
Foi sepultado nesse domingo (23/11), no Cemitério Parque da Colina, o corpo do poeta e compositor Gervásio Horta. Nascido em Teófilo Otoni, a 2 de agosto de 1937, ele foi certamente quem mais cantou Belo Horizonte ao longo de várias décadas. Entre suas composições, destacam-se Rua da Bahia, Adeus Lagoinha, Bela Belô, Manhãs de Belo Horizonte, No calçadão da Savassi, Praça Sete, Mercado Central e Lindo Barro Preto.
No sábado (22), Gervásio foi encontrado desfalecido em sua casa, no Prado, onde residia sozinho. Havia sofrido um AVC e foi levado a um hospital por amigos, mas não resistiu. Sua última música a ser gravada foi Sambatério (Funeral do amor), lançada no Carnaval deste ano pelo sambista Fabinho do Terreiro. A letra cita os sete cemitérios de BH, finalizando justamente com o Parque da Colina.
Seus pais e suas irmãs tocavam piano e isso com certeza o influenciou desde cedo. A família se mudou para a capital do Estado em 1954, mas ele foi obrigado a estudar Administração na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Depois de formado, também veio morar em BH, onde começou a trabalhar como bancário. Nessa época, compôs um hino para uma greve promovida pelo sindicado de classe.
Com o sugestivo nome Sete é sete, a composição extrapolou o ambiente sindical, fazendo sucesso nas rádios locais. Lamartine Babo o convidou para participar do programa que apresentava ao vivo, na hoje extinta TV Itacolomi. Gervásio trabalhou por dois anos na revista Silhueta e ficou conhecendo o autor de jingles Miguel Gustavo (que mais tarde faria Pra frente Brasil, hino da seleção de 1970), e este o introduziu no ambiente publicitário.
Mestre dos jingles
Gervásio compôs inúmeros jingles comerciais e também para campanhas políticas de candidatos como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, José Aparecido de Oliveira, Israel Pinheiro, Leopoldo Bessone, Magalhães Pinto, Hélio Garcia, Newton Cardoso, Itamar Franco e Fernando Collor de Mello.
Ele foi assessor especial do governo de Minas, função exercida até se aposentar, em 1996. Fez músicas para os times do Cruzeiro, América e Vila Nova; compôs o Hino do Mineirão e idealizou o projeto Brasileiríssima, para a Rádio Inconfidência FM, inaugurada em 1979.
Conviver com Gervásio Horta era acima de tudo um aprendizado de vida. Além do talento de letrista e melodista intuitivo, ele impressionava os amigos pela memória e pela generosidade. Ao contrário de muitos que agem por interesse, o “menestrel de Belô” fazia o bem sem saber a quem. Ajudou muita gente na carreira artística e teve músicas gravadas por intérpretes dos mais variados estilos.
Seu parceiro mais famoso foi certamente o “cumpadre” Rômulo Paes, com quem dividiu o clássico Rua da Bahia, sucesso no Carnaval de 1960. Teve músicas nas vozes de Jackson do Pandeiro, Jorge Veiga, Jorginho do Império, Márcio Greyck, Ronaldo Adriano, Orlando Dias, Waldick Soriano, Serginho Beagá, Acir Antão, Tadeu Franco, Helena Penna, Titane, Paulinho Pedra Azul, Carlos Farias, Sérgio Moreira, Selmma Carvalho, Tino Gomes, Maestro Chiquinho, Wilson Dias e muitos outros.
A última vez em que nos vimos foi em 2023, numa visita a Pacífico Mascarenhas, que morreria pouco depois. Gervásio, que já havia rivalizado com o colega nos tempos da Turma da Savassi, foi levar de presente um samba que fizera em sua homenagem. Desde então, nos falamos várias vezes por telefone. Suas histórias e tiradas bem-humoradas já estão fazendo falta. Suas músicas permanecem nos discos, nas redes sociais e na memória daqueles que amam BH.
Que honroso e importante artigo sobre o impagável Gervásio Horta. Talentoso, divertido e solidário, no mínimo é o que digo agora, surpreso com a partida dele. Foi divertir o salão infinito de deus e fazê-lo até sambar.
Sempre um grande aprendizado suas palavras repletas de verdadeiras memórias.
“Cante sua aldeia e cantará o mundo”, afirmou Tolstói.
BH não é uma aldeia, convém que eu explique, em tempos nos quais ofender-se e melindrar-se por pouco tem sido cada vez mais comum.
Sinal de que os bem-humorados e generosos são cada vez mais raros.
E lá se foi mais um.
Fará falta.
Descanse em paz.