
A operação armada contra uma das células do Comando Vermelho, na última terça-feira (28/10), nos complexos da Penha e do Alemão, resultou não apenas na morte de dezenas de traficantes e de quatro policiais, mas também num acirrado debate sobre o “direito dos manos”. É inacreditável que algumas pessoas defendam traficantes armados como se fossem vítimas da sociedade – ou dos usuários de drogas.
Sem entrar no mérito da ação policial em si, vale observar, como já disse Cláudio Castro, governador do Rio, que em países minimamente civilizados qualquer pessoa portando fuzil que não seja integrante de forças de segurança será prontamente presa ou abatida em nome da segurança pública.
Apesar das evidências, ainda existem aqueles que, por razões ideológicas e não propriamente humanitárias, condenam a ação armada do Estado contra o crime. Essa gente parece desconhecer o drama das populações dominadas por milícias e facções criminosas para as quais a vida humana nada representa – a não ser dividendos.
Enquanto esquerda e direita debatem o assunto sem apresentar solução plausível para o problema, a criminalidade conquista território em todo o país. Exemplo disso é a Amazônia. Segundo o ex-ministro e deputado federal Aldo Rebelo, a floresta se encontra dominada por várias facções. Também nos estados do Nordeste o crime avança como nunca, vide recentes denúncias do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes.
Tragédia anunciada
O Rio de Janeiro se tornou, ao longo dos tempos, um paiol de pólvora prestes a explodir. A ausência do Estado nas comunidades periféricas começou em 1897. Com o fim da Guerra de Canudos naquele ano, os soldados do Exército republicano se deslocaram para a Capital Federal em busca de trabalho e dos soldos prometidos pelo governo.
Sem lugar para morar com suas famílias – a exemplo dos escravizados libertados pela Lei Áurea -, os ex-combatentes se instalaram no Morro da Providência, onde surgiu a primeira favela. O nome, aliás, deriva do cenário de guerra. Em Canudos, na Bahia, as choupanas dos seguidores do beato Antônio Conselheiro eram cobertas com folhas de faveleiro, uma árvore típica daquela região.
Durante o “bota fora” do prefeito Pereira Passos, na década de 1910, os pobres que foram expulsos dos cortiços demolidos não tiveram outra opção, a não ser subir os morros e avançar para a Zona Norte, formando novas comunidades desassistidas pelo Estado. O melhor exemplo disso, anos depois, seria o surgimento da Cidade de Deus, tão bem retratada no filme homônimo de Fernando Meirelles.
Sem lei e sem ordem institucional, esses locais não demoraram a se submeter às regras do submundo. Os primeiros “coronéis” foram os poderosos bicheiros, além dos malandros e valentões desocupados. Na Baixada Fluminense, na década de 1960, figuras folclóricas como o deputado Tenório Cavalcante e sua metralhadora Lourdinha fariam justiça com as próprias mãos.
Sindicatos do crime
Durante os 15 anos do primeiro governo Vargas, a Capital Federal foi de certo modo beneficiada pelas ações do ditador gaúcho em sua tentativa de enfraquecer São Paulo desde a Revolução Constitucionalista de 1932. No entanto, com o fim dos cassinos decretado por Eurico Dutra, em 1946, a “cidade maravilhosa” começou a perder empregos, dinheiro e glamour.
A inauguração de Brasília em 1960 resultou na criação do charmoso Estado da Guanabara. A pá de cal se daria com o fim deste pela ditadura militar, em 1975. De lá para cá, o Rio de Janeiro foi sendo assolado pela crise financeira, somada ao aumento da pobreza e da corrupção institucional. O ambiente se tornou propício à criminalidade em vários níveis. Quatro governadores chegaram a ser presos e várias outras autoridades teriam ligações com o submundo.
Do convívio de presos políticos com marginais comuns nos cárceres da Ilha Grande, durante o governo militar, surgiu o Comando Vermelho (CV). Com o fim do sistema prisional da Ilha e a transferência dos condenados para os presídios do Rio, o modelo sindical do crime não demorou a subir os morros, gerando dissidências e outras facções na disputa de território.
A droga se tornou o motor do crime organizado. Recente operação conjunta da Polícia Civil de São Paulo e da PF desmantelou um grande esquema de lavagem de dinheiro do PCC, principal facção dos dias de hoje surgida nos presídios paulistas. Além do tráfico de armas e entorpecentes, o crime explora as comunidades onde atua, vendendo vários tipos de serviços sem direito à concorrência.
É inacreditável que o governo federal se recuse a classificar o crime organizado como terrorismo. Não bastasse o pânico vivido pelas comunidades, o modus operandi dessas facções é o mesmo de grupos armados como o Hamas e o Hezbollah, com os quais mantêm ligações. Mais inacreditável ainda é que a grande mídia ignore a existência do Foro de São Paulo. Mas esse é um tema para outro artigo, em outra ocasião.
Uma verdadeira aula de história, onde mostra as causas e as consequências. Parabéns pela excelente abordagem e pela assertiva elaboração do título da sua matéria.
Boa Jorge. Assino embaixo. Um abraço saudoso aqui da Grécia.
