própria História, as biografias prestam um importante serviço à memória nacional. Aqueles que se sentem caluniados ou ultrajados podem recorrer à Justiça, direito este garantido pelo Código Penal. Portanto, não é necessária a proibição prévia de um livro para proteger reputações.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as biografias circulam livremente, sem nenhum obstáculo legal. A não ser em casos de processo que comprove a prática de crimes previstos em lei, os biógrafos gozam de total liberdade para exercer o seu ofício. Isso faz com que os leitores tenham ao seu dispor dezenas de biografias de personalidades históricas e ídolos do show business.
Exigir autorização prévia para a publicação de um livro – qualquer que seja ele – é abrir um perigoso precedente que cedo ou tarde dará caminho para a volta da censura, representando assim um retrocesso político. Em outras palavras, a plena liberdade de expressão é o principal sustentáculo da democracia.
* Também publicado no blog de Galeno Amorim e nos sites Dom Total e Tiro de Letra.