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O Parque Municipal não era tão grande, mas era bonito e tranquilo nos fins de tarde. E aquilo agradava ao homem que caminhava naquele horário, entre a relva e as árvores. Seu nome era Hamilton e todos o chamavam de Tom. Tinha cinquenta e seis anos, embora aparentasse um pouco mais. Grisalho, de olhos castanhos, rosto branco e redondo, colecionava algumas rugas e cultivava uma barriga que servia de mais um motivo para as implicâncias da mulher. O nome dela era Norma e estavam casados há vinte e sete anos. Tinham um casal de filhos, a mais velha já casada e mãe de uma menina de dois anos.

Tom havia se aposentado na profissão de alfaiate e, por mais que se esforçasse, não conseguia sentir-se bem em sua nova condição. No começo, achou que seria uma justa recompensa pelos trinta e tantos anos de trabalho ininterrupto. “Arranjarei um serviço de meio horário, só para preencher o tempo e inteirar a aposentadoria” – dissera à família num almoço de domingo. Qual o quê! Não conseguira nenhum outro afazer, senão ficar em casa discutindo com a mulher, folheando jornal ou vendo televisão, sem nem mesmo tirar o pijama. “Ninguém quer dar emprego a um velho aposentado”- concluiu, amargamente.

Nos últimos meses, Tom adquirira o hábito de caminhar pelo Parque Municipal, ao anoitecer. No início, experimentou ir ali durante o dia , mas a presença de muitas pessoas era uma coisa que o incomodava bastante. E assim ele preferia o final da tarde devido ao fato de haver menos gente ao seu redor.

Naquele dia, como sempre fazia, sentou-se num dos bancos de frente para o lago, diante do qual erguia-se uma colina. Além da colina, ele podia ver alguns prédios do centro da cidade. O ar ainda estava úmido devido às chuvas de verão que haviam estiado no dia anterior. Os passarinhos tomavam seus lugares nas árvores, piando e esvoaçando como de costume. O vento cantava nas frondes e todos aqueles sons, mais o distante ruído da cidade, despertavam em Tom uma sensação agradável.

” Lá fora, o caos da civilização; aqui, a simplicidade da natureza” – ele pensava. E alguma coisa fazia com que ele se lembrasse da infância perdida. “Uma infância que hoje em dia já não há” – dizia de si para si. E recordava a cidadezinha onde fora criado e todas aquelas brincadeiras do seu tempo e as conversas dos adultos na calçada, ao entardecer. “Hoje, as crianças já não brincam e os adultos já não conversam como antigamente” – disse em pensamento.

O sol tombava por detrás da colina, além dos prédios, tingindo as nuvens altas de dourado. As nuvens mais baixas, sopradas pelo vento do Norte, passando em frente ao sol da direita para a esquerda de Tom, desenhavam estranhas figuras cor de chumbo no azul do céu. “Aquilo parece um peixe” – pensou o homem, olhando as nuvens e se lembrando de uma das brincadeiras de sua infância. “Agora está se transformando num rebanho de ovelhas”- acrescentou e, no fundo de sua memória, ecoou a voz de Cristina, a primeira namoradinha que ele teve na vida. Ela devia ter pouco mais de dez anos quando lhe fez exatamente aquela pergunta:
” Qual é o artista que pinta as nuvens de dourado e desenha no quadro negro do céu?”

Tom não soube responder.

” Ora, Tina, é claro que não tem nenhum artista”.

” Será que não?” – disse ela.

” Claro que não. Isso é coisa da sua imaginação. Mulher é assim mesmo, gosta de ficar imaginando coisas absurdas”.

Ele não falou, mas estava apenas repetindo uma frase dita pelo pai, ao comentar uma fantasia inventada por uma das filhas.
“Naquele tempo a vida era boa” – disse Tom a si mesmo. E recordou-se dos seus planos de então. “Quando crescer, eu quero ser piloto” – dissera a Cristina, ao ver um bimotor cruzando os céus.
“E eu vou ser aeromoça” – ela comentou.

Uma garça bateu asas e ficou sobrevoando o lago, até pousar numa árvore. Tom a acompanhou com um olhar tristonho, na certeza de que não realizara nenhum dos seus planos de vida. “Sonhei tantas coisas e acabei fazendo tão pouco” – suspirou do fundo da alma. Por um momento, lembrou-se de Norma e do seu gênio que a cada dia se complicava mais. “O tempo esgarçou o nosso amor como se ele fosse um retalho de seda”- meditou.

Depois pensou no filho caçula, ainda solto na vida, sem planos para o futuro. “Ele vive como se fosse eterno” – comentou, mas concluiu que seria melhor daquela maneira. Assim o rapaz teria menores decepções. Lembrou-se da filha que não vivia bem com o marido e da neta que, ainda tão pequena, já sentia na carne o preço de tais desavenças. “Não foi nada disso o que eu planejei para mim e para eles”- quase murmurou, voltando a contemplar o crepúsculo e, em sua memória, Cristina repetiu a pergunta: “Qual é o artista que pinta as nuvens de dourado e desenha no quadro negro do céu?”

– Sei não, Tina – disse ele em voz alta. – Mas, seja lá quem for, devia apagar o quadro antes que os homens o façam.

Aquilo saiu de sua boca sem mais nem menos e entrou pelos ouvidos, resvalando nos labirintos do cérebro, provocando uma estranha sensação. Ele olhou para os lados, pensando que alguém poderia tê-lo escutado. “Quê que há, velho Tom, você nunca foi de filosofar”- resmungou consigo mesmo.

As nuvens escuras e baixas continuaram passando da direita para a esquerda, formando peixes, ovelhas e outras figuras. O sol ainda dourava as nuvens mais altas, declinando por detrás da colina e dos prédios como um operário a caminho de casa, depois de ter cumprido sua jornada de trabalho. Os passarinhos que ainda piavam já estavam acomodados nos galhos das árvores.

Tom se pôs novamente de pé, ergueu a cabeça e viu a lua cheia que era tão prateada que mais parecia uma medalha de São Jorge sobre um veludo azul-marinho. “Está esfriando”- murmurou, enfiando as mãos na algibeira. – “Melhor tomar um gole antes de ir para casa”.

Surgiram as primeiras estrelas e as luzes foram se acendendo entre as árvores. Fora do parque, a cidade parecia gemer através do ruído de motores, sirenes e buzinas. E foi naquela direção que o velho Tom caminhou, antes que a noite o envolvesse.


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