O Cláudio Castro,julgo-o incompetente e um homem de caráter débil.
O Rio de janeiros, fevereiros e todos os demais meses dos seculares anos que sucederam a sua fundação sempre foi um berço de exclusão social, desde o Estácio de Sá. E, como sabemos, exclusão social e bandidagem são irmãs gêmeas em qualquer lugar. Ainda mais ali, naquela cidade maravilhosa que volta e meia elege governantes fadados a serem futuros presidiários.
Não tenho nenhum tipo de piedade pelos que morreram como bandidos. Mas apenas pelos que não os eram, e seus familiares. Todos eles vítimas de uma cruel História. Uma História que precisa começar a ser reescrita com a negação das palavras que foram seu berço: dinheiro, poder, desumanidade.
Muito bom amigo Jorge.
O artigo , ao traçar a trajetória do abandono das populações pobres pelo poder público desde Canudos , é uma importante contribuição para entender a atual situação da criminalidade.
Desse ponto de vista , podemos recuar até a abolição da escravidão no Brasil , onde os recém libertos foram abandonados à própria sorte.
Bom fazer a leitura que não seja da imprensa comprada e sim de um jornalista de verdade e da verdade.
Parabéns, Jorge!!
Parabéns Jorge Fernando. Admiro o seu profundo conhecimento sobre o tema e também a sensatez. Disse muito bem!
Esta é a biografia da vergonha nacional. Só faltou a invasão da Rocinha.
O governador Cláudio Castro, representante do bolsonarismo raiz, é o responsável pelo genocídio que aconteceu no Rio de Janeiro.
Muito interessante seu ponto de vista, meu amigo. Permanecemos presos dentro de debates totalmente ideológicos e nos esquecemos de pensar. Um grande abraço, Jorge!
Jorge, qual a sua opinião sobre a PEC da SEGURANÇA, recusada por todos os governadores de direita? Faltou este tema a ser comentado no seu blogue.
Não dá pra falar sobre tudo ao mesmo tempo.
Excelente artigo! Diz tudo. Exaltação à impunidade, defesa de bandidos, desleixo com a Segurança Pública!
Parabéns!
Belo resumo da ópera
E tem mais. O reconhecimento do CV e PCC como “grupo terrorista” dará ao governo norte-americano a legitimidade de intervir internamente aqui, violando nossa soberania. Isso tem graves consequências. É tudo que a extrema direita quer. Geopolítica, meu caro, não é coisa para amadores!
E no mais, por que os governos da direita bolsonarista não querem a PEC da Segurança Pública? Temem que seus bandidos de estimação (milicianos, políticos corruptos…) percam a proteção?
Boa pergunta.
Análise lúcida e histórica. A REALIDADE nua e crua de um País órfão de valores.
Eita!
Como é bom ver jornalismo verdadeiro, sensato e racional. Parabéns Jorge!
Análise crítica e perfeita do fato e da história . Inacreditável ver pessoas que negam o momento nebuloso que vivemos.Parabéns, amigo..
Respeito sua ideologia, mas seria util aprofundar mais essa questão. Não podemos ser tão simplorios na análise de um problema social tão complexo.
Não se esqueça que morreram dezenas de pessoas que nada tinham a ver com crimes. Há relatos de decapitações inclusive, tiros na nuca com maos amarradas. Como bater palmas para essa bárbarie?
E mesmo que fossem bandidos barra pesada – e realmente sao, pois mantém a população de refem – , não é civilizado e nem etico normalizar a pratica do estado executar bandidos.
Não esqueça que quem está no topo do crime não mora em favela e nem dorme no chão. Os verdadeiros lideres das faccoes lavam dinheiro em Fintechs acarpetadas na Faria Lima, estão em cargos públicos. A PF fez uma operação em Sao Paulo extremamente bem planejada, com inteligência e estratégia, onde desbaratou um importante celula do PCC, se dar UM UNICO TIRO, prendendo cheirosos, ricos e brancos.
E por fim, saiba que no Rio o monopólio do crime organizado se divide entre milicias (policiais e políticos corruptos – familia e amigos de Bolsonaro envolvidos) e o Comando Vermelho. Cláudio Castro optou por querer eliminar a concorrência do CV.
Temos direito de ter a ideologia que quiser, mas abdicar da razão e da humanidade é atraso civilizatório!
Quem carrega fuzil não pode ser da paz.
Belo, preciso e necessário levantamento histórico do que, concordo, é uma tragédia anunciada.
Quanto aos que ainda defendem as “vítimas da sociedade” e os “bons moços esforçados” que “começam a trabalhar cedo”, permito-me lembrar dois sucessos de Chico Buarque: “Chame o Ladrão” (no caso, o traficante, visto por muitos como que garante a segurança – ????? – e a ordem local) e “Meu Guri” (o “olhar materal) para o “menino”.
Agora, é caminho sem volta: a omissão gera a permissão. Não existe Cristo no crime. Por muito tempo, o lavar as mãos pegou o cidadão honesto pra Cristo.
Cristo, ou Castro (não “aquele”), o jogo virou.