Jorge Fernando dos Santos

A preço de banana

Além do leilão em si, chamou atenção o interesse do público pela suposta “obra de arte”

Dia desses, na Sotheby’s de Nova York, o empresário de criptomoedas chinês Justin Sun arrematou uma banana num leilão de artes pela bagatela de 6,2 milhões de dólares. Isso mesmo, mais de 35 milhões de reais por uma simples banana colada numa parede com fita adesiva.

A “obra de arte”, se é que podemos chamar assim, era assinada pelo artista italiano Maurizio Cattelan. Em 2019, ele já tinha causado polêmica, ao estrear na Art Basel de Miami. Na ocasião, seu trabalho exposto atraiu tanta gente que acabou sendo retirado de cena pela segurança, para evitar danos às outras obras. Talvez, da próxima vez, amarre no pescoço uma melancia, já que gosta de causar.

Sun foi aconselhado por Cattelan a substituir a banana comprada antes que apodrecesse. O comprador, por sua vez, declarou que pretendia comê-la. Penso que nem mesmo os mestres do movimento dadaísta imaginaram algo tão absurdo. Que me perdoem os inteligentinhos, pois sou do tempo em que “a preço de banana” era só uma expressão para definir algo de custo irrisório.

Sinal dos tempos, comentei com os meus botões ao saber da notícia. Esse tipo de coisa comprova a imbecilidade humana e a própria decadência do intelecto na era moderna. Arte, no meu entender, seria aquilo que desperta reflexão e sensibiliza as pessoas, contribuindo para melhorar a nossa espécie. E pensar que o gênio Van Gogh não vendeu nenhum quadro enquanto estava vivo! Vendeu um para o irmão Teo, mas irmão não conta.

O fim da crítica

Perguntei uma vez ao poeta Ferreira Gullar por que motivo ele tinha desistido de ser crítico de arte. A resposta foi categórica: “Hoje, o maior número de exposições é de coisas sobre as quais não pode haver crítica. Um cara faz um chapéu enorme e bota cinco pessoas embaixo, você vai dizer o quê? Que o chapéu está grande? Que deveria ter dez ou mais pessoas ali embaixo? O crítico não tem nada a dizer sobre isso… São improvisos e às vezes é uma coisa esnobe, a novidade pela novidade, o exotismo pelo exotismo”.

Por incrível que pareça, nada disso me causa surpresa. Nunca antes, em tempo algum, a verdadeira arte foi tão vilipendiada pelo próprio mundo das artes. Nos dias de hoje, com poucas exceções, vale mais o engajamento, a pose, o discurso e a procedência do suposto artista do que o valor estético de sua obra. Num cenário como esse, a crítica de fato não tem mais lugar.

Em nome do politicamente correto, somos levados a aplaudir o medíocre em detrimento do criativo. No entanto, vale perguntar quais foram, por exemplo, os grandes escritores adeptos do “realismo socialista” na Rússia de Stalin. Nenhum deles chegou perto de Dostoievski, Gogol, Tolstói, Tchekov ou Turguêniev. Estes, sim, verdadeiros gênios da escrita, comprometidos com o ser humano.

Num mundo de ideias rasas e cada vez mais consumista, no qual a própria ideologia serve ao capitalismo como grife de propostas quase nunca originais, parece natural que tenhamos chegado a esse beco sem saída. Entre a burrice natural e a inteligência artificial, a arte deixou de ser uma forma de oração para se tornar uma cobra que engole o próprio rabo.

2 comentários em “A preço de banana”

  1. O comprador talvez quisesse apenas aparecer, ser notícia. Atingiu o objetivo, se era esse.
    Uma banana na parede (menos mau pra ele) causa menos danos à saúde do que dependurar uma melancia no pescoço.
    Quanto a obra, creio ser a versão “viva” da natureza morta. Viva e caminhando para o apodrecimento, ao contrário das naturezas mortas mais célebres.
    Quanto ao artista, valeu o “se colar, colou”: ele colou (com durex) a banana na parede, e a proposta colou.
    Mas há que se enaltecer a mensagem explicitada no conselho dado ao comprador: o papel da verdadeira arte é provocar mudanças, e nunca ser estática.
    No caso desta, mudanças supostamente aconteceram. Ao longo do processo digestivo.
    E o destino final fica na esfera privada. Literalmente, e por direito.
    Em que pese não se poder dizer ter sido precedido por uma descarga de criatividade.
    A mesma, em nada criativa e sim “de praxe”, deve ter sido (recomenda-se) “a posteriori”.
    Os rumos que a arte hoje toma já tem-nos custado caro?
    Tem. Literalmente. $$$$$

    1. Essas grandes galerias não tratam de arte. Tratam de vendas.
      Muitas delas, não sei se todas, trabalham também com lavagem de dinheiro. De muito dinheiro.
      As artes e os artistas continuam tentando produzir coisas de valores e criatividade, apesar dessas empresas que comercializam objetos de arte e picaretagens no mesmo lugar.

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