Brasília comemora meio século, mergulhada na dengue e na corrupção. Construída como símbolo da modernidade, a cidade espelha as contradições do Brasil. De um lado a classe política legislando e governando em causa própria; do outro, o povo, massa de manobra das elites nacionais. Sobra dinheiro para construções faraônicas, centros administrativos, mensalões, propinas, viagens, nepotismo e outras bossas. Faltam verbas para corrigir as injustiças que se acumulam desde sempre.
Nas festividades dos 50 anos da capital federal, políticos fazem discursos. Enquanto isso, a imprensa publica reportagens e coberturas especiais. No balanço geral, os erros do passado roubam a cena e se repetem no presente. “E o povo” – quem ousa perguntar? Esse permanece como figurante da história, multidão de caras iguais nos shows e em outros eventos comemorativos.
A tragédia ocorrida no Rio de Janeiro em decorrência das fortes chuvas de abril revela a dura realidade. Apesar das promessas de políticos de diferentes partidos ao longo de muitas décadas, o Brasil ainda não deu certo. No lugar da justiça social, oficializaram a esmola em forma de ajuda aos mais necessitados. Em vez de trabalho e boa educação, distribuem dinheiro na certeza de comprar o voto dos mais desesperados e menos esclarecidos.
Seria uma contradição se em Brasília o quadro fosse outro. No entanto, o Distrito Federal acaba de ter o governo deposto por mais um escândalo. Sua população periférica paga o preço da indiferença social, às voltas com doenças medievais, altos índices de violência, péssimas condições de moradia, trabalho e educação. A não ser pela arquitetura, não há nada de novo sob a linha do Equador. Enquanto isso, os políticos trafegam pelas ruas do Planalto em carros blindados, indiferentes à miséria e às aflições dos eleitores.
O curioso é que estamos em mais um período eleitoral e os candidatos que aí se apresentam ainda não perceberam o quanto atrasado é o discurso que se repete. Embora neguem as evidências, governo e oposição rezam na cartilha neoliberal. A grande imprensa, por sua vez, mostra-se pouco interessada em analisar o quadro eleitoral com o rigor merecido, pois precisa faturar de todos os lados para manter suas contas em dia.
Na ausência de proposições para um país perplexo e cansado de promessas vazias, os candidatos trocarão acusações no faz-de-conta das campanhas. Nenhum deles exibirá um projeto de governo que possa de fato apontar soluções para os problemas elementares do país. E enquanto isso, na quase certeza de ganhar tempo e ludibriar a opinião pública, os congressistas empurram com a barriga a votação do projeto Ficha Limpa, que evitaria a candidatura daqueles que respondem a processos na Justiça.
Brasília levou desenvolvimento ao Planalto Central, descentralizando a administração pública. No entanto, contribuiu para esvaziar o Rio economicamente e abrigou a classe política longe do olhar vigilante dos eleitores numa época em que as informações não circulavam com tanta facilidade. Os candangos, por sua vez, aqueles que de fato ergueram do chão o projeto juscelinista, foram empurrados para as chamadas cidades satélites. Em vez de economizar o dinheiro público, os políticos se sentiram à vontade para aumentar os próprios ganhos e mordomias, constituindo uma casta autônoma quase sempre alheia à realidade nacional.
E assim coexistem dois mundos, em Brasília e no restante do país. O mundo dos muito ricos e o mundo dos muito pobres, sendo que os primeiros vivem a sugar os demais por meio de elevados impostos, contribuindo para uma das maiores cargas tributárias do planeta. A Justiça que inocenta uns não é a mesma que condena outros, ainda que seus crimes sejam pequenos em comparação com as aberrações praticadas pelos poderosos. Por essas e outras, podemos concluir que a alvorada sonhada por JK se transformou em crepúsculo antes mesmo do sol se pôr no céu da pátria.
Mano Jorge,
eu não conhecia seu blog. Novato nele, vou lendo e comentando. A propósito de Brasília com sua altíssima renda per capita, e do Rio de Janeiro que ainda ostenta mais funcionários públicos federais do que Brasília, diria que são “cidades do poder”.
E como “cidades de poder”, fazem ecoar Brasil afora os seus infortúnios, suas perdas e ganhos, seus tristes venenos.
E ambas são cidades lindas.
Talvez tenhamos um dia que adotar duas capitais como outros países fazem.
Ou três.
Grande abraço
Walmir
Prezadíssimo Jorge
Rio e Brasília são dois espinhos desse país porco-espinho, ou roseira, sei lá…
O Rio sempre foi caixa de ressonância do Brasil, sempre foi estado economicamente significativo. Deixou de ser a capital federal e não perdeu por isso. Apenas tornaram-se explícitas a incompetência e/ou corrupção de suas elites e de sua classe política. Brasília não tem nada com isso.
A atual capital federal revela hoje problemas semelhantes aos que o Rio mostrava à época em que era o centro do poder político do país. Mudam-se as capitais, mudam-se os capitais, permanecem algumas mazelas.
Hoje o Rio depende de si, da inteligência, sensibilidade, coragem e força de seu povo. E Brasília: (qual delas?) depende dos brasileiros, candangos ou não.
Particularmente, creio que o Brasil seria menor sem a atual capital. Nosso mapa seguiria praiano.
Abraço afetivo.
Daniel