Jorge Fernando dos Santos*
No mundo apocalíptico não há lugar para solidariedade. Desolação e medo é tudo o que resta. Pai e filho são dois pontos que se movem na paisagem calcinada, rumo a lugar nenhum. Fugir e sobreviver é o que importa, mesmo que para isso seja preciso matar. Afinal, os “homens do mal” circulam em hordas, comendo lixo e carne humana. Esse é o enredo de A estrada, novo romance de Cormac McCarthy publicado no Brasil pela editora Alfaguara. São 234 páginas de puro suspense, de tirar o fôlego.
McCarthy nasceu em 1933, em Rhode Island, nos Estados Unidos, e serviu na Força Aérea americana. Em 1965, publicou o primeiro romance, The orchard keeper, sendo agraciado com o Faulkner Award, um dos prêmios literários mais importantes do país. Depois de um longo período fora da cena literária, voltou à carga em 1992, com Todos os belos cavalos, ganhador dos prêmios National Book Award e National Book Critics Circle Award. O romance inaugurou sua Trilogia da Fronteira, que inclui A travessia (1994) e Cidades da planície (1999). No Brasil, seu lançamento mais recente foi Onde os velhos não têm vez.
Prêmio Pulitzer deste ano, A estrada representa uma guinada na prosa de McCarthy, cuja temática até então dialogava com o universo do western, mas sob forte influência de clássicos modernos, como John Steinbeck e William Faulkner. Agora ele fala do fim do mundo, mas sem usar elementos característicos da ficção científica. Sua narrativa é existencialista e continua seca e objetiva, sem travessões nem aspas, ou qualquer tipo de artifício técnico que já tenha sido exaustivamente usado por outros autores. No Brasil, do ponto de vista estilístico, só encontra algum parentesco com o alagoano Graciliano Ramos.
Narrado na terceira pessoa, o livro começa em plena jornada dos dois personagens, cujos nomes não são revelados. O homem e o menino é como são identificados. Mesmo os diálogos limitam-se ao essencial, sem lugar para adjetivos ou exclamações. O leitor sequer tem muita noção das idades de ambos. Sabe-se apenas que um é suficientemente adulto e o outro, ainda criança, de no máximo 10 anos.
PESSIMISMO Mais que uma visão pessimista do futuro, A estrada pode ser interpretada como a grande metáfora da solidão e da indiferença. Também serve de alerta à intolerância entre os povos e ao consumismo desenfreado, que conduz o planeta à total exaustão, descartando de uma vez por todas os valores humanos.
Em momento algum McCarthy insinua os motivos da destruição do planeta. Guerra nuclear seria o mais provável, mas talvez tenha sido a queda de um asteróide, capaz de impor à raça humana o mesmo destino dos dinossauros. Ou seria o resultado final do efeito estufa?
O fato é que não há mais pássaros, peixes ou árvores vivas ao alcance do olhar. O céu permanece escuro, o clima frio e o mar parece de chumbo. A civilização foi reduzida a escombros, nos quais os sobreviventes se escondem feito ratos. Pai e filho perambulam pela estrada e levam com eles o “fogo” – talvez da esperança.
SERVIÇO
A ESTRADA
De Cormac McCarthy
Tradução: Adriana Lisboa
Editora Alfaguara, 234 páginas, R$ 33,90
* Publicado no caderno Pensar, do Estado de Minas