
A obra chegou às minhas mãos bem antes do autor ao alcance do meu abraço. Eram meados dos anos 70, quando um amigo me presenteou com um exemplar de Matemágica, livro de estreia do poeta e professor de redação Ronald Claver impresso nas oficinas da Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Li e reli o livro admirado, deixando-me influenciar pelos versos subversivos naqueles tempos de ditadura militar. Ronald falava da vida, da morte e da guerra. Dormia como poucos “o sono bélico da paz” em tempos de repressão e guerra fria. Eu era um adolescente metido a poeta e beberia a influência dos seus versos como um sedento aprendiz.
Alguns anos depois, aluno de Comunicação na Fafi-BH, incluí o poeta num trabalho de aula e fui entrevistá-lo em sua casa. Ali nasceu nossa amizade, que mesmo à distância nos últimos anos permaneceria para sempre. Fomos colegas no Coletivo 21, quando o incluí na antologia Adolescência & Cia, organizada para a Editora Miguilim.
Poeta premiado
Na sexta-feira (29/8), li numa rede social que Ronald morrera de câncer aos 79 anos. Deve ser fake news, logo pensei com os meus botões. Afinal, os poetas não morrem – já sabia Guimarães Rosa. Ronald lecionou no Colégio Técnico, fundou a revista da UFMG e ganhou vários prêmios, entre eles o Cidade Belo Horizonte duas vezes, em 1982 e 84.
O poeta também jogou futebol de salão e lutou taekwondo por um bom tempo. Sua vocação esportiva o levou ao cargo de secretário municipal dos Esportes de Belo Horizonte. Lembro que nessa época organizamos uma corrida rústica pela Rua da Bahia, no projeto que tentou inutilmente transformá-la em “rua 24 horas”.
Tenho dele seis livros autografados: Matemágica, Às margens do corpo, A olho nu, Bar e Café São Jorge (finalista do Prêmio Casa de las Américas em 1992), Nas águas do Jequitinhonha – Violência da paisagem e A última sessão de cinema, novela juvenil premiada em 1986 na 3ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira.
Obra permanece
Este último da lista me levou às lágrimas com saudade do tempo em que os cinemas exerciam sobre os jovens uma espécie de magia que a nada se compara. Como bem ressaltou a jurada Vivina de Assis Viana na apresentação, essa obra “não indica apenas uma boa estreia de um bom autor em um novo gênero, mas o enriquecimento do gênero com esse fato”.
Por essas e outras, sigo acreditando que a morte do Ronald não passou de uma dessas fake news que tiram o sono dos internautas de plantão. Afinal de contas, todo poeta se imortaliza nos versos que escreve. Pelo sim pelo não, sua obra permanece na memória de leitores e fãs como eu.
Ronald, poeta e o mais atleticano de todos os atleticanos. E como nos divertimos com as noite de “Poesia com cachaça”.
Não tive o privilégio de conviver com o Ronald Claver, mas sei da contribuição que ele deu à cultura de Minas e particularmente à literatura.
Grande artista, grande perda !
Olá, Jorge, saudade!
As lembranças dos tempos em que convivi com o Ronald -na Nestlé, na Atual, na Lê e no Mineirão- são tão ricas em realizações e afetos, que é com elas que quero continuar me nutrindo enquanto releio, emocionada, as páginas -já antigas- de “Ana e Pedro”, nosso trabalho a quatro mãos.
Claver, com C maiúsculo.
grande em tudo, e tudo dito.
Obrigado, meu irmão Jorge. Vc disse tudo que eu gostaria de falar sobre meu amigo poeta e escritor Ronald. Fomos amigos desde a pré-adolescência. Perdemos o amigo, mas sua obra o eternizara. Para mim, ele foi mais que amigo, um influenciador.
Ronald foi não só poeta e professor, foi grande incentivador de novos talentos. Hoje tenho 4 livros publicados, mas o primeiro deles só foi publicado por conta de seu incentivo.
“O homem passa, a obra permanece”.
Notadamente, se a obra, assinada por um Claver, tem a marca de um homem “clever” (subverto aqui o ordem inglesa quanto ao adjetivo preceder ao substantivo.
Concordo plenamente com você.
Ronald não morreu, pelo menos para nós, que tivemos o privilégio de conhecê-lo.
Suas palavras de incentivo ainda ecoam em minha memória.
Dessa forma, continuemos, porque “escrever não dói”.