Jorge Fernando dos Santos

Adeus ao menestrel do Brasil

Entrevista com Juca Chaves em 1º/8/1990.


Morreu no último fim de semana, em Salvador, o menestrel maldito, Juca Chaves. Lembro de tê-lo entrevistado uma vez, a princípio para o Estado de Minas, onde eu trabalhava como repórter. Contudo, a matéria foi censurada e acabei vendendo-a para o Minas Gerais (Diário Oficial), no qual foi publicada em 03 de agosto de 1990. Juquinha estava em BH, apresentando o show Vergonha, no Palácio das Artes. Elegante e bem-humorado, mandou servir champanhe e caviar aos jornalistas que compareceram à entrevista coletiva, realizada num hotel que ficava no coração da Savassi. Vale notar a atualidade da nossa conversa:

            Por que Vergonha, o nome do show? Juquinha responde: “porque o show é uma vergonha. O Brasil é uma vergonha. Somos um país onde todo mundo torce para prender o ladrão e, quando prendem o ladrão, a imprensa vai cobrar os direitos humanos dele e não os da vítima”. Juca Chaves é assim mesmo: irreverente e demolidor. Mas é sobretudo um cavalheiro, capaz de interromper uma entrevista para cumprimentar o garçom. Aos cinquenta e um anos, ele defende a tese de que “ser jovem é saber envelhecer”. Recordando o início da carreira, há mais de trinta anos, declara: “quando eu decidi me dedicar à música popular, ela era a música popular do Brasil e não sofria tanta influência como hoje”. Sobre o rock, dispara: “o rock brasileiro já nasceu decadente, porque é a imitação de uma coisa que já é ruim”.

            Nascido Jurandir, a 22 de outubro de 1938, Juca Chaves cresceu em São Paulo ouvindo Schumann, Schubert, Beethoven, Dorival Caymmi, Lamartine Babo e Luiz Gonzaga. Seu pai, um judeu austríaco naturalizado brasileiro, foi dono da primeira fábrica de plástico do país. Aos seis anos, o menino Juquinha compôs sua primeira música, intitulada Hino aos cachorros. Já naquele tempo, demonstrava preocupação ecológica e seu respeito pelos animais, o que mais tarde o levaria a lançar a campanha “Troque seu cantor de rock por um cachorro”. Ainda na infância, revelou seu caráter irreverente e contestador: “a professora batia na minha mão e eu batia na mão dela”. Ele estudava no Colégio Mackenzie, um dos mais grã-finos de São Paulo. Mesmo sendo rico, o pai o empregou num banco, obrigando-o a cortar o cabelo e fazendo diminuir sua produção musical.

            Para o menestrel, “não há mais música no Brasil. E a culpa exclusiva é da má formação cultural dos diretores de televisão. O Brasil é um país que pouco lê e muito vê, daí a responsabilidade dessa gente. A coisa chegou a um ponto que, se eu perguntar a um sujeito se ele já viu um concerto sinfônico, ele vai pensar que isso é marca de camisinha. Eu toque fagote. Se eu disse pra uma menina ‘quer que eu mostre como é que se toca o fagote?’, ela vai dizer: ‘põe pra fora que eu chamo a polícia’”.

            Diante dos mais variados temas, Juca Chaves é direto. Responde sem pestanejar, sem medo dos rótulos que poderá receber. Foi combatido de todos os lados, da extrema direita à extrema esquerda, mas isso só serviu pra reforçar sua principal convicção: “a liberdade é o maior dos bens que um homem pode ter”. 

            Como você vê a crise do Brasil?

            – Só se fala em crise econômica, mas existem crises piores, como a crise na saúde e na cultura. Crise de identidade nem se fala, que essa nós já perdemos há muito tempo. A solução é fazer uma guerra contra o Japão e a gente perder. Nosso problema não é dinheiro. O Brasil é um país rico demais. O povo é que é pobre. Precisamos transformar o Brasil num país pobre com um povo rico, como é na Dinamarca, na Suécia, na Noruega.

            Você sempre critica a arquitetura brasileira.

            – A arquitetura brasileira é de extremo mau gosto e a gente só nota isso depois que vai à Europa.

            (Quando compôs Demolição, estudantes de arquitetura o convidaram pra ser paraninfo da turma. Juca disse que aceitava desde que a cerimônia de formatura fosse feita ao ar livre).

            Você acha que o Brasil é um país hipócrita?

            – Afundou o Bateau Mouche e o Brasil inteiro falou. Na mesma época, em Belém do Pará, afundou um ita com 230 desgraçados e pobres, e nenhum artista se levantou pra falar neles. Todo mundo se preocupa com a AIDS no Brasil, enquanto a difteria mata cinquenta vezes mais. Ninguém se preocupa, porque é doença de pobre.

            Como você vê a questão do meio ambiente, você que foi um dos primeiros a chamar atenção para o assunto?

            – A ecologia deveria ser aprendida no colégio. Se você não respeitar a natureza ou um animal, não pode respeitar nem o seu semelhante, que é um animal bem inferior. O racional é bem inferior ao irracional, pois ele não tem o dom de induzir e sim de deduzir. A Floresta Amazônica é uma mulher muito bonita, que foi estuprada e mal-amada por um péssimo marido que se chama brasileiro, e que anda com ciúme de um amante estrangeiro que nem sabe ainda o que vai fazer.

            Qual o seu envolvimento com a Bossa Nova?

            – Assim como o Elvis Presley virou o rei do rock sem nunca ter sido, pois o rei era o Bill Harley, eu virei o rei da Bossa Nova depois de Presidente bossa nova (música inspirada no presidente JK). É que o Elvis sabia mexer. Se o americano não sabe mexer na cama, quanto mais no palco… O defeito da Bossa Nova foi não ter a alegria que eu trouxe. O pessoal era muito quadradinho, muito introspectivo.

            Você sobreviver à ditadura militar. Como foi aquele período pra você?

            – Pior que a ditadura militar é a ditadura global. A Rede Globo e a revista Veja são proibidas de me citar. Dizem que eu não faço o tipo deles. Também não tem importância, porque elas também não fazem o meu tipo.

            Como você se relaciona com o dinheiro?

            – O dinheiro vale o que ele compra. Guardar dinheiro é perigoso, porque pode vir um rapaz de asa-delta e tomá-lo da gente.

            (O governo Collor havia lançado um novo plano econômico e confiscado o saldo das cadernetas de poupança).

            O novo pacote econômico penalizou inclusive a cultura.

            – Todo mundo fala que a cultura sofreu com o Plano Collor, mas que área da cultura? A minha, por exemplo, nunca dependeu de governo nenhum. Quem sofreu foram os gigolôs do dinheiro público, porque eram pessoas que viviam à custa do governo. Nunca ouvi dizer que uma Dercy Gonçalves ou uma Bibi Ferreira recebessem verbas do governo.

            E a mordomia dos políticos, será que vai mesmo acabar?

            – Pena que não foi cortada de todo. O presidente ainda não teve tempo de cortar a sua própria mordomia e a de sua família. Mas ele ainda chega lá (risos debochados).

            Você tem medo de morrer?

            – Nunca me preocupei com a morte, pois é o único contrato que eu já fechei. Sei que vou morrer um dia, embora digam que eu sou imortal. Sou um materialista e vejo que os espiritualistas é que têm medo da morte, talvez porque o céu não seja tudo aquilo que eles apregoam ou porque eles saibam que o que fazem não faz justiça ao céu ou ao deus que eles imaginam. As pessoas criam seus deuses para depois usá-los. Quanto mais religiosa a pessoa, mais hipócrita ela é.

            Juca Chaves por Juca Chaves.

            – Já foi considerado o menestrel maldito. Hoje ele é apenas o menestrel do Brasil.

1 comentário em “Adeus ao menestrel do Brasil”

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