Um dos filmes que disputaram o Oscar 2024 acaba de estrear no Prime Vídeo sem nem mesmo passar pelos cinemas do Brasil. Trata-se de Ficção americana, adaptado do livro Erasure, de Percival Everett, ainda inédito no país. O longa marca a estreia do diretor Cord Jefferson e é estrelado pelo excelente Jeffrey Wright, no papel do escritor fictício Thelonius “Monk” Elisson.
Monk é um escritor negro cujos livros vendem pouco por serem considerados “difíceis”. Afinal, os tempos mudaram e a cultura woke praticamente domina o mercado editorial. Dessa forma, mais vale o discurso embutido na trama do que a qualidade da obra. Contrário a essa corrente, Monk reage escrevendo um livro sob pseudônimo e, com isso, volta às livrarias em grande estilo.
Não por acaso, o nome do protagonista é o mesmo do grande jazzista Thelonius Monk (1917-1982). Já o sobrenome alude ao romancista e crítico literário Ralph Elisson (1914-1994), vencedor do National Book Award em 1953 com o romance Homem invisível – obra pioneira sobre o racismo e a condição dos negros na sociedade norte-americana de sua época.
Clichês e estereótipos
Afastado da escola onde leciona, Monk retorna ao convívio dos familiares em sua cidade natal e se depara com a realidade que havia abandonado. Coincidentemente, sua mãe (interpretada por Leslie Uggams) apresenta sintomas de Alzheimer, sua irmã (Tracee Ellis Ross) morre de repente e seu irmão (Sterling K. Brown), que recentemente assumiu a homossexualidade, tenta recuperar o atrasado levando a vida na esbórnia.
Para surpresa do escritor, que se vê à beira da depressão e do colapso criativo, surge a ideia de criar uma história sob pseudônimo, diferente de tudo o que já escreveu. Dessa vez, ele exagera nos clichês em torno dos afro-americanos, começando pelo fato de se passar por um delinquente recém-fugido da prisão. Seu objetivo é chocar os editores brancos, que faturam alto com esse tipo de literatura.
Para nova surpresa de Monk, seu agente Arthur (John Ortiz) vende os originais por uma pequena fortuna e o livro se torna um best-seller antes mesmo de sair do prelo. Misturando momentos cômicos e dramáticos, sem necessariamente aprofundar o tema abordado, Ficção americana reúne um bom elenco e tem o mérito de colocar o dedo numa ferida que muitos tentam evitar.
Na verdade, toda a discurseira do politicamente-correto sustenta os clichês sobre as minorias e movimenta milhões no mercado das artes, particularmente dos livros. Para serem publicados e ganhar espaço na mídia, muitos autores levantam bandeiras e alimentam estereótipos em detrimento da qualidade literária. Vale, no entanto, perguntar se seus livros conhecerão a posteridade.
A cultura woke tá destruindo a arte e deixando as pessoas retardadas.
Vou assistir ao filme, seguindo sua sugestão.
Só uma sugestão, para ser menos viralata, devíamos chamar esse negócio de culpa cristã.
Faz mais sentido e fica mais democrático para o entendimento do leitor brasileiro.
Muito boa e motivadora sua sinopse!!! Vou assistir o filme!!!
Não vi. Portanto, não tenho muito a dizer sobre o filme em si.
Mas… a sinopse apresentada na crônica remete-me ao ocorrido com a escritora Mary Shelley, autora de “Frankenstein”, que precisou contar com certa “pressão” do marido famoso, para figurar como autora.
A uma mulher não era permitido escrever sobre tema tão aterrorizante.
O personagem do filme contou com a astúcia do editor, que soube “vender o peixe”.
Seria algo como a fórmula holywoodiana do final feliz, na qual o editor seria a fada madrinha de Cinderela?
É bem o que entendo como “Ficção Americana”, realmente.
Sem tirar, nem por.
No caso de Cinderela, a carruagem transforma em abóbora, à meia-noite.
No caso do pseudônimo jazzístico escolhido, o maior sucesso de Monk foi e é “‘Round Midnight”.
Coincidências não existem.
Assim como editores Doctor Frankenstein também não.
Nem mesmo o Coronel Tom Parker, empresário de Elvis Presley, o era.
Aparentemente, um bom filme para se ver como autores, editores e mercado lidam com os pepinos (ou abóboras) do universo literário.
Jorge, ainda não vi Ficção Americana, mas agora tenho mais um motivo para conferir o filme. Identifiquei-me de cara com o escritor negro. Ademais, estou quase adotando um pseudônimo para me relançar no mercado na terceira idade.
Abraços.
Vou ver amigo, mas o Oscar não é mais o mesmo. Abraço
Esse filmaço satiriza como Hollywood muitas vezes reduz a experiência afro-americana a estereótipos e “trauma porn” que é uma forma de mídia que explora o sofrimento alheio de maneira sensacionalista, muitas vezes à custa da autenticidade e da compreensão verdadeira da experiência das pessoas afetadas (em vez de abordar a realidade da experiência do grupo marginalizado, amplifica o impacto emocional para atrair a atenção do público). A indústria frequentemente explora histórias de sofrimento e dificuldades, em vez de abordar a riqueza e a diversidade da experiência negra.
Não assisti ao filme, ainda, porém vou me atentar e me apegar ao último parágrafo do artigo, como sempre, tão bem escrito! Não resta nenhuma dúvida de que há uma busca insana pelo, digamos, reconhecimento monetário, porém fica uma, estes cairão no esquecimento e, suas infelizes “obras” serão conduzidas a um limbo de onde nenhuma riqueza momentânea será capaz de resgatar. As traças serão sempre suas leitoras.
Em arte, pior que levantar bandeira é enfiá-la na cultura woke. O pior é que essa merda está apenas florescendo por aqui, quando nos EUA e na Europa já vem declinando. Depois reclamam que nosso país seja GBA. E é mesmo: grande, bobo e atrasado.
Sua sinopse motiva, vou ver o filme. Parabéns!