Acabo de proferir palestra no Colégio São Judas Tadeu, em Contagem (MG), onde falei para cerca de 150 alunos que leram os livros A Medalha Cigana e No Clarão das Águas, ambos publicados pela editora Paulus. Esse tipo de encontro com os leitores é sempre proveitoso para quem escreve profissionalmente. Afinal, ao contrário das artes do espetáculo, a literatura é quase sempre um ofício solitário, no qual raramente temos contato com o público.
Entre dezenas de mãos levantadas e bocas sequiosas por fazer perguntas sobre os dois livros e a própria atividade literária, surpreendeu-me reações espontâneas sobre o final das duas novelas. Uma garota disse que os dois personagens principais de A Medalha Cigana, no caso a narradora e um jovem cigano, deveriam terminar juntos. Outra confessou ter chorado ao término da leitura de No Clarão das Águas, devido à morte de um dos personagens da história.
À primeira contestadora expliquei que entre os ciganos geralmente o casamento é combinado pelos pais, até mesmo antes do nascimento dos filhos. Por outro lado, o livro trata da descoberta do amor por dois pré-adolescentes e, na vida real, raramente esse tipo de relação resulta numa união duradora. A história de Romeu e Julieta, por exemplo, só tem sentido com o final trágico. Já pensaram, aqueles dois meninos casados, vendo o amor platônico se desgastar na dura rotina do cotidiano?
À segunda provocação respondi dizendo que hoje a mídia transformou a arte em entretenimento e que há uma grande diferença entre as duas coisas. A arte expressa sentimentos e por isso mesmo provoca fortes emoções nas pessoas, gerando transformações íntimas e substanciais. Já o entretenimento visa apenas a diversão e, em muitos casos, alienar o público. Literatura não é telenovela, onde o final feliz é sempre previsível e muitas vezes solicitado pelo público por meio de pesquisas que visam a interatividade. Num mundo onde o riso se tornou objeto de consumo, chorar e pensar são atitudes fundamentais para a nossa humanização.
De qualquer maneira, esses encontros com leitores – sobretudo com crianças e jovens – têm sido um rico aprendizado para este escriba. É no contato com essa galera que percebo o quanto os adultos desconhecem o mundo infanto-juvenil que os cerca. Para início de conversa, a adolescência foi uma invenção da sociedade burguesa pós-industrial. Até então, havia crianças e adultos, sendo que a fronteira entre esses dois mundos nem sempre era visível. Tanto isso é verdade que o trabalho infantil foi instituído pela revolução industrial, que precisava de mãos delicadas e corpos pequenos para operar mecanismos minúsculos e entrar em buracos estreitos nas minas de carvão.
Hoje, o que se percebe é que a infância foi encurtada e a adolescência esticada para além dos limites da idade biológica. A “xuxalização” das meninas, por exemplo, transformou nossas garotinhas numa espécie de anãs que se fantasiam de mulheres adultas, com direito a batom e minissaia. O resultado disso talvez seja o aumento da pedofilia, cujos dados estatísticos tanto preocupam as autoridades. Como a infância perdeu espaço (e isso não é culpa da Xuxa, pois ocorreu em várias partes do mundo) e as leis afastaram os jovens do mercado de trabalho, a adolescência se estica além da conta, podendo chegar aos 30 anos, com adultos totalmente dependentes dos pais.
Mas não quero fazer desse texto um tratado antropológico sobre o homem moderno. Voltando à literatura e ao contato direto com os leitores, também gostaria de registrar que pais e avós muitas vezes reclamam da adoção de certos livros pelos professores. Recentemente, tive o romance Sumidouro das Almas (Ciência Moderna) adotado pela segunda vez no segundo ano do ensino médio em determinado colégio de BH. A avó de um aluno leu o livro e escreveu um relatório destacando as cenas de violência. Sobre isso tenho uma observação a fazer: a cena do estupro foi baseada num dos momentos mais impactantes de Ana Terra, de Erico Verissimo, que li aos 13 anos. Como escrevi um romance de citações, que presta homenagem aos autores equivocadamente classificados como “regionalistas”, não poderia deixar de fora o grande gênio dos pampas.
Sumidouro das Almas é, de fato, um romance adulto, com cenas de sexo, violência e perversão. Mas em momento algum faço apologia dessa ou daquela prática anormal. Pelo contrário, longe de ser moralista, o livro visa provocar no leitor a sensação de náuzea diante da crueldade de personagens corrompidas. Curioso é que a televisão exibe filmes de sexo e violência à luz do dia, enquanto as próprias novelas globais estão repletas de cenas picantes (e ponham picas nisso!). Até mesmo o noticiário nos oferece um espetáculo de horror, com tanta violência, corrupção e impunidade. A reação da tal avozinha, que certamente marchou com Deus e a família em nome da liberdade, demonstra a força da palavra escrita. Se uma cena exibida repetidamente na televisão perde a potência do impacto, um texto impresso jamais se enfraquece, por mais vezes que seja relido.
Outra experiência interessante é comparar a leitura de um texto em papel com a leitura desse mesmo texto na tela do computador. Antes de lançar pela editora Autência O Retrato da Dama, seu livro de estréia, Adriano Macedo de enviou o original pela internet. Li mais da metade dos contos na telinha e confesso que achei cansativo. Quando recebi o livro autografado e reli os mesmos textos, senti o impacto de um soco no estômogo. Os contos são excelentes e o autor tem a manha dos grandes mestres da narrativa. Aliás, recomendo esse livro, que trás apresentações de Antônio Torres e Cunha de Leiradella, autores que dispensam apresentação.
Anauê e até a próxima…
Jorge,muito bom o seu comentário! Isto é tudo que eu gostaria de dizer aos nossos jovens
Eu sou escritora, e breve gostaria de fazer palestra em colégios para incentivar a leitura aos nossos jovens. Só preciso me focalizar no qual tema.
Abraços,
Neves Maria.
gostei da sua enquete com relaçao a leitura dos jovens hoje em dia, que esta caindo cada dia mais e mais